terça-feira, 19 de julho de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Brasil empobrecido

Folha de S. Paulo

Ao priorizar o populismo fiscal, Bolsonaro reforça a expectativa de mais inflação e baixo crescimento

O vale-tudo irresponsável patrocinado por Jair Bolsonaro (PL) para tentar amenizar a situação dos eleitores na campanha eleitoral não esconde o fato de o país ter empobrecido durante sua gestão.

O Brasil ficou mais pobre com Bolsonaro não apenas por causa da Covid-19 ou da guerra na Ucrânia, dois eventos extraordinários que abalaram o mundo e trouxeram desafios para vários governos.

Apesar de a maioria deles estar convivendo com surtos inflacionários e desarranjos internos, comparativamente estão em situação mais favorável. Segundo pesquisa em cem países da Nielsen Media Research, 64% dos brasileiros afirmam sofrer restrições orçamentárias após a fase aguda da crise sanitária. Na média global, são 46%.

De acordo com o IBGE, o rendimento médio mensal dos brasileiros hoje é menor, descontada a inflação, do que quando Bolsonaro assumiu: R$ 2.613, ante R$ 2.823 no início de 2019.

No dia a dia, além da piora nas estatísticas relativas à fome, a perda de poder aquisitivo é explicitada pela busca generalizada da indústria em oferecer produtos de pior qualidade aos consumidores.

Mesmo antes de a pandemia atingir o país, em fevereiro de 2020, o rendimento médio dos brasileiros já era menor do que no começo do governo Bolsonaro, consequência das escolhas do início da gestão, como a de diminuir investimentos públicos na área social e ignorar a fila de beneficiários de programas de distribuição de renda.

Em 2019, o Bolsa Família sofreu a maior queda da história, recuando o atendimento de 14 milhões para 13 milhões de famílias; e a fila de espera superou 1,5 milhão.

Após a introdução do auxílio emergencial de R$ 600 na pandemia, no final de 2021 o governo substituiu o Bolsa Família pelo Auxílio Brasil de R$ 400, para cerca de 17,5 milhões de beneficiários. Agora, a três meses da eleição, fez aprovar no Congresso o valor de R$ 600 a 18,1 milhões de famílias —mas só até dezembro.

Não resta dúvida de que algo deveria ter sido feito. Mas não são pequenas as falhas do programa, como o pagamento do mesmo valor a todos, independentemente do número de filhos nas famílias.

Mais grave é o fato de um governo que se vendeu como modernizante não ter aprovado nenhuma grande reforma estrutural, à exceção da previdenciária, gestada por seu antecessor, Michel Temer. Outras mudanças fundamentais, como as reformas tributária e administrativa, foram abandonadas ao longo do caminho.

Ao priorizar o populismo fiscal em seu último ano, Bolsonaro só reforça a expectativa de um legado de inflação, baixo crescimento e empobrecimento futuros.

Vacinar os pequenos

Folha de S. Paulo

Aval da Anvisa para imunização de crianças de 3 a 5 anos ocorre em meio a alta das hospitalizações

O aval dado pela Anvisa à vacinação de crianças de 3 a 5 anos contra a Covid-19 constitui avanço importante no imperativo de imunizar toda a população brasileira, além de trazer alívio a pais cujos filhos se encontram entre os grupos hoje mais vulneráveis à doença.

De maneira unânime, a agência federal aprovou de forma emergencial (13) o uso da Coronavac para essa faixa etária, e desde a última sexta capitais já vêm promovendo campanhas de imunização.

O esquema vacinal indicado é idêntico ao do restante da população: mesma dosagem e intervalo de 28 dias entre a primeira e a segunda doses. Assim, o Brasil se junta a outros 13 países, como Chile, China, Estados Unidos e Israel, nos quais a imunização de menores de 5 anos já acontece.

Com o vírus circulando livremente entre os pequenos e o progressivo abandono de medidas protetivas, como as máscaras, hospitais passaram a registrar recentemente um aumento expressivo de internações de crianças por Covid.

