O Globo
Muitas coisas em Brasília são insondáveis
para o cidadão comum, aquele que pega ônibus, paga boletos, compara preços no
supermercado e nunca entrou num prédio projetado por Oscar Niemeyer. As
decisões tomadas pelo Congresso recentemente, por exemplo. Em menos de 48 horas os aliados de Jair Bolsonaro aprovaram, com a ajuda
da oposição, a autorização para o governo gastar quase R$ 41 bilhões em um
pacote extra de benefícios sociais a menos de três meses da eleição.
A medida cria uma exceção à Lei Eleitoral
que impede o governante de turno de usar a máquina pública para distribuir
dinheiro ou comprar votos, levando vantagem sobre os concorrentes. É o
"estado de emergência" que permite a Bolsonaro aumentar sem
empecilhos o valor do Auxílio Brasil e do auxílio gás, além de distribuir vales
para caminhoneiros autônomos e taxistas.
A proposta foi bombardeada por técnicos do
Senado, do Tribunal de Contas da União e de organizações sociais pelo temor de
que destrua as contas públicas e gere mais inflação, aumentando o peso da crise
sobre os bolsos dos brasileiros, em vez de aliviá-lo.
Ninguém discute a necessidade de ampliar a rede de proteção social para a massa que está passando fome e é jogada na miséria pela carestia. Mas todo mundo sabe que o governo poderia cortar outras despesas para ampliar os benefícios sociais sem ter que quebrar as contas públicas. Poderia, também, ter implementado essas medidas de forma planejada, nos últimos meses, sem ferir a lei eleitoral. Afinal, a crise não começou na semana passada. Se o governo achou que seria tranquilo derrubar uma das leis mais importantes para nossa democracia, foi porque apostou que ninguém na oposição teria coragem de se opor a algo que "ajuda os mais pobres" às vésperas da eleição.
Apostou e levou. Num dos casos mais
esquisitos já registrados em Brasília nos últimos tempos, oposição e governo
aprovaram juntos a proposta em quase unanimidade. Só o senador José Serra (PSDB
-SP) foi contra. Na hora da votação, os únicos membros da oposição que ficaram
no plenário foram os que não concorrem à reeleição em outubro. Os outros
votaram de forma virtual – a favor, para não ser acusados publicamente de ser
contra os pobres, mas de forma virtual, para não ser fotografados no plenário
aprovando algo que, ao fim e ao cabo, favorece os planos eleitorais de Jair
Bolsonaro.
Só agora que a PEC chegou à Câmara é que os
deputados de oposição começam a se articular para adiar a votação – não para
rejeitá-la, mas para que não dê tempo ao governo de obter dividendos eleitorais
com o aumento dos benefícios.
Algo parecido ocorreu com a proposta de
instalação de uma CPI para investigar o escândalo dos pastores que
intermediaram a liberação de recursos no Ministério da Educação. O pedido,
feito pelos senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Jean Paul Prates (PT-RN) e
Jorge Kajuru (Podemos-GO), teve o apoio de 31 senadores, mais que o mínimo de
27 exigido para a criação da CPI. Mas o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco,
conseguiu negociar um adiamento com a "maciça maioria" dos líderes
partidários, admitindo que o fez para evitar que o período eleitoral
"contamine o processo de investigação". Mais uma vitória do
governo com o apoio da oposição. Que, nos bastidores, admite que a CPI deve ficar
para as calendas. Mas que, em público, continua prometendo recorrer ao Supremo
para garantir a instalação da CPI.
Tanto num caso quanto no outro, o que
desempatou a parada foi a avalanche de emendas do orçamento secreto. Só nas
últimas duas semanas, foram R$ 6 bilhões em emendas indicadas pelos presidentes
da Câmara e do Senado, numa ação coordenada pelo governo. Ao pé do ouvido, a
conversa era simples: só recebe uma parte dessa bolada quem ajudar o governo.
Mais uma vez, se ilude quem acreditar que só os governistas entram nesse bonde.
Na oposição também tem parlamentar que consegue destinar dinheiro a suas
emendas no Orçamento - em volume bem menor, mas consegue.
Da mesma forma que os marqueteiros costumam
definir a economia como a principal razão para as decisões dos eleitores –
"é a economia, estúpido!", diz o clássico bordão –, também dá para
inverter a máxima para explicar o que está acontecendo em Brasília. Daqui até o
final do ano, toda vez que vislumbrar algo esquisito na política, o cidadão
comum pode encurtar o caminho para a explicação decretando que a culpa é da
eleição.
Até aí, chegamos facilmente. O que não vai ser fácil de explicar é o estado em que os eleitos, sejam eles da situação ou da oposição, encontrarão as contas públicas, as instituições e a própria economia em 2023.
Taí,a câmara podia adiar a votação impedindo a gastança eleitoreira de Bolsonaro.
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