Folha de S. Paulo
Se bolsonarismo fosse obra de ficção,
pecaria por falta de verossimilhança
Se fosse obra de ficção, o governo
Bolsonaro não passaria pelo crivo de críticos exigentes. Falta-lhe
verossimilhança, esse conceito tão caro à literatura e ao drama. Tudo é tão
caricatural e grotesco que um editor de livros ou um diretor de teatro ou
cinema diriam: "Não dá para aceitar essa porcaria. Se a arte não
reproduzir minimamente os critérios de razoabilidade e plausibilidade do mundo
real, é impossível haver comunicação com o público". Antes de jogar o
texto no lixo, esse meu crítico imaginário pensaria, com ar aborrecido:
"Vá ler Aristóteles e não me amole. Ou escolha o caminho da literatura
fantástica".
Os contrastes exagerados; a falta de nuances de caráter; o lobo que não disfarça a sua natureza mesmo em pele de cordeiro; a hipocrisia rasgada; o sujeito que vocaliza o contrário daquilo que pensa e que pratica o oposto do que diz... Nada disso rende boas histórias. Há bem mais do que 50 tons de maldade e de bondade nas pessoas. Sem ambiguidade não se constroem boas personagens. Vivemos, no entanto, um pastelão amador e sangrento. O bolsonarismo é um vilão sem imaginação. A personagem principal faz troça de doentes que morrem sufocados.
Trata-se de uma gente mesquinha mesmo
quando afeta sabedoria superior. Na campanha eleitoral de 2018, Paulo Guedes falava
nos salões do capital em nome da responsabilidade fiscal, opondo-se, então, ao
que seria o populismo das esquerdas. Afinal, a presidenta "do outro
lado" havia sido deposta em razão da suposta pedalada. Com a PEC dos
Precatórios, o Ministério da Economia pedalou, furou o teto e deu calote. Tudo
de uma vez. Tomaram gosto. A três meses da eleição, instaura-se a desordem
fiscal na União e nos estados para baixar o preço dos combustíveis e se violam
a Lei Eleitoral e a Constituição com o que o próprio Guedes chamou "PEC Kamikaze".
Eis os senhores que anunciam ter os arcanos
da tradição, da família e do cristianismo. Falcatruas de proporções bíblicas
tragam o Ministério
da Educação. Os protagonistas são pastores que evocam, com as artimanhas do
demônio, o nome de Deus. Vituperam contra as ditas licenciosidades do nosso
tempo, a Anitta, a Pabllo e a "ideologia de gênero". O Código Penal e
a Lei 12.850 põem nome nas coisas que esses homens pios praticaram por lá:
tráfico de influência, corrupção ativa, lavagem de dinheiro, organização
criminosa. Os garantidores dos costumes eram só uma súcia de ladrões.
Uma das figuras mais salientes e buliçosas
dessa turma tão empenhada em combater os hábitos degenerados do nosso tempo era
parceiro frequente das "lives" do presidente. Pedro
Guimarães, ex-presidente da Caixa, não só tentava conferir robustez técnica
aos desatinos do chefe como prometia, se preciso, pôr seu próprio corpo à prova
em defesa da "nossa liberdade", para citar o "capitão". Em
2020, ameaçou pegar suas 15 armas e dar a vida, se preciso fosse, para combater
quem tentasse impor restrições à sua família em razão da Covid. Esses valentes
têm um lema: "Minhas armas, minhas regras".
Abriu-se a caixa de Pandora e lá de dentro
saíram todos os males do mundo. Segundo testemunhos, o chefão da CEF submetia
mulheres, de forma sistemática, a assédio sexual. Áudios evidenciam a rotina de
assédio também moral. Há indícios de que o próprio Planalto sabia há tempos que
algo não estava bem por lá. Guimarães, no entanto, era o mais frequente
parceiro de cena do chefe.
O centrão foi um dos Belzebus da campanha
bolsonarista em 2018. Hoje, Arthur Lira e Ciro Nogueira governam o país e estão
empenhados em tornar de execução obrigatória as tais emendas do relator. A
turma daria, assim, o seu próprio golpe, independentemente da sorte do seu
líder. Ainda que não houvesse as lambanças do MEC e da Codevasf, o orçamento
secreto já faria deste governo o mais corrupto da história.
É essa gente que ameaça o TSE e flerta com golpe de Estado caso perca a eleição. Flávio Bolsonaro, o patriota da "rachadinha", voltou a fazer ameaças em entrevista publicada ontem. Somos personagens de uma obra de ficção que afronta todos os fundamentos da verossimilhança. E, no entanto, é tudo verdade. E é preciso reagir no mundo dos fatos.
"é tudo verdade"? Mas, quanto ao que Bolsonaro fala, na verdade É TUDO MENTIRA!
ResponderExcluirFalta umss coisas
ResponderExcluirImportantes nele, CLASSE, finesse, educação de berço e sobra vulgaridades vc sempre esteve certo sobre ele.
Esse Guedes é outro sem classe etc, muito emblemático esse governo, fraco, fraco.
Parece absurdo,nonsense e surreal,entretanto,é tudo verdade!
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