Valor Econômico
Agora, além de não resolver problemas
crônicos, andamos para trás nas áreas em que havíamos avançado
Tivemos muitos problemas na área social nos
últimos anos. Avanços importantes obtidos nas últimas décadas estão em risco
pela falta de políticas públicas adequadas para enfrentar os efeitos da
pandemia. O que poderemos fazer para reverter esta situação no futuro?
Vários avanços institucionais e políticas públicas foram construídos nos últimos 30 anos no Brasil. Estabilizamos a inflação, construímos uma rede de proteção social, universalizamos o acesso ao ensino fundamental, criamos o Sistema Único de Saúde e os programas de transferência de renda e democratizamos o acesso ao ensino superior. Foram criados institutos e políticas de proteção ao meio ambiente e aos povos indígenas. Isto fez com que a desigualdade e a pobreza declinassem continuamente no período e que a situação das minorias melhorasse.
Além disto, criamos as leis de
responsabilidade fiscal e eleitoral para evitar que governantes gastassem
demais no seu último ano de mandato com objetivos eleitoreiros, deixando
pesadas dívidas para seus sucessores. Ainda não conseguimos resolver nossos
problemas crônicos de baixa produtividade e aprendizado, alta criminalidade e
manutenção de privilégios para os grupos de pressão. Mas estávamos avançando
aos poucos.
Agora, além de não termos resolvido estes
problemas crônicos, andamos para trás nas áreas em que mais havíamos avançado.
O primeiro golpe veio com a pandemia, que nos deixou com um passivo de longo
prazo difícil de lidar. A falta de uma política sanitária coerente para enfrentamento
da pandemia causou muitas mortes que poderiam ter sido evitadas. Além disto,
vários programas de vacinação foram interrompidos por causa da pandemia,
problemas de saúde não foram tratados e problemas de saúde mental se
multiplicaram.
A falta de uma política educacional
coordenada para funcionamento das escolas durante a pandemia provocou seu
fechamento por um período maior do que necessário, deixando grande parte das
crianças sem aulas por dois anos. Isto provocou um grande déficit de
aprendizado para todos os alunos, ainda mais grave para os que estavam se
formando no ensino médio e para os que estavam aprendendo a ler e escrever.
Além disto, a troca constante de ministros fez com que várias políticas
educacionais fossem paralisadas, inclusive o sistema de avaliação educacional,
que nos permitiria avaliar a situação do aprendizado pós-pandemia.
Com a pandemia, a pobreza extrema voltou,
pois milhares de pessoas que tinham seu próprio negócio, que as permitiam
sobreviver longe da pobreza, foram afetadas pelo isolamento social. Estas
pequenas empresas foram fechadas e as pessoas tiveram que vender o capital que
tinham construído para poder sobreviver. Como elas estavam fora do radar da
nossa política de assistência social, caíram na pobreza. E a volta de inflação
provocou uma forte queda adicional no seu poder de compra, trazendo de volta os
moradores de rua e a insegurança alimentar em grande escala.
Uma política pública que foi implementada
com relativo sucesso durante a pandemia foi o auxílio emergencial. Apesar de
ter tido exageros, a agilidade na concessão deste auxílio foi importante para
evitar aumentos maiores de pobreza na pandemia. Porém, a transformação do
programa Bolsa Família para o Auxílio Brasil trouxe uma série de problemas. O
principal deles é que a focalização do programa, que era uma das suas
principais características positivas, foi abandonada em troca de um valor único
para todos os pobres.
Dois mil e vinte e dois tem se mostrado
ainda mais complicado, ressuscitando problemas que achávamos que havíamos
deixado para trás. A PEC kamikaze foi um golpe duro no arcabouço de
responsabilidade fiscal e eleitoral duramente construídos ao longo das últimas
décadas. Descobrimos que basta ter maioria no Congresso para mudar a
Constituição alegando uma emergência e alterando toda uma legislação vigente.
Assim, governantes que precisam de votos descobriram que podem alterar a
legislação para distribuir dinheiro e benesses em troca destes votos, ao invés
de implementar políticas públicas baseadas em evidências. E, uma vez que a
pasta de dente saiu do tubo, será muito difícil colocá-la de volta.
Assim, a situação social no país piorou
muito em várias áreas. A falta de políticas públicas coordenadas nacionalmente
em áreas essenciais durante a pandemia agravou uma situação que já estava
difícil, deixando uma herança nestas áreas que levará anos para ser superada.
Em particular, as pessoas mais vulneráveis, que foram as mais beneficiadas
pelas políticas públicas nas últimas décadas, foram as mais afetadas.
O que podemos fazer para melhorar as
políticas públicas e colocar o país novamente na rota de melhoria paulatina na
vida dos mais vulneráveis que estávamos seguindo? Em primeiro lugar, teremos
que reativar as políticas educacionais, de saúde, assistência e meio ambiente
com foco nos que mais precisam e capacitar novamente os órgãos públicos que
foram enfraquecidos nos últimos anos.
Teremos que coordenar um grande esforço
nacional para recuperar as perdas de aprendizado e desenvolvimento infantil
ocorrido durante a pandemia. Teremos que montar novamente arcabouços fiscal e
eleitoral coerentes, que nos permitam ter previsibilidade financeira crível no
setor público e evitar projetos eleitoreiros mal desenhados. Mas, primeiro
temos que passar por 2022 sem mais sobressaltos, para depois podermos
reconstruir as políticas públicas a partir de 2023.
*Naercio Menezes Filho, professor titular da Cátedra Ruth Cardoso no Insper, professor associado da FEA-USP, membro da Academia Brasileira de Ciências e diretor do CPAPI.
O País regrediu muitos anos,e em todas as áreas.
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