Folha de S. Paulo
Nem todo voto no 'Mito' é fascistoide, mas
todo fascistoide vota no 'Mito'
Tivéssemos tradição na literatura
surrealista —há bons autores, não uma escola—, seria a hora de lançar mãos à
obra. Jair
Bolsonaro, sob a sombra do seu "esquema militar" e ameaçando
arregimentar outros arruaceiros como ele próprio, decidiu jogar o governo, o
sistema político e as eleições na mais escancarada ilegalidade. Há um golpe em
curso, que não depende dos soldados de Paulo
Sérgio Nogueira, ministro da Defesa. Seu palco de operações é o Congresso
Nacional, e o general atende pelo nome de Arthur Lira (PP-AL),
presidente da Câmara, que apelidei, em razão de suas artimanhas carnívoras, não
da má vontade do escriba, de Tiranolira Rex.
A PEC que impôs o teto da alíquota de ICMS para combustíveis, energia, telecomunicação e transporte público é ilegal. Fere o pacto federativo, além de determinar perda permanente de receita para estados e municípios. Definir produtos ou serviços como essenciais para violar a Constituição é patranha amadora. Mas triunfou. Tiranolira tem as emendas do relator. E elas lhe facultam, em companhia de Bolsonaro, o comando do governo mais corrupto da história.
Até o chilique monocrático e
"liberaloide" de Paulo Guedes ao
reduzir por decreto o IPI, sob o pretexto de incentivar a produção, poderia ser
questionado na Justiça. A decisão ignora que o governo renuncia a uma
arrecadação que não é sua. Mais de metade desse dinheiro iria para estados e
municípios por intermédio dos fundos de participação. Eis a turma que prometia
mais Brasil e menos Brasília. É uma gente que seria apenas debochada não fosse
também a incultura em sentido amplo, muito especialmente a democrática.
A PEC "Ai, que Medo de Lula"
—pronuncia-se a expressão com acento à Narcisa Tamborindeguy— representa um
momento único do Legislativo Brasileiro. Jamais um só texto violou tantos
códigos legais ao mesmo tempo: a Lei Eleitoral, a Lei de Responsabilidade
Fiscal e a Constituição. Essa gente escarnece das instituições e prepara uma
armadilha para a oposição. Se esta se opusesse de peito aberto às
"generosidades", Bolsonaro moveria a máquina de difamação para acusar
os adversários de prejudicar os mais pobres, os caminhoneiros, os taxistas, os
idosos... Deve-se, nesse caso, fazer o oposto de certo poeta: não perder a vida
por delicadeza...
Também é inconstitucional a manobra para
não instalar a CPI
do MEC, que foi transformado em templo da ignomínia e da indecência. Por lá
se falavam línguas estranhas, mas não por obra do Espírito Santo. Era só o
argentário capiroto da estupidez, da cupidez e da ignorância se manifestando e
punindo os mais pobres. Rodrigo
Pacheco (PSD), presidente do Senado, que já elogiei aqui, cedeu ao
desbunde reacionário e ilegalista.
O presidente da República e a cúpula do centrão
—convertida ao golpismo legiferante, com as emendas do relator nas mãos— estão
chamando para a briga o STF, que não deve ceder à provocação. Se o fizesse, o
caos poderia se sobrepor à desordem. Bolsonaro atinge o estado da arte das
manobras a que se dedica a extrema direita mundo afora: manieta o Poder
Judiciário na certeza de que, se este exercesse suas prerrogativas,
criar-se-iam as circunstâncias para a disrupção que chamam
"libertadora". Não por acaso, continua a incentivar o ataque dos cães
contra os tribunais.
Eis aí a resposta que o próprio presidente
dá àqueles que, em 2018, o escolheram como instrumento possível contra o PT, na
esperança de que o estado de direito se encarregaria de mudar os hábitos
alimentares do lobo, tornando-o vegetariano. Tratou-se de uma leitura
verdadeiramente herbívora da realidade e do futuro. E há os que já esqueceram
tudo sem aprender nada.
Uma nota de rodapé: é evidente que nem todo
mundo que vota no "capitão" é fascista —eu emprego o termo
"fascistoide". Mas não é menos evidente que todos os fascistoides
votam no "capitão". Isso significa alguma coisa? Significa.
Outra nota de rodapé: é absolutamente
legítimo não gostar de Bolsonaro, de Lula, de Ciro Gomes, de Simone Tebet ou de
J. Pinto Fernandes. Ocorre que há os que dão de ombros também para a incitação
golpista em nome de sua "radical independência intelectual".
E isso também significa.
Hábitos alimentares: Jair Bolsonaro é uma rato hematófago, que vive do sangue das centenas de milhares de brasileiros que ele matou durante a pandemia e dos milhões de brasileiros que ele deixou abandonados pelo seu DESgoverno.
ResponderExcluirReinaldo, vc. que é inteligente me responda, por que o brasileiro por mais que pense que é inteligente é, na verdade, muito burro. Depois do Itamar Franco nunca mais tivemos um presidente que valesse a pena. E isso só está piorando de eleição em eleição.
ResponderExcluirFHC cometeu a burrice imperdoável de criar a reeleição
ResponderExcluirA pessoa não querer votar em Lula eu até entendo,mas apoiar Bolsonaro é mau-caratismo explícito.
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