No mês passado, análise do Infogripe-Fiocruz, projeto que monitora casos de Srags (síndromes respiratórias agudas graves), apontou que o grupo etário de 0 a 5 anos tornou-se, com a exceção da população acima de 60 anos, o de maior risco de hospitalização.

Em novembro do ano passado, por exemplo, esse contingente não representava 5% dos casos semanais de Srag por Covid-19 no país, mas, desde abril, esse percentual vem alcançando até 15%.

O país, ademais, tem registrado a inaceitável média de cerca de duas mortes por dia de crianças abaixo de cinco anos. Segundo a análise do Observa Infância, houve, em 2020 e 2021, 1.439 óbitos nessa faixa etária. Em 2022, já são pelo menos mais 291 mortes.

Tão importante quanto imunizar os menores de cinco é avançar na proteção da população de 5 a 11 anos, apta a receber a vacina desde janeiro. Nessa faixa, o percentual de vacinados com a primeira dose alcança 63%, e o da segunda dose está estagnado em 40%.

A imunização em massa de crianças não apenas reduz as chances de hospitalizações e óbitos por Covid, mas também evita que elas possam se tornar reservatórios do coronavírus, gerando novas cepas e transmitindo-as para outros grupos vulneráveis.

Trata-se de um risco que não pode ser negligenciado num país em que a moléstia ainda ceifa mais de 200 vidas por dia.

Calor infernal é recado incômodo

O Estado de S. Paulo

Cabe aos líderes políticos sensibilizar a sociedade sobre defesa do meio ambiente, ainda que os eleitores estejam mais preocupados com inflação do que com as mudanças climáticas

Uma combinação de calor extremo e tempo seco tem causado incêndios florestais devastadores na Europa desde o último fim de semana. As noites em Madri têm registrado temperaturas de 25 graus, o que teria ocorrido apenas 27 vezes nos últimos cem anos – 12 delas desde 2012. São vários, além de óbvios, os efeitos das mudanças climáticas em todo o planeta – de catástrofes a alterações na culinária, como observado na Itália e na França. Estudos não apenas provaram, como mensuraram as consequências de ações diretas do homem sobre a temperatura do planeta, um fato inequívoco e irreversível. O desafio que se impõe para conter emissões e mitigar suas consequências é gigantesco, especialmente para as nações que dependem majoritariamente de combustíveis fósseis.

Felizmente, esse não é o caso do Brasil. Pioneiro em biocombustíveis e dono de uma matriz elétrica predominantemente renovável, o País tem todas as condições de liderar a transição rumo a uma economia verde. Essa posição de destaque, porém, fica completamente desmoralizada quando o País se recusa a fazer o mínimo que dele se espera. Como mostrou o Estadão, a mais recente edição do Relatório Anual de Desmatamento no Brasil, da MapBiomas, uma iniciativa do Observatório do Clima realizada por ONGs, universidades e empresas de tecnologia, apontou que o desmatamento aumentou assustadores 20,1% no ano passado e alcançou 16,5 mil quilômetros quadrados, o equivalente a uma área verde próxima do Estado do Rio de Janeiro.

O relatório é um dos mais completos diagnósticos do desmazelo do governo Jair Bolsonaro na área ambiental. Quase 70 mil alertas foram identificados, validados e refinados em todo o território nacional, com elaboração de laudos com imagens anteriores e posteriores às ocorrências. O principal alvo, em termos territoriais, não surpreende: a Amazônia, que gerou 66,8% de todos os alertas e perdeu 18 árvores por segundo. Nada menos que 86% da área total desmatada na região no ano passado ficava, total ou parcialmente, em um imóvel registrado no Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural, o que permitiria identificar e punir os responsáveis com precisão. 

Mas o projeto de destruição da democracia e do tecido social liderado por Bolsonaro, tão agressivo com os adversários, é benevolente com aqueles que cometem crimes ambientais e ameaçam não só o futuro da sociedade, mas a própria economia. Estudos sobre rios voadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP) provaram, ainda na década de 1970, que boa parte das chuvas no centro-sul tem origem na Amazônia. É sabido que o desmate da floresta comprometeria de forma irreparável o balanço hídrico das regiões que concentram as maiores lavouras do País.

