Folha de S. Paulo
Governo e Congresso aprovam leis que
estouram orçamento e o crédito público
A única emergência nova no Brasil é o
momento crítico da candidatura de Jair Bolsonaro. Mas não há lei que autorize o
arrombamento dos cofres e das leis do Orçamento em caso de perigo para a
reeleição. Como se sabe, é para isso que serve essa PEC
dos Auxílios, a dita "Kamikaze". PEC: Proposta de Emenda à
Constituição.
O que menos gente percebe é o efeito
duradouro que os arrombamentos terão sobre as taxas de juros e, pois, sobre o
crescimento e, portanto, sobre pobreza e miséria e o futuro do periclitante
próximo governo.
A inflação está acima de 10% desde setembro de 2021. A inflação da comida estava perto dos recordes do século no final de 2020, FAZ UM ANO E MEIO. A miséria explodiu em 2021. É possível que até tenha caído um tico em 2022, embora quem sofra de fome, frio e desespero não deva ter notado a diferença.
A justificativa da PEC dos Auxílios
para a
"emergência" é, pois, um descaramento. O texto da PEC que foi ao
plenário, além de iletrado, com redação truncada, empastelada e porca em termos
legais, é apenas um papelucho para vestir um estelionato eleitoral com uma
fantasia jurídica.
A PEC joga no lixo as leis que limitam o
gasto público: a eleitoral, a de diretrizes orçamentárias, a de
responsabilidade fiscal e a mais do que avacalhada "regra de ouro"
(fazer dívida apenas para investimentos). Acaba com "qualquer
vedação" para as despesas previstas na PEC. Foi aprovada por 72 dos 73
senadores presentes, de um total de 81.
Atenuar a miséria custaria dinheiro? Claro.
O que se fez, de modo sensato e planejado? Nada, até que Bolsonaro tivesse medo
de perder no primeiro turno.
Os arrombamentos vêm desde a gambiarra no
teto de gastos, do 2021. Continuou com a lei que definiu combustíveis, entre
outros bens e serviços, como essenciais. Lá também iam para
o lixo a lei orçamentária e a lei de responsabilidade fiscal.
Tudo isso quer dizer que não vale nada
escrever na Constituição uma norma de limitação ou de planejamento de gastos
públicos. É mais fácil mudar a Constituição do que o estatuto do condomínio.
Uma norma fiscal, de preferência realista,
é um sinal de que o gasto público não será feito à matroca, para favorecer um
governo salafrário, de que será sujeito a cálculo de custo e benefício, de que
a dívida pública não crescerá sem limite.
Sem isso e tudo mais constante, os credores
cobrarão mais para emprestar ao governo. Por tabela, sobem as demais taxas de
juros da economia, seja a da prestação de geladeira, casa ou carro, seja o
custo das empresas de levantar capital para expandir seus negócios.
Esses arrombamentos vão ter efeitos mais
visíveis quando a maré inflacionária baixar. Com crescimento pífio do PIB e
menos receita advinda das altas de preços, faltará mais dinheiro para o básico
no governo e/ou déficit e dívida aumentarão.
Ah, sim: temos a alternativa de tocar
mais fogo na inflação.
O próximo governo terá relativamente menos
dinheiro, mais despesa e menos liberdade para remanejar gastos, até porque o
centrão quer ficar com até 40% do que resta de verba "livre" para
gastar.
O próximo governo terá também de criar
algum "teto". Pode ser melhor que o de Michel Temer. Mas terá de
criar. Caso não o faça, vai ver juros e câmbio arruinando seu governo desde
2023.
Dado o "novo teto", os limites da
lei orçamentária para 2023, despesas aumentadas, desmoralização das leis
fiscais, um Congresso negocista, um mundo perto da recessão e a resistência a
corte de gastos e/ou aumento de impostos, o
próximo governo estará bem lascado.
Bolsonaro e turma plantaram mais uma bomba no futuro.
Onde Bolsonaro passa não nasce nem grama.
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