segunda-feira, 15 de agosto de 2022

Alex Ribeiro - Os flancos na estratégia desinflacionária do BC

Valor Econômico

Mercado duvida que juro ficará alto por muito tempo

O Banco Central está prestes a encerrar um dos maiores ciclos de aperto monetário da história, com uma alta acumulada de 11,75 pontos percentuais na taxa Selic desde março de 2022. Ainda assim, a sua estratégia desinflacionária vem sendo muito criticada por setores do mercado financeiro, que acham que contém flancos que aumentam o custo de baixar a inflação para a meta.

Há duas semanas, o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC subiu os juros, de 13,25% ao ano para 13,75% ao ano, e indicou que vai avaliar até setembro se será o caso de fazer uma nova alta residual, de 0,25 ponto percentual. A partir daí, a estratégia será deixar os juros bem altos para fazer a inflação, que no acumulado em 12 meses chegou a 10,07%, cair para as metas definidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).

O Copom apresentou algumas projeções para argumentar que, agindo assim, conseguirá baixar a inflação para 3,5% em março de 2024, horizonte de tempo que é atualmente o alvo da política monetária. Não há, propriamente, uma meta para o período, já que no Brasil os objetivos são definidos para os anos-calendário. Mas, grosso modo, dá para dizer que o alvo para março de 2024 é algo como 3,18%, numa conta que pondera as metas de 2023 (3,25%) e de 2024 (3%).

De cara, nota-se que a inflação projetada pelo Banco Central está acima da meta. Mas o Copom alega que, dada a incerteza no cenário econômico, pode-se afirmar que a projeção está “ao redor” da meta de inflação. O argumento do BC é que são grandes os riscos de desaceleração econômica mundial, num momento em que banqueiros centrais apertam a taxa básica de juros em sincronia. Se isso ocorrer, a inflação pode ficar bem menor do que o previsto.

 

Mas também há, de outro lado, o risco de a inflação superar o projetado, em decorrência da derrapagem fiscal do governo Bolsonaro e de uma eventual má gestão das contas públicas no mandato do presidente a ser eleito em outubro.

Qual desses riscos é o mais importante, o da atividade mundial ou o fiscal? O Copom acredita que sejam equilibrados. Não é, aparentemente, o que o mercado acha. O questionário pré-Copom, uma pesquisa feita junto a analistas privados antes de cada reunião do colegiado, mostra que 54% deles acham que o maior risco é a inflação de 2023 superar o projetado. Apenas 10% acham que o risco maior é ficar abaixo. A pesquisa não perguntou sobre os riscos para a inflação de 2024.

Outra questão é que, na visão mediana do mercado, a inflação de março de 2024 vai ficar bem acima de 3,5%. O boletim Focus de expectativas aponta uma inflação de 4,45%.

Mas esse não é o principal desafio para a credibilidade do Banco Central. O problema é que poucos acreditam que o Copom vá, de fato, manter os juros altos por tanto tempo, como sinaliza. Chegará uma hora em que será obrigado a mudar de curso, para não violar o sistema de metas de inflação.

O cálculo que o mercado está fazendo é que, se o Banco Central mantiver os juros altos por tanto tempo, a inflação do ano-calendário de 2024 vai ficar muito baixa. Assim, daqui uns seis meses, quando o alvo principal da política monetária será o ano-calendário de 2024, o Copom vai cortar os juros, bastante e rapidamente.

Nos manuais de economia, isso é o que se chama de inconsistência intertemporal. Ou seja, ninguém acredita no que eu prometo para o futuro porque, quando o futuro chegar, essa minha promessa já não fará nenhum sentido.

O argumento do Banco Central, no entanto, é que não existe nenhuma inconsistência intertemporal. Na ata da sua reunião de agosto, divulgada na semana passada, o Copom disse que, se mantiver os juros altos por muito tempo, a inflação ficará em 2,7% em 2024. Para o BC, esse percentual está “ao redor” da meta. O recado, portanto, é que juros altos cumprem todos os objetivos ao longo do tempo, por isso não haveria incentivo para cortar a taxa de juros antes do período sinalizado.

Só que, nesse caso, muitos analistas econômicos estão vendo inconsistências entre as projeções de inflação. Os efeitos da política monetária se acumulam ao longo do tempo, e se tornam mais fortes à medida em que a inflação cai e os juros reais ficam maiores. Assim, se o BC projeta que a inflação ficará em 3,5% em março de 2024, deveria achar um percentual bem mais baixo no ano-calendário de 2024. Das duas, uma: ou a projeção de inflação de março de 2024 está subestimada ou a projeção de inflação do ano-calendário de 2024 está superestimada.

Qual é a consequência da inconsistência intertemporal? O custo de desinflacionar a economia fica mais alto. Como poucos acreditam que, de fato, o Banco Central vai manter os juros altos por tanto tempo, as expectativas de inflação em geral começam a subir, desancorando-se ainda mais.

Como o Banco Central poderia escapar da armadilha da inconsistência intertemporal? Uma forma seria subir mais a taxa de juro agora, para garantir um nível de Selic que garanta o cumprimento da meta de inflação em março de 2024. Certamente, o BC tomaria mais risco de exagerar na dose. A taxa de juros ficaria mais volátil, subindo agora e caindo em seguida. Mas quem defende essa alternativa diz que, no fim, os custos para cumprir a meta seriam menores, porque o Banco Central reforçaria a sua credibilidade e reancoraria as expectativas de inflação.

Uma outra alternativa seria adotar o que os economistas chamam de “forward guidance”. Ou seja, se comprometer com manter os juros altos por um bom tempo a despeito do que, no futuro, seja mais sensato fazer. Esse é um caminho já descartado pelos dirigentes do Banco Central, que disseram explicitamente que a indicação de manter os juros altos por um bom tempo não significa um “forward guidance”.

O Banco Central, no fim das contas, é o responsável por cumprir as metas de inflação, mas não deve ser culpado sozinho se as coisas não saírem como o planejado. Com o fim do regime de responsabilidade fiscal que vinha desde o governo Michel Temer, não há BC que segure a inflação.

 

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