Apostando na impunidade de aliados e de si mesmo, Bolsonaro acredita que não será cobrado pelos eleitores por sua conivência com a devastação da Amazônia. Em tempos de guerra na Ucrânia, preços elevados e avanço da fome, preocupações sobre o meio ambiente e as mudanças climáticas de fato tendem a ficar em segundo plano para a parcela da sociedade que luta pela sobrevivência diária.

Isso não acontece só no Brasil. Uma pesquisa nos EUA, publicada pelo jornal The New York Times, mostrou que apenas 1% dos eleitores apontou as mudanças climáticas como a questão mais importante a ser enfrentada no país, muito atrás da inflação e da economia – e o fracasso do pacote socioambiental de US$ 6 trilhões do presidente Joe Biden talvez seja o reflexo mais claro dessa percepção. 

Não há razões para acreditar que no Brasil os eleitores pensem de forma muito diferente, mas isso não autoriza a classe política a ignorar essa temática. Defender o meio ambiente e reduzir as emissões para conter as mudanças climáticas é obrigação de qualquer liderança que tenha uma visão de longo prazo sobre o papel do Estado e o futuro do País. No Brasil, a tarefa de sensibilizar a sociedade a respeito de sua relevância é relativamente fácil: basta preservar a Amazônia, algo que une os interesses do agronegócio, o setor mais pujante da economia, aos das novas gerações, mais conectadas a uma causa que deveria ser de todos.

Quando o Estado funciona

O Estado de S. Paulo

São muitas as experiências positivas de qualificação de políticas públicas em parcerias com universidades e outras entidades. Nem tudo no setor público é ineficiente ou eleitoreiro

São notórias e desoladoras a disfuncionalidade e a irresponsabilidade do Executivo federal. Em parceria com o Congresso, o governo de Jair Bolsonaro tem produzido uma baciada de retrocessos sociais, econômicos e institucionais. A Emenda Constitucional (EC) 123/2022, que inventou um estado de emergência na Constituição para permitir a compra de votos, é a síntese desses tempos sombrios. De toda forma, por mais que a destruição e a desorganização promovidas por Jair Bolsonaro sejam extensas e tenham efeitos de curto, médio e longo prazos, é preciso destacar que nem tudo no setor público é ineficiência, negacionismo ou desperdício. Como mostrou recente reportagem do Estadão, uma série de políticas públicas, promovidas por prefeituras e governos estaduais em parceria com universidades e organizações da sociedade civil, tem conseguido apresentar respostas excelentes na educação, na saúde e em várias outras áreas.

Essas ações eficazes são a antítese de políticas populistas e eleitoreiras, que apenas buscam atenuar, de forma temporária e simplista, determinada demanda. “Quando o problema é complexo, as soluções precisam ser múltiplas”, diz o coordenador-geral do Centro de Estudos de Administração Pública e Governo da Fundação Getulio Vargas (FGV), Fernando Burgos, ressaltando que, para funcionar, a política pública “precisa de uma equipe técnica e deve levar em consideração contextos de implementação heterogêneos”.

É justamente na identificação das necessidades específicas de cada área – requisito para a qualidade da tomada de decisão na política pública – que universidades e centros de pesquisa têm contribuído para uma atuação estatal mais eficiente. Tão defendida atualmente, a ideia de que políticas públicas precisam estar baseadas em evidências não é uma espécie de rigorismo acadêmico. A elaboração de programas públicos construídos a partir de dados sólidos é o que permite ao Estado oferecer uma resposta mais assertiva aos problemas. “A ideia de políticas baseadas em evidências está muito ancorada em uma necessidade de envolver diferentes segmentos da sociedade na coleta, produção e disseminação da informação”, avalia Beatriz Caetana, do consórcio europeu Urbinat. É o contrário do messianismo político – centralizador, dogmático e não colaborativo.

