Valor Econômico
Ação do BC perdeu um pouco de efetividade
potencial
À espera por mais uma alta da taxa de juros
na próxima quarta-feira - e como é típico nos momento em que os ciclos
monetários se estendem -, surgem vozes questionando se o Banco Central não
estaria indo longe demais no ciclo de aumento da Selic. A taxa já subiu 11,25
pontos percentuais ao longo de 16 meses. Deve ganhar mais 0,5 ponto na reunião
do Comitê de Política Monetária (Copom) da próxima quarta-feira, com chances de
ir além, o que reforça a expectativa em relação a qual será a mensagem do
comitê a respeito dos próximos passos.
Ninguém imaginava que o BC iria tão longe. Quando o ciclo começou, em março de 2021, os mercados trabalhavam com a ideia de que seria apenas um processo de normalização do juro como resposta à a alta dos preços derivada da reabertura global da economia. Assim como no resto do mundo, todos achavam que tratava-se de uma inflação temporária, com grande chance de ser controlada, especialmente porque o BC brasileiro saíra à frente dos demais no combate a esse cenário de preços mais altos. Assim, a ideia de uma taxa de dois dígitos foi por muito tempo negada. Até que as projeções para a inflação foram sistematicamente frustradas, comprovando que o ineditismo do cenário havia abalado modelos e parâmetros adotados até então. A bússola estava quebrada e fazer previsões tornou-se quase impossível.
Mês após mês, as expectativas para a Selic
foram mudando diante das surpresas inflacionárias. E 2022 começou com o mercado
vislumbrando um juro de 11,50%, segundo a pesquisa Focus. Naquele momento,
esperava-se que a taxa voltaria a cair até atingir 8% no fim de 2023. Hoje, o
que o BC tem indicado aos agentes é que, quando a trajetória de alta do juro
terminar, a taxa vai ficar estável por um tempo prolongado.
Agora, com o juro se aproximando dos 14%, a
narrativa dos que temem um exagero por parte do BC se baseia na ideia de que
existe uma defasagem da política monetária, estimada em um período de seis a
nove meses. Isso significa todo esse aumento de juros pode não estar sendo
percebido claramente, nem pelas empresas, nem pelos consumidores, neste
momento, mas logo isso irá acontecer. A resiliência da atividade econômica
estaria, portanto, limitando o recuo da inflação. Mas, dizem esses agentes, ao
longo do segundo semestre, o impacto sobre renda, crédito e inadimplência deve
ser notado de forma mais clara, esfriando a economia e a inflação. Seguir
subindo o juro, portanto, seria um excesso.
O outro lado da história é que parar de
subir o juro com um cenário de inflação ainda tão negativo pode trazer
consequências muito piores. E o custo de perder a confiança na disposição do BC
em conter a inflação pode ser muito mais alto, ainda que a resposta agora
possa, sim, alimentar os riscos de uma recessão à frente.
“Como o mercado vai reagir se o Banco
Central parar de subir o juro e as expectativas continuarem piorando?”,
pergunta José Julio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do FGV/Ibre e
consultor associado da MCM. O ex-diretor do Banco Central vê uma piora
importante de um conjunto de variáveis cruciais na definição do rumo da
política monetária: a projeção para a inflação dos economistas; a estimativa no
modelo do BC; e a inflação implícita das NTN-Bs.
Na pesquisa Focus, a projeção mediana do
mercado para o IPCA em 2023 vem subindo sistematicamente nas últimas semanas, e
está agora em 5,30%, 0,55 ponto acima, portanto, do teto da meta definida para
o ano, de 3,25%, com uma margem de tolerância de 1,5 ponto.
O cenário traçado pelo BC também piorou.
Segundo Senna, a estimativa feita pela MCM em um modelo que busca replicar as
projeção da autoridade monetária é de uma inflação de 4,40% para 2023, o que
também mostra uma deterioração em relação aos 4% previstos no último comunicado
do Copom.
Por fim, a inflação implícita dos títulos
do Tesouro apontam para um cenário bastante negativo. A formação dessas taxas
também leva em conta fatores de mercado, é verdade. Mas elas são um termômetro
bastante importante a respeito a respeito de como os agentes veem os riscos a
frente e o quanto estão dispostos a pagar para se proteger deles. Hoje, a
inflação implícita da NTN-B com vencimento em 2024, é negociada a 5,90%, ante
4,60% há um ano. Daí para frente, a inflação embutida nos papéis supera os 6% para
todos os prazos, até 2060.
Ou seja, o mercado não consegue trabalhar
com um cenário em que a inflação retorne para a meta em algum momento. E isso
mostra que algo não está funcionando. Para Senna, esse quadro mostra que o BC
tem hoje pouco controle da política monetária. Ele explica que a inflação e
também as expectativas respondem hoje a choques externos - como a inflação
global, que contamina a economia brasileira especialmente por meio da
valorização das commodities. Mas também à piora das contas públicas e ao
ambiente institucional. Variáveis que estão fora do controle do BC e que
enfraquecem a efetividade de suas ações. “Parece que o regime está sofrendo um
certo abalo e perdeu um pouco de efetividade potencial”, diz.
A forma como o Federal Reserve, o Banco
Central americano, vai conduzir sua política monetária, sem dúvida também
atrapalha a vida do BC brasileiro. Hoje, as projeções são de um juro terminal
de 3,20%, mas ninguém descarta a possibilidade da taxa ir para além dos 4%. A
reação dos mercados a esse cenário pode, sim, influenciar o rumo da Selic.
Mas esse parece ser um fator menor diante do pilar fiscal. A falta de uma âncora definida e as ações que o atual governo tem adotado para