O Estado de S. Paulo
Uso de ferramentas digitais como instrumentos de cidadania dificulta vida de populistas
Os rankings internacionais usam
terminologias diferentes, mas, na prática, dividem as democracias entre
saudáveis, doentes, na UTI e clinicamente mortas. Nos últimos dez anos,
democracias como Hungria, Índia e México foram parar na UTI. Há muito que
Venezuela e Nicarágua estão clinicamente mortas. O Brasil ainda não atingiu
esses estágios tenebrosos, mas rankings como V-dem, The Economist e Freedom
House já nos consideram uma democracia doente.
No V-dem deste ano, o Brasil apareceu entre
as dez democracias que mais perderam qualidade. Os índices detectaram um
aumento da violência política e a deterioração do debate público. O assassinato
do policial petista Marcelo Arruda, perpetrado por um militante bolsonarista, é
um sintoma desses males. Como apontou o Estadão em editorial, era obrigação do
presidente da República condenar veementemente o crime, e ele não o fez – outro
sintoma.
Como recuperar uma democracia doente? Fiz essa pergunta ao cientista político Sérgio Abranches, um dos brasileiros mais citados em publicações internacionais por seus estudos sobre presidencialismo de coalizão. Abranches acaba de publicar um esplêndido artigo no Journal of Democracy sobre o assunto, “A metamorfose social e a democracia”. Ele é o entrevistado do minipodcast da semana.
Para Abranches, as democracias precisam se
adaptar às forças que sacudiram o planeta nas últimas décadas: a globalização,
a revolução digital, a explosão da sociedade em rede e a necessidade vital de
combater a mudança climática. Essas forças revolucionaram, entre outras coisas,
o mundo do trabalho, criando insegurança para os cidadãos – que se tornaram,
segundo o artigo, presas fáceis para “populistas e demagogos”, que prometem “um
passado idealizado, fechado e seguro para os seus”.
As mesmas forças que desestabilizaram a
democracia podem, no entanto, trazer sua redenção. O mundo digital isolou os
indivíduos em bolhas, mas trouxe também ferramentas para que os cidadãos
fiscalizem seus representantes eleitos. O desencanto com as instituições pode
se converter no que Abranches chama de “desconfiança cívica”, que elevaria os
níveis da participação política.
Os líderes populistas que corroem as
democracias por dentro constituem um problema novo, de solução ainda incerta. A
leitura do artigo de Sérgio Abranches sugere que a vida deles fica mais difícil
se usarmos as ferramentas digitais como instrumentos de cidadania,
desmascarando suas mentiras e contribuindo para um debate público baseado em
evidências. Cabe a nós, em última análise, melhorar a qualidade de nossa
democracia.
*Escritor, professor da Faap e doutorando
em Ciência Política na Universidade de Lisboa
Se dependesse de mim a democracia estaria sempre tinindo!
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