Um caso de sucesso é o programa Jovem de Futuro, do Estado do Espírito Santo em parceria com o Instituto Unibanco. Voltado ao treinamento de gestores de escolas e comunidades, o programa, que une avaliação e execução, promoveu o aumento do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) do Estado.

O superintendente executivo do Instituto Unibanco, Ricardo Henriques, destaca que, além de incidir de forma positiva sobre vários indicadores, o programa do Espírito Santo é um referencial “por perdurar mesmo com mudanças governamentais, o que é uma expressão do enraizamento na máquina pública desses procedimentos de gestão orientada para resultados a partir de evidências”.

Além do uso das melhores evidências disponíveis, a eficiência dessa interlocução entre o público e o privado exige monitoramento contínuo. Mais do que seguir cegamente uma “fórmula vencedora”, a construção de políticas públicas eficientes assemelha-se a uma conquista gradual de habilidades por parte dos diversos entes envolvidos. É um processo de mútuo aprendizado.

A promissora interação entre os setores público e privado desconstrói muitos mitos e percepções reducionistas, que julgam o todo a partir de erros particulares. As ineficiências da esfera pública não autorizam uma avaliação de terra arrasada. Mesmo num cenário de pandemia e de crise econômica, veem-se experiências muito positivas.

A qualificação de tantas políticas públicas por meio de parcerias com o setor privado demonstra também a plena viabilidade – não é uma utopia – de o Estado atuar além da lógica meramente eleitoreira. Não existe uma “imposição do sistema” para uma atuação estatal corrompida. É possível fazer o certo. O atuar mal é uma escolha.

Aperto das famílias emperra o PIB

O Estado de S. Paulo

Inflação, juro alto e orçamento apertado freiam o consumo familiar, atrapalham os negócios e dificultam o crescimento

Com dinheiro curto, preços em disparada e juros altos, as famílias seguram os gastos e impõem um freio ao crescimento da economia, como apontam os números de maio do Monitor do PIB-FGV, a mais detalhada prévia mensal do Produto Interno Bruto (PIB). O consumo familiar, um dos principais motores da produção, diminuiu 2,1% entre abril e maio. Com o aperto do orçamento e o crédito caro, reduziram-se as compras de produtos menos essenciais, como produtos semiduráveis e duráveis, comentou a coordenadora da pesquisa, Juliana Trece.

“Após três meses consecutivos de crescimento, a economia retraiu-se 0,8% em maio”, resumiu a coordenadora. A produção industrial voltou a recuar, depois de alguns meses de expansão. A atividade continuou, no entanto, em níveis superiores aos do ano passado. Em maio, o PIB foi 4,4% maior que um ano antes. No trimestre móvel, superou por 3,7% o resultado de igual período de 2021. Também nos meses de março a maio o consumo das famílias foi 5,8% superior ao de um ano antes.

Apesar de algum avanço em relação a 2021, o quadro geral da economia continua marcado por baixo dinamismo industrial e por más condições no mercado de trabalho. Mesmo com alguma diminuição, o desemprego permaneceu elevado nos primeiros cinco meses do ano, assim como a informalidade e a subutilização da mão de obra. Não há referência a esses detalhes no relatório divulgado pela FGV, mas a desocupação, o desalento, a subocupação e a informalidade obviamente afetam as condições de consumo das famílias.

Não por casualidade, o número de consumidores inadimplentes chegou a 66,6 milhões em maio, atingindo novo recorde, segundo levantamento periódico da Serasa Experian. Muitos inadimplentes, como têm mostrado algumas pesquisas, se endividaram em bancos para pagar outras dívidas e acabaram sem condições de ajustar sua vida financeira. Os dados negativos do consumo refletem, portanto, mais do que o aperto crescente do orçamento familiar. Refletem também o drama de um número crescente de famílias atoladas em dívidas.

