Valor Econômico
Petista isola Ciro, racha terceira via e
afasta novidades
Na minha coluna de 04/04/2022, argumentei
que Jair Bolsonaro havia largado na frente e vencido o primeiro round na
disputa eleitoral deste ano. Naquela época, a janela para mudanças partidárias
tinha acabado de fechar, e os partidos que apoiam o presidente (PL, PP e
Republicanos) haviam atraído os maiores contingentes de parlamentares no
Congresso Nacional e nas Assembleias Legislativas.
Após quatro meses de intensas negociações,
pouca coisa mudou. A campanha está na rua, mas nada de bombástico surgiu:
nenhum candidato surpresa apareceu, o PSD de Kassab não se aliou formalmente a
ninguém, não há frente ampla e nem terceira via. Até as intenções de voto
evoluem lentamente, com alterações milimétricas, sempre dentro da margem de
erro a cada rodada de pesquisas.
Com as convenções partidárias encerradas, Bolsonaro mantém a tríade de partidos do Centrão lhe dando suporte, enquanto Lula, do outro lado, manteve num amplo espectro de legendas de esquerda a sua base de sustentação. A terceira via, como esperado (vide coluna de 21/03/2022), se fragmentou entre Ciro Gomes (PDT), Simone Tebet (MDB, PSDB, Cidadania e Podemos), Soraya Thronicke (União Brasil) e Luiz Felipe d’Avila (Novo).
A ausência de novidades, contudo, não quer
dizer que o jogo está parado. A leitura dos detalhes mostra que, no segundo
round das eleições (o período entre a janela partidária e o registro das
candidaturas), Lula é quem sai vencedor - mesmo sem ter partido pra cima do seu
principal adversário.
O petista bem que tentou formar a tal
frente ampla antibolsonarista em torno de si ainda no primeiro turno, mas
fracassou em conseguir o apoio formal de grandes partidos da centro-direita,
como o MDB e o PSD. O máximo que conseguiu, e ainda assim minutos antes do soar
da campainha, foi o apoio de nanicos como Agir (antigo PRN de Collor em 1989),
Avante (ex-PTdoB) e Pros - esse pendente de confirmação.
O apoio desses partidos praticamente sem
eleitores e nenhuma densidade ideológica agrega quase nada à campanha de Lula,
a não ser alguns segundos na propaganda eleitoral no rádio e na TV.
A grande sacada lulista nesse movimento foi
a retirada das candidaturas de André Janones e Pablo Marçal. São figuras não
identificadas com a política tradicional e com boa penetração nas redes
sociais, nomes que poderiam atrair votos de cidadãos insatisfeitos com as
opções oferecidas pelos grandes partidos.
Além disso, as jogadas de Lula
neutralizaram as chances de crescimento de desafiantes em dois cantos do
ringue. Ao unificar em torno de si praticamente todos os partidos da esquerda
(PSB, Psol, PCdoB, PV, Rede e Solidariedade), o petista encurralou Ciro no PDT.
E ao atrair Geraldo Alckmin para ser o seu vice, Lula rachou o PSDB, um dos
pilares sobre o qual poderia ser erigida a tal terceira via.
Do lado oponente, o atual detentor do
cinturão da Presidência não foi capaz de turbinar o grupo de partidos em sua
retaguarda. Pelo contrário. Apoios dados como certos, como PTB, PSC e
Patriotas, todos membros do Centrão, na última hora optaram ou por lançar
candidato próprio (caso do primeiro, com Roberto Jefferson) ou pela
neutralidade. Com isso, Bolsonaro terá alguns minutos a menos do que Lula na
propaganda eleitoral.
Com o registro das candidaturas até o dia
15, o octágono ficará montado. No dia seguinte se inicia oficialmente a
campanha. Há pontos de atenção que podem ser decisivos para as ambições de cada
candidato.
Em primeiro lugar, é preciso dizer que a
união de partidos em torno de candidaturas presidenciais não necessariamente
será seguida por todos os seus correligionários Brasil adentro.
Na formação das chapas estaduais, há
indícios claros de desobediência, sendo o caso mais flagrante a tendência de
apoio a Lula, e não a Simone Tebet, por lideranças do MDB em boa parte dos
Estados do Nordeste.
Atenção também para o posicionamento, em
cada região, dos caciques dos partidos que se declararam neutros na disputa
presidencial, principalmente o caso do PSD de Gilberto Kassab.
Outra dúvida que merece maior escrutínio
dos analistas é descobrir até que ponto os parlamentares atuais vestirão a
camisa e se tornarão cabos eleitorais para os candidatos a presidente de seus
partidos.
Mais especificamente, ainda é um mistério
se deputados e senadores do Centrão, agraciados com milhões do orçamento
secreto, irão mesmo retribuir o presente e apoiar enfaticamente Bolsonaro nos
seus redutos eleitorais.
Quanto à definição sobre a viabilidade ou
não de um segundo turno, será importante verificar se a disponibilidade de tempo
na propaganda eleitoral “gratuita” ainda se mostra um ativo político valioso.
Refiro-me, nesse caso, especialmente às
candidaturas de Simone Tebet e Soraya Thronicke, que terão quinhões
significativos na grade do rádio e da TV, mas precisam ser capazes de converter
inserções publicitárias em voto.
Por fim, esse papo todo sobre articulações,
coligações e apoios não faz sentido algum se não colocarmos o eleitor na
equação. Levando em consideração as intenções de voto reveladas atualmente
pelas pesquisas, duas perguntas se colocam.
De um lado, ainda no primeiro turno será
importante descobrir qual força será mais forte: se o esforço pelo voto útil em
Lula, na tentativa de uma definição já no início de outubro, ou a revelação do
voto envergonhado em Bolsonaro.
No quadro geral, a principal dúvida, a meu
ver, é aferir qual a percentagem de votos que Bolsonaro conseguirá arrebanhar
no Nordeste com o aumento do Auxílio Brasil, as obras financiadas com emendas
de relator e outros benefícios distribuídos na região.
Com o eleitorado brasileiro cada vez mais
dividido em termos de idade, gênero, renda e origem geográfica, qualquer
movimento pode fazer muita diferença.
*Bruno Carazza é mestre em economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras).
Excelente análise!! "Voto envergonhado" no sem-vergonha do Bolsonaro é uma grande sacada.
ResponderExcluirPior do que está não fica, Bolsonaro e o centrão tem que cair fora
ResponderExcluirSó fica pior se Bolsonaro ganhar de novo,aí o trem desanda pra sempre,nem Deus segura.
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