Correio Braziliense
A insegurança jurídica provocada por emendas à Constituição casuísticas, aprovadas à toque de caixa, ampliam o cenário de incertezas em relação à estabilidade da própria moeda, o real.
A Marcha da Insensatez, da historiadora
Barbara Tuchman, que venceu o prêmio Pulitzer por duas vezes, trata de
situações nas quais seus protagonistas contrariaram seus próprios interesses,
nos casos da Guerra de Tróia, da Reforma Protestante, da Independência dos
Estados Unidos e da Guerra do Vietnã. Nesses episódios, as lideranças políticas
mais poderosas tomaram decisões catastróficas. Por isso, o livro é um clássico
da política.
Tuchman descreve a desastrosa atuação dos
papas do fim do século XV e início do XVI, a arrogância da aristocracia inglesa
frente às colônias americanas e, por fim, a cegueira da elite político-militar
dos EUA na Guerra do Vietnã. O mundanismo — o enriquecimento do alto clero —
dividiu a Igreja e embalou a Reforma de Lutero e Calvino. A inflexibilidade e a
cobiça da aristocracia inglesa resultaram na perda de suas Colônias na América
do Norte. A Guerra do Vietnã levou os Estados Unidos a uma de suas mais
profundas e longas crises políticas.
No Brasil, estamos vivendo um momento parecido. Estão em xeque nossa ordem democrática e a institucionalidade da economia. Ulysses Guimarães, o grande patrono da nossa Constituição Cidadã, quando alguém se queixava do Congresso, costumava dizer que a safra de parlamentares seguinte seria pior. Sua pilhéria virou uma maldição, porque o grau de deterioração das práticas políticas no Congresso só aumenta.
Depois que os políticos do Centrão, aliados
ao presidente Jair Bolsonaro, passaram a dar todas as cartas no nosso
Parlamento, um câncer corrói as entranhas da política brasileira, o chamado
orçamento secreto, que cedo ou tarde será mais um caso de polícia. Para
completar, o bilionário fundo eleitoral destinado aos partidos nas eleições
está se transformando num obstáculo à renovação dos costumes políticos.
Criou-se uma situação de absurda
desvantagem entre quem tem mandato, e usufrui de verbas do Orçamento da União,
estruturas de gabinete e recursos abundantes de campanha, e aqueles que serão
candidatos e não têm as mesmas possibilidades. Como se não bastasse, agora vem
o pacote de bondades da PEC da Eleição, que será a bandeira eleitoral de quem
pleiteia a reeleição.
Seu objetivo seria mitigar os efeitos da
inflação na vida da população de mais baixa renda, mas isso é apenas uma
cortina de fumaça para o que realmente está acontecendo. São medidas de curto
prazo, de caráter populista, que não vão resolver os problemas da população,
porque o rombo fiscal que provocará será um fator acelerador da própria
inflação, corroendo os seus benefícios.
Mais graves são as consequências em termos
institucionais, como o desrespeito ao calendário eleitoral e o abuso do poder
econômico nas eleições, de um lado, e a ruptura na institucionalidade de nossa
economia, devido à falta de responsabilidade fiscal, de outro. A insegurança
jurídica provocada por emendas à Constituição casuísticas, aprovadas à toque de
caixa, ampliam o cenário de incertezas em relação ao futuro da própria moeda, o
real.
A três meses das eleições, essas medidas
que estão sendo aprovadas no Congresso desnudam um descolamento dos partidos
políticos e seus representantes dos verdadeiros interesses da sociedade. São um
fator de enfraquecimento da própria democracia. Já passamos por outras
situações semelhantes, ao longo da história, que nos levaram a profundas
crises.
A hiperinflação da década de 1980, que
coincidiu com a transição à democracia, ainda hoje nos cobra pedágios, pois
nunca mais conseguimos ingressar num ciclo longo e sustentável de crescimento,
mesmo depois de o Plano Real ter estabilizado a nossa moeda e as privatizações
terem se realizado, para restabelecer o equilíbrio das contas públicas. A Lei
de Responsabilidade Fiscal está sendo rasgada.
Encenação
O preço desse fracasso está anunciado: é a
iniquidade social que explode nas ruas e não será superada na campanha
eleitoral com esse pacote de medidas proposto pelo governo. O Senado aprovou a
PEC das Eleições com apenas um voto contrário, o do senador José Serra
(PSDB-SP), um economista experiente, que governou São Paulo, conhece as contas
públicas e entende de política de desenvolvimento.
Casa de ex-ministro e ex-governadores,
muitos dos quais candidatos nestas eleições, o Senado protagonizou um acordão
sem precedentes entre o presidente Bolsonaro, o Centrão e a oposição, num pacto
do tipo “nos locupletemos todos”. Com toda a certeza, não será a Câmara que irá
restaurar a moralidade.
O misancene que está sendo feito pela
oposição, cujos parlamentares estão docemente constrangidos, apenas disfarça o
efeito manada. A palavra de origem francesa — “mise en scène” — significa
encenação. É o que está acontecendo nas manobras de obstrução da votação na
Câmara. É muito difícil para um parlamentar com mandato em risco votar
isoladamente contra as benesses anunciadas no pacto. Não teria como explicar
aos eleitores.
O presidente Jair Bolsonaro aposta todas as fichas na PEC da Eleição para reverter a desvantagem em que se encontra em relação à preferência das parcelas mais pobres da população, principalmente no Nordeste. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva acredita que as medidas o beneficiarão, porque estão sendo adotadas de última hora, diante do risco de derrota eleitoral do governo. É a marcha da insensatez.
O Centrão é a Nova Política prometida por Jair Bolsonaro! Tanto um quanto o outro valem o mesmo: 0,00. Lula aguarda o Centrão de braços abertos, seu velho companheiro dos seus 2 mandatos anteriores... Aguardemos o preço que será cobrado de nós, eleitores!
ResponderExcluirÉ uma lambança generalizada.
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