segunda-feira, 1 de agosto de 2022

Lucinda Pinto - Ventos contrários à política monetária

Valor Econômico

Ação do BC perdeu um pouco de efetividade potencial

À espera por mais uma alta da taxa de juros na próxima quarta-feira - e como é típico nos momento em que os ciclos monetários se estendem -, surgem vozes questionando se o Banco Central não estaria indo longe demais no ciclo de aumento da Selic. A taxa já subiu 11,25 pontos percentuais ao longo de 16 meses. Deve ganhar mais 0,5 ponto na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) da próxima quarta-feira, com chances de ir além, o que reforça a expectativa em relação a qual será a mensagem do comitê a respeito dos próximos passos.

Ninguém imaginava que o BC iria tão longe. Quando o ciclo começou, em março de 2021, os mercados trabalhavam com a ideia de que seria apenas um processo de normalização do juro como resposta à a alta dos preços derivada da reabertura global da economia. Assim como no resto do mundo, todos achavam que tratava-se de uma inflação temporária, com grande chance de ser controlada, especialmente porque o BC brasileiro saíra à frente dos demais no combate a esse cenário de preços mais altos. Assim, a ideia de uma taxa de dois dígitos foi por muito tempo negada. Até que as projeções para a inflação foram sistematicamente frustradas, comprovando que o ineditismo do cenário havia abalado modelos e parâmetros adotados até então. A bússola estava quebrada e fazer previsões tornou-se quase impossível.

Mês após mês, as expectativas para a Selic foram mudando diante das surpresas inflacionárias. E 2022 começou com o mercado vislumbrando um juro de 11,50%, segundo a pesquisa Focus. Naquele momento, esperava-se que a taxa voltaria a cair até atingir 8% no fim de 2023. Hoje, o que o BC tem indicado aos agentes é que, quando a trajetória de alta do juro terminar, a taxa vai ficar estável por um tempo prolongado.

Agora, com o juro se aproximando dos 14%, a narrativa dos que temem um exagero por parte do BC se baseia na ideia de que existe uma defasagem da política monetária, estimada em um período de seis a nove meses. Isso significa todo esse aumento de juros pode não estar sendo percebido claramente, nem pelas empresas, nem pelos consumidores, neste momento, mas logo isso irá acontecer. A resiliência da atividade econômica estaria, portanto, limitando o recuo da inflação. Mas, dizem esses agentes, ao longo do segundo semestre, o impacto sobre renda, crédito e inadimplência deve ser notado de forma mais clara, esfriando a economia e a inflação. Seguir subindo o juro, portanto, seria um excesso.

O outro lado da história é que parar de subir o juro com um cenário de inflação ainda tão negativo pode trazer consequências muito piores. E o custo de perder a confiança na disposição do BC em conter a inflação pode ser muito mais alto, ainda que a resposta agora possa, sim, alimentar os riscos de uma recessão à frente.

“Como o mercado vai reagir se o Banco Central parar de subir o juro e as expectativas continuarem piorando?”, pergunta José Julio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do FGV/Ibre e consultor associado da MCM. O ex-diretor do Banco Central vê uma piora importante de um conjunto de variáveis cruciais na definição do rumo da política monetária: a projeção para a inflação dos economistas; a estimativa no modelo do BC; e a inflação implícita das NTN-Bs.

Na pesquisa Focus, a projeção mediana do mercado para o IPCA em 2023 vem subindo sistematicamente nas últimas semanas, e está agora em 5,30%, 0,55 ponto acima, portanto, do teto da meta definida para o ano, de 3,25%, com uma margem de tolerância de 1,5 ponto.

O cenário traçado pelo BC também piorou. Segundo Senna, a estimativa feita pela MCM em um modelo que busca replicar as projeção da autoridade monetária é de uma inflação de 4,40% para 2023, o que também mostra uma deterioração em relação aos 4% previstos no último comunicado do Copom.

Por fim, a inflação implícita dos títulos do Tesouro apontam para um cenário bastante negativo. A formação dessas taxas também leva em conta fatores de mercado, é verdade. Mas elas são um termômetro bastante importante a respeito a respeito de como os agentes veem os riscos a frente e o quanto estão dispostos a pagar para se proteger deles. Hoje, a inflação implícita da NTN-B com vencimento em 2024, é negociada a 5,90%, ante 4,60% há um ano. Daí para frente, a inflação embutida nos papéis supera os 6% para todos os prazos, até 2060.

Ou seja, o mercado não consegue trabalhar com um cenário em que a inflação retorne para a meta em algum momento. E isso mostra que algo não está funcionando. Para Senna, esse quadro mostra que o BC tem hoje pouco controle da política monetária. Ele explica que a inflação e também as expectativas respondem hoje a choques externos - como a inflação global, que contamina a economia brasileira especialmente por meio da valorização das commodities. Mas também à piora das contas públicas e ao ambiente institucional. Variáveis que estão fora do controle do BC e que enfraquecem a efetividade de suas ações. “Parece que o regime está sofrendo um certo abalo e perdeu um pouco de efetividade potencial”, diz.

A forma como o Federal Reserve, o Banco Central americano, vai conduzir sua política monetária, sem dúvida também atrapalha a vida do BC brasileiro. Hoje, as projeções são de um juro terminal de 3,20%, mas ninguém descarta a possibilidade da taxa ir para além dos 4%. A reação dos mercados a esse cenário pode, sim, influenciar o rumo da Selic.

Mas esse parece ser um fator menor diante do pilar fiscal. A falta de uma âncora definida e as ações que o atual governo tem adotado para sustentar o consumo parecem ser os principais responsáveis pela resiliência da atividade e da inflação. Quadro que só se agrava com o desconforto gerado por declarações contra o sistema eleitoral. Como consequência, o BC pode ter que continuar subindo o juro nos meses que antecedem a eleição, período em que qualquer autoridade monetária prefere evitar dar mais combustível para a volatilidade dos mercados.

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