O Globo
Não é segredo que o presidente da Câmara,
Arthur Lira (PP-AL), cresceu na política como discípulo de Eduardo Cunha. Nos
tempos em que Cunha reinava absoluto sobre o Parlamento, manobrando o
regimento, tratorando opositores e ameaçando desafetos políticos, Lira era um
dos líderes de sua tropa de choque.
Na presidência da Comissão de Constituição
e Justiça, adiou ao máximo a tramitação do pedido para tirar o mandato do
chefe. Foi, ainda, um dos dez deputados que votaram contra a cassação, mesmo
quando já era evidente que ela seria aprovada por ampla maioria.
Ontem, Lira comprovou na prática o que se
ouve nos corredores da Câmara há muito tempo: a criatura superou o criador e
vem fazendo coisas que nem mesmo o mestre teria tido a ousadia de arquitetar.
Só os acontecimentos de ontem já
justificariam a constatação. Na noite de terça-feira, uma misteriosa pane
impediu a votação da PEC Kamikaze no momento em que havia dúvidas sobre a
viabilidade de aprovar o estado de emergência para permitir ao governo distribuir
benesses proibidas pela lei eleitoral.
Lira então suspendeu os trabalhos e voltou no dia seguinte disposto a simplesmente retomar a sessão de onde havia parado. Isso porque, se abrisse outra sessão, não haveria quórum para votar, porque muitos deputados já tinham viajado para seus estados para fazer campanha.
Lira, porém, logo percebeu que, além de
absurda, sua decisão corria o risco de ser derrubada no Supremo por alguma
liminar da oposição.
Então mudou a regra das votações ali, na
mesma hora, permitindo que os parlamentares que estavam em casa, no táxi, no
escritório ou mesmo no palanque votassem à distância sobre uma das mais
relevantes alterações na Constituição da história da democracia brasileira. Sem
consultar nem dividir a decisão com ninguém, rasgou a regra e editou outra.
Não foi a única manobra heterodoxa para
fazer avançar a PEC. Na semana anterior, um dos membros de sua tropa de choque,
Lincoln Portela (PL-MG), já havia feito uma sessão de menos de um minuto apenas
para contar o prazo de votação do projeto, diante de protestos generalizados
dos poucos deputados que estavam no plenário.
Líderes como Marcel van Hattem (Novo-RS)
pediram para usar o tempo de discurso que o regimento garante, mas foram
ignorados. E isso três semanas depois de o próprio Lira derrubar a convocação
do ministro da Justiça, Anderson Torres, para explicar a morte de Genivaldo
Jesus dos Santos numa ação da Polícia Rodoviária Federal em Sergipe.
A explicação de Lira para anular a
convocação? O líder da bancada evangélica, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), não
pôde falar, o que feria o regimento.
Não é na forma como opera o regimento que
Lira mostra ter dominado o método Cunha. O processo no Conselho de Ética contra
o psolista Glauber Braga, que desacatou Lira em plenário, anda a toque de
caixa, e em menos de um mês já tem até relator.
As representações contra Eduardo Bolsonaro
(PL-SP), como a que apura o deboche com a tortura sofrida pela jornalista
Míriam Leitão na ditadura militar, mofam na gaveta há meses.
Quando o presidente da Petrobras se recusou
a obedecê-lo e não quis mexer na política de preços da companhia, Lira passou
por cima dele. Foi para as redes sociais exigir que se demitisse, ameaçou abrir
uma CPI para investigar quanto a empresa gastava em diárias e passagens de seus
executivos, citou até o uso de um jatinho que nunca existiu.
Ao final, José Mauro Coelho se demitiu.
Mas, ao perceber que não seria fácil para o governo colocar na empresa quem
quisesse, Lira lançou-se numa batalha contra a própria Lei das Estatais — que
por ora deu lugar a outras prioridades, mas nunca se sabe.
A voracidade do presidente da Câmara faz
com que alguns dos mais antigos digam que “Lira é um Eduardo Cunha sem
escrúpulos”. Para esses, Cunha dava interpretações absurdas ao regimento, mas
não o rasgava. Também ameaçava os adversários, mas sabia reconhecer derrotas.
Pode ser, mas há outras distinções mais relevantes.
Ao contrário de Lira, Cunha não tinha à
disposição os bilhões do orçamento secreto. Detinha muito poder na máquina
pública, mas decidiu brigar ao mesmo tempo contra o governo Dilma Rousseff e
contra a Lava-Jato. Derrubou a presidente, mas rodou em seguida.
Lira tem o canhão do orçamento secreto para
apontar contra os dissidentes — e não briga com o governo, muito pelo contrário.
Usa o poder que tem para manter Bolsonaro vivo enquanto lhe for conveniente. É
uma espécie de Eduardo Cunha 2.0. E isso não é sinal de evolução.
O presidente da câmara está em sintonia com Bolsonaro,farinha do mesmo saco.
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