segunda-feira, 1 de agosto de 2022

Bruno Carazza* - Receita nº 5 para ser eleito: ser famoso

Valor Econômico

Pastores, celebridades e militares têm acesso facilitado ao poder

O sistema eleitoral brasileiro impõe imensas barreiras à entrada na política. Candidatos a deputado estadual e federal têm que brigar pelos votos de todos os eleitores de seus Estados e fazem isso diante de milhares de adversários provenientes de dezenas de partidos.

Diferenciar-se em meio a tantas opções e levar suas propostas a milhões de eleitores, às vezes em territórios longínquos, custa caro. Nas últimas quatro semanas demonstrei como concorrentes com acesso aos bilhões do fundo eleitoral, a uma confortável fortuna familiar ou a doadores generosos levam grande vantagem.

Hoje termino a série analisando aqueles que conseguem se sagrar vencedores sem os trunfos que o dinheiro, público ou privado, oferece.

A fama costuma ser um substituto perfeito ao financiamento de campanha. Celebridades, influenciadores de redes sociais e personalidades do rádio e da TV, por já serem conhecidos do grande público, largam na frente na disputa pelo voto.

Outros candidatos, por sua vez, investem em nichos do eleitorado e no sentimento de identidade de grupo. Vínculos profissionais ou religiosos oferecem um conjunto de eleitores cativos que, se arrebanhados, podem garantir uma votação suficiente para alcançar os limites do quociente eleitoral. Falando diretamente para esses segmentos, os custos de campanha se reduzem drasticamente, tornando mais fácil a vitória.

A estratégia de investir nas carreiras políticas de representantes de frações específicas do eleitorado foi explorada de forma pioneira pelo Partido dos Trabalhadores. Desde a sua fundação, a legenda lançou lideranças sindicais representando metalúrgicos, bancários, professores e petroleiros. Prometendo defender o interesse dessas categorias, o PT começou a se projetar nacionalmente com a arregimentação de votos dos seus integrantes e familiares.

Com o tempo, a estratégia foi adotada também por algumas das principais denominações evangélicas, que usaram seus púlpitos para promover a candidatura de pastores convertidos em políticos. A formação de bancadas da Bíblia no Congresso, Assembleias Estaduais e Câmaras Municipais tem sido fundamental para a defesa da agenda de costumes e de interesses mais venais dessas igrejas, como a obtenção de benefícios tributários.

Mais recentemente, militares mergulharam de cabeça na tentativa de ampliar o número de seus pares no Congresso. Jair Bolsonaro foi um dos precursores na tática de trocar a farda pelos ternos, a defesa do país pelos objetivos corporativos. Membros da reserva das Forças Armadas, policiais militares de todas as patentes, delegados e agentes das polícias civil, federal e rodoviária: a bancada da segurança pública não para de crescer.

Analisando o perfil dos deputados federais novatos eleitos em 2018, fica evidente como ser famoso ou ter um eleitorado cativo faz a diferença. Entre os 107 que nunca haviam ocupado um cargo eletivo antes, 23 se apresentavam como militares ou policiais e cinco como pastores evangélicos; outros 8 eram jornalistas, radialistas ou personalidades da TV.

Houve ainda aqueles que emergiram nas redes sociais na esteira dos protestos de junho de 2013, das manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff ou durante a greve dos caminhoneiros. De Kim Kataguiri a André Janones, é possível identificar mais de uma dúzia de novos parlamentares com forte atuação nas redes sociais, alguns com milhões de seguidores à época da eleição, a maioria deles surfando a onda bolsonarista.

Seja graças às TVs ou às redes sociais e ao apoio de evangélicos ou militares, novatos como Tio Trutis - dono de uma lanchonete que vendia o Bolso Burger e o Trump Burger em Campo Grande/MS -, o youtuber Márcio Labre e o ator Alexandre Frota, bem como o cabo Júnio Amaral e o pastor Abílio Santana, da igreja Gideões Missionários da Última Hora, conseguiram chegar a Brasília gastando entre R$ 10 mil e 40 mil - uma pechincha frente aos R$ 2,5 milhões despendidos por Bruna Furlan, Iracema Portela e Paula Belmonte.

A força de celebridades, pastores e militares é tão grande que algumas legendas chegam a promover um leilão pela filiação de potenciais puxadores de voto, tal qual grandes clubes brigam pela contratação de jovens revelações do futebol.

A policial Kátia Sastre, que se notabilizou por reagir a um assalto na porta de uma escola em Suzano/SP matando o criminoso, recebeu R$ 1,1 milhão do PL para se candidatar a federal pela sua legenda quatro anos atrás. Também o então apresentador do Cidade Alerta em Santa Catarina, Hélio Costa, disputou sua primeira eleição já contando com um aporte de quase R$ 800 mil do Republicanos.

Vê-se, portanto, que muitas vezes os fatores que explicam a composição do Legislativo brasileiro - fundo eleitoral, exercício do cargo, laços de parentesco, riqueza familiar, doações de milionários, fama, religião e influência militar - se reforçam mutuamente, explicando não apenas o perfil, mas a qualidade de nosso Congresso Nacional.

Pensando em 2022, todas essas engrenagens continuam em funcionamento, e até se ampliaram. O fundo eleitoral, por exemplo, subiu de R$ 1,7 bilhão em 2018 para R$ 4,9 bilhões neste ano. Por meio das emendas de relator, o Congresso também colocou nas mãos de deputados e senadores outras dezenas de bilhões de reais. Juntos, fundão e orçamento secreto tendem a aumentar a chance de reeleição dos atuais parlamentares.

Sepultada a Lava Jato, antigos nomes que submergiram desde 2018, como Romero Jucá e Eduardo Cunha, ensaiam seu retorno ao Congresso. Com o fim das coligações e a cláusula de barreira mais alta, partidos se lançaram numa caça a youtubers e (sub)celebridades. E o envolvimento de militares e evangélicos na política é algo que veio para ficar.

Sem uma reforma séria do sistema eleitoral, os canais de acesso à política continuam obstruídos. Enquanto nossas lideranças não entenderem que cabe a eles levar adiante essa bandeira, só nos resta ficar reclamando da qualidade de nossos representantes.

*Bruno Carazza é mestre em economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”. 

2 comentários:

  1. Anônimo1/8/22 15:06

    O colunista tem total razão! Com tantos fatores contribuindo para desequilibrar as disputas eleitorais no Legislativo, temos este monte de nulidades criando e se aproveitando do orçamento secreto e compondo tantas bancadas fascistoides da bala, da bíblia, do boi, dos vereadores corruptos, etc.

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  2. Coitadinho do nosso Congresso,vai de mal a pior.

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