Mais do que uma economia em marcha lenta, o Monitor mostra um país com pouco potencial de crescimento nos próximos anos. O investimento em capital fixo, isto é, em máquinas, equipamentos e obras, aumentou 1,6% entre abril e maio, mas ainda correspondeu a 19,3% do PIB. Uma taxa de 25% seria mais parecida com os padrões observados em emergentes mais dinâmicos que o Brasil. Investimento em capacidade produtiva depende de confiança nas condições econômicas e políticas do País.

Com ações improvisadas e eleitoreiras, o presidente Jair Bolsonaro e seus aliados têm, no entanto, semeado insegurança entre empresários e investidores. A instabilidade cambial, o dólar caro e seus efeitos inflacionários são reflexos das incertezas presentes nos mercados. Projeções de crescimento econômico iguais a 2% neste ano e nos próximos são demonstrações de muito otimismo, embora apontem um desempenho econômico muito inferior ao previsto para os emergentes e também para alguns países avançados.

É urgente vacinar mais crianças contra a Covid

O Globo

Vacinas já aprovadas pela Anvisa poderão reduzir mortes pela doença entre menores de 5 anos

Depois de uma série de equívocos na condução da vacinação infantil, o Ministério da Saúde parece enfim agir com sensatez. Na sexta-feira, autorizou a imunização de crianças de 3 e 4 anos, acompanhando recomendação do comitê técnico, que também aprovou a dose de reforço para a faixa de 5 a 11 anos. A decisão foi tomada pouco depois que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou por unanimidade o uso emergencial da vacina CoronaVac para crianças de 3 a 5 anos — ela estava autorizada apenas para as maiores de 6. Tanto CoronaVac quanto Pfizer (esta na faixa de 5 a 12 anos) são usadas na vacinação infantil.

Além da cidade do Rio, primeira a anunciar a vacinação das crianças menores (antes mesmo do aval do Ministério da Saúde), pelo menos outras seis capitais brasileiras já começaram a aplicar as vacinas (Salvador, Fortaleza, São Luís, Belém, Manaus e Boa Vista). Já não era sem tempo. Os índices alcançados na imunização infantil têm sido decepcionantes diante da necessidade de deter o contágio —apenas 40% das crianças entre 5 e 11 anos estão com ciclo vacinal completo, e pouco mais de 64% tomaram ao menos uma dose.

O Ministério da Saúde orientou estados e municípios a usar os estoques disponíveis para estender a proteção ao grupo de 3 e 4 anos. A decisão ganha relevância quando se sabe que, a cada dia, duas crianças menores de 5 anos morrem em consequência da Covid-19 no Brasil. Segundo a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), houve em 2020, primeiro ano da pandemia, 599 mortes nessa faixa etária. No ano passado, quando a doença se revelou mais letal, o número subiu para 840. Dados preliminares sugerem que a média macabra se mantém neste ano.

Felizmente, o ministério não repete os erros cometidos quando da aprovação das vacinas contra a Covid-19 para crianças, no fim do ano passado. Na época, seguindo o roteiro traçado pelo presidente Jair Bolsonaro, que se manifestara contra a decisão, o governo fez de tudo para atrasar o início da campanha. Convocou até uma descabida audiência pública para discutir a questão, armando palco para manifestação dos grupos antivacina. O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos chegou ao cúmulo de criar um serviço para receber denúncias de pais contrários à vacinação, desvario que só não foi adiante por uma intervenção oportuna da Justiça.

O governo precisa agora adquirir as doses quanto antes, pois não há tempo a perder. Não importa se elas serão compradas do Instituto Butantan ou de outro lugar, como cogita o ministério. Importa que estejam disponíveis nos postos para as famílias que quiserem vacinar seus filhos.

O alto número de mortes de crianças menores de 5 anos por Covid-19 no país exige ação rápida. A Anvisa, que não aprovaria uma vacina que não fosse segura e eficaz, fez sua parte. Agora, o governo precisa fazer a dele: comprar as vacinas, distribuí-las aos estados e promover campanhas para esclarecer os brasileiros sobre a importância de vacinar todas as crianças, inclusive as pequenas. Seria um crime deixar que crendices de grupos antivacina que contaminam as redes sociais se sobrepusessem aos critérios técnicos e científicos que justificam a vacinação. É a vida das crianças que está em jogo.

