Valor Econômico
Passou da hora de Jair Bolsonaro rever sua
relação com a democracia, sistema aclamado pela maioria expressiva dos
brasileiro
Faz 35 anos que o então capitão do Exército
Jair Bolsonaro respondeu pela primeira vez pelo envolvimento em atos de
natureza antidemocrática. “Não há dúvida de que toda essa movimentação tem
ramificações, está articulada com a extrema direita militar e civil e tem o
objetivo real de desestabilizar o processo de transição democrática”, afirmou o
professor e coronel da reserva Geraldo Cavagnari Filho, um dos principais
estudiosos da questão militar no Brasil, em entrevista ao Jornal do Brasil, em
27 de outubro de 1987.
O Brasil não havia completado a passagem para a democracia, iniciada com a eleição indireta de Tancredo Neves em 1985 (e subsequente posse de José Sarney) e que teria o seu apogeu com as eleições diretas para presidente em 1989, após um hiato de 29 anos.
“Sou a favor de uma ditadura”, pregou
Bolsonaro em 1993
Naquela entrevista, o professor Cavagnari
Filho, doutor em Ciências Militares pela Escola de Comando e Estado-Maior do
Exército - e fundador do Núcleo de Estudos Estratégicos da Universidade de
Campinas (Unicamp) - reportava-se à denúncia veiculada pela revista “Veja”
havia dois dias, que implicava Bolsonaro em um plano para instalar bombas nos
banheiros da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (Esao), no Rio de Janeiro, e
da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), em Resende (RJ), a fim
constranger o ministro do Exército, general Leônidas Pires Gonçalves, e
pressionar pelo reajuste salarial dos militares.
Para Cavagnari Filho, uma ala de oficiais
da ativa e generais da reserva, que ocuparam cargos políticos e estavam
saudosos do regime militar, queria “fazer crer que manifestações de
insatisfação de natureza econômica” eram, na verdade, “reações contra a
ingovernabilidade [do governo Sarney] e contra o processo redemocratizante”.
O professor e coronel da reserva descartou,
todavia, um golpe militar. “Perigo [de golpe] eu não vejo, mesmo porque dar um
golpe é uma coisa e ter sucesso é outra.” Para Cavagnari, que faleceu em 2012,
o golpe não teria o apoio de segmentos expressivos da sociedade, como ocorreu
em 1964. Bolsonaro foi processado, mas acabou sendo absolvido pelo Superior
Tribunal Militar (STM).
Cinco anos depois, em junho de 1993 - já
deputado federal pelo Partido Progressista Reformador (PPR), raiz do
Progressistas (PP) - Bolsonaro novamente se viu alvo de denúncias de ameaça ao
Estado Democrático de Direito.
Em palestras públicas, ele vinha defendendo
o fechamento do Congresso Nacional e a implantação no Brasil de uma ditadura
como a de Alberto Fujimori no Peru. “Sou a favor, sim, de uma ditadura, de um
regime de exceção, desde que este Congresso dê mais um passo rumo ao abismo”,
discursou Bolsonaro no plenário da Câmara em 24 de junho de 1993.
Ele argumentava que o regime democrático
não permitiria a resolução de “graves problemas nacionais”, como o número de
deputados de Roraima: “Na atual democracia, temos como resolver os problemas
nacionais? Quando é que vamos conseguir quorum de
três quintos para aprovar uma emenda que diminua a bancada de Roraima de oito
para três ou dois deputados?”, indignou-se.
Cerca de uma semana depois, a Mesa Diretora
da Câmara abriu processo de cassação contra Bolsonaro por quebra de decoro. O
procurador da Câmara era Vital do Rêgo (PDT-PB), hoje ministro do Tribunal de
Contas da União (TCU). O processo deu em água de barrela. A democracia atacada
pelo deputado o blindou, já que pela Constituição de 1988, o parlamentar é
inviolável por suas opiniões e atos.
Pois 35 anos depois do plano de explodir
bombas em banheiros de quartéis, o agora presidente Jair Bolsonaro acabou
estimulando a edição da “Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do
Estado Democrático de Direito”, lida na Universidade de São Paulo (USP) no dia
11 de agosto. O documento não cita o nome do presidente, mas faz uma defesa
eloquente de pilares democráticos atacados por ele, como o Poder Judiciário e o
sistema eleitoral. “São intoleráveis as ameaças aos demais Poderes e setores da
sociedade civil e a incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional”,
diz um trecho do documento.
O presidente e seus aliados demonstraram
contrariedade com a carta democrática. Bolsonaro chamou de “caras de pau” e
“sem caráter” os mais de 1 milhão de subscritores da carta, que teve a adesão
de brasileiros de todas as classes sociais: banqueiros, empresários,
professores, engenheiros, médicos, enfermeiros, desempregados, policiais,
motoristas, pedreiros, entre tantos outros.
Em setembro do ano passado, uma semana após
o Dia da Independência - quando Bolsonaro pregou desobediência ao Supremo
Tribunal Federal (STF) e caminhoneiros ameaçaram invadir a Corte - o Datafolha
divulgou uma pesquisa sobre o apoio dos brasileiros à democracia: 70% dos
entrevistados responderam que se tratava do melhor sistema para o país, 9%
declararam preferência pela ditadura e 51% afirmaram ver chance de novo regime
de exceção no país.
Um ano depois, o Datafolha voltará às ruas
com o mesmo tema e divulgará o resultado na quinta-feira. Uma semana após as
dezenas de atos em defesa da democracia, que reproduziram o manifesto da USP e
no contexto dos sistemáticos ataques de Bolsonaro ao sistema eleitoral, o
entrevistado terá de responder se prefere uma ditadura ou uma democracia.
Em outubro de 1987, ao traçar um breve
perfil do então capitão Bolsonaro, o “Jornal do Brasil” afirmou tratar-se de um
“líder que não sabe exercer sua liderança”. Um militar que costumava carregar
um revólver calibre 32 escondido na botina, do qual não se separava, que era
amante de motocicletas e não dispensava um bom churrasco. “Sonhava ser herói
nacional ou deputado nas próximas eleições”.
Passados 35 anos, Bolsonaro mudou pouco: continua amante de armas, motocicletas e de um bom churrasco. Chamado de “mito”, ainda sonha ser “herói nacional”. Todavia, com chances de se reeleger, passou da hora de rever sua relação com a democracia - sistema consagrado e aclamado pela maioria expressiva do povo brasileiro.
Jair Bolsonaro: 35 anos CONTRA a democracia! Magnífico artigo! Resume a carreira antidemocrática do capitão das rachadinhas (e das bombinhas)... Parabéns à colunista e ao blog que o divulga!
ResponderExcluirBolsonaro genocida!
ResponderExcluirBolsonaro, uma família contra o Brasil...
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