Aumento do desmatamento é marca incontestável do governo Bolsonaro

O Globo

Relatório do MapBiomas mostra que, desde 2019, Brasil perdeu um Estado do Rio em vegetação nativa

Por mais que o presidente Jair Bolsonaro queira minimizar os efeitos devastadores de sua política antiambiental, os números não lhe dão trégua. O Relatório Anual de Desmatamento no Brasil (RAD) do MapBiomas, divulgado ontem, mostra que, em 2021, o país manteve o padrão nefasto de destruição de florestas, com perda de 16.557 quilômetros quadrados em todos os biomas. O total representa aumento de 20% em relação a 2020. Do início do atual governo, em 2019, até 2021, a área desmatada chegou a 42 mil quilômetros quadrados, quase o tamanho do estado do Rio. O estudo levou em conta todos os sistemas de alerta de desmatamento (do Inpe, da SOS Mata Atlântica e do Imazon).

De acordo com o relatório, a Amazônia (59%) e o Cerrado (30,2%) responderam pela maior parte do desmatamento no ano passado. Na Amazônia, foram destruídos 111,6 hectares por hora, ou 1,9 hectare por minuto. Equivale a dizer que 18 árvores foram derrubadas a cada segundo. O Pará, mais uma vez, aparece no topo do ranking das motosserras, com participação de 24,3% no total. Em seguida vêm Amazonas (11,75%), Mato Grosso (11,4%), Maranhão (10,1%) e Bahia (9,2%).

O levantamento do MapBiomas afirma que a pressão exercida pela agropecuária foi responsável por quase todo o desmatamento (97%) nos últimos três anos. São citados também como relevantes o garimpo, a mineração e a expansão urbana.

De acordo com o coordenador do MapBiomas, Tasso Azevedo, a situação está “literalmente fora de controle”. Não fosse a crise econômica, diz ele, o cenário seria ainda pior. A degradação começou com a promulgação do novo Código Florestal, em 2012, que afrouxou regras e concedeu anistia a multas aplicadas até 2008. Foi crítica, para Azevedo, a ação deliberada do atual governo para evitar punir infratores, “partindo do chefe do Executivo”.

O relatório do MapBiomas não é o único a atestar a agonia do meio ambiente sob Bolsonaro. O sistema de alertas do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Lasa/UFRJ) revela que a destruição provocada por queimadas na Amazônia está 30% acima da média histórica, superando as piores projeções, como mostrou reportagem do GLOBO. Neste ano, até a semana passada já haviam sido queimados 622 mil hectares, mais que os 490 mil registrados no mesmo período do ano passado.

A leniência com atividades clandestinas de madeireiros, garimpeiros e grileiros, paralelamente a uma política ambiental tóxica e ao desmonte dos órgãos de fiscalização, criou um ambiente propício a todo tipo de ilegalidade. Não é impossível reverter essa situação pavorosa — até porque o Brasil já fez isso no passado. Mas, em vez de agir, Bolsonaro prefere atacar ou desqualificar os números e as organizações que os divulgam. Costuma dizer que o Brasil é o país que mais preserva as florestas. Goste deles ou não, os números estão aí. São um legado incontestável do governo Bolsonaro.

PIB chinês fraqueja após o combate à onda de covid-19

Valor Econômico

A economia chinesa não vai se recuperar com a mesma agilidade que demonstrou em 2020

Sinal de alerta para a economia global acendeu na semana passada quando o governo chinês informou que o Produto Interno Bruto (PIB) do país cresceu 0,4% no segundo trimestre, na comparação com o mesmo período de 2021, e caiu 2,6% frente ao primeiro trimestre. A forte desaceleração surpreendeu e mostra o impacto da política chinesa de “covid zero”, que determinou o lockdown e extensas quarentenas durante a maior parte de abril e maio de Xangai, a maior e mais importante cidade chinesa, e uma das maiores do mundo, com mais de 28 milhões de habitantes.

Acredita-se que a economia chinesa não vai se recuperar com a mesma agilidade que demonstrou em 2020, quando eclodiu a pandemia do coronavírus em Wuhan. No primeiro trimestre daquele ano, o PIB chinês caiu 6,8%. Já no seguinte crescia 3,2% e, um ano depois, disparava 18,3%, com os negócios a todo vapor para atender a demanda global de produtos inclusive de uso médico.

Desta vez há alguns sinais preocupantes. Um deles vem do mercado imobiliário, cujos problemas não se restringem ao conhecido caso da incorporadora Evergrande, mas começaram com ele. Medidas do governo chinês para conter as dívidas excessivas das incorporadoras imobiliárias provocaram a desaceleração do mercado imobiliário residencial, que afugentou os compradores. Há uma crise de confiança na população que reluta em gastar com imóveis diante da estagnação da renda. Do seu lado, as empresas do setor desaceleraram os investimentos, temendo novos lockdowns. O cenário internacional também não é favorável com a perspectiva de elevação dos juros nos mercados europeu e americano e de recessão global, o que prejudica a receita com as exportações.

Outro fator negativo é o desemprego elevado para os padrões chineses. Em junho, a taxa foi de 5,5%, uma melhora em relação a abril e maio, mas perto do nível mais alto desde que o país começou a divulgar os números em 2018. Junto à população mais jovem, de 16 a 24 anos, a taxa é mais do que o triplo, de 19,3%.

Diante desse quadro, especialistas na economia chinesa estão revisando para baixo as estimativas para o ano. A meta oficial, de crescer 5,5% parece impossível de ser atingida uma vez que exigiria um aumento de pelo menos 8% do PIB a cada trimestre até o fim do ano. Para os especialistas, o mais provável é que o crescimento fique entre 3% e 4%. Antes dos resultados do segundo trimestre, o Fundo Monetário Internacional (FMI) previa 4,4%.

Se as estimativas mais pessimistas se confirmarem, o resultado não é bom para o mundo, uma vez que a economia chinesa é considerada uma de suas locomotivas. É especialmente negativo para o Brasil, grande fornecedor de commodities para o mercado chinês. A China é o maior parceiro comercial do Brasil. No ano passado comprou US$ 87,7 bilhões, absorvendo 31,3% das exportações brasileiras e suprindo 21,7% das importações. O problema é que nossas exportações são concentradas em alguns produtos (Valor 10/7). Em valores, a China absorveu 70,4% da soja exportada pelo Brasil, 69,7% do minério de ferro, 56,2% da carne bovina congelada desossada e 46,6% do petróleo. O Brasil foi o maior fornecedor de soja e carne bovina desossada congelada para a China, o segundo de minério de ferro e o sétimo de petróleo.

Do lado positivo, alguns indicadores econômicos chineses deram sinais de recuperação em junho, quando governo retirou as restrições feitas por conta da covid-19, o que pode melhorar os resultados do terceiro trimestre. As vendas no varejo aumentaram 3,1% em relação ao mesmo período do ano anterior, recuperando-se de uma queda de 6,7% em maio, surpreendendo positivamente, mas com queda de 0,7% no primeiro semestre. A produção industrial cresceu 3,9%, acelerando em relação ao crescimento de 0,7% em maio, e 3,4% no semestre. O investimento em ativos fixos teve expansão de 6,1% no primeiro semestre do ano, ligeiramente abaixo do aumento de 6,2% no período de janeiro a maio, mas acima do projetado. As exportações chinesas também ganharam espaço, mas essa é uma conta que depende muito do cenário global, afetado pelas políticas destinadas a combater a inflação.

Há ainda que se levar em conta que o governo pode acelerar os investimentos públicos. Pequim costuma fazer pesados investimentos em infraestrutura para estimular a economia e essa estratégia é bastante possível neste momento em que o presidente Xi Jinping busca um terceiro mandato presidencial, e não gostaria de ver tensões sociais e econômicas neste momento.

 

 

 

 

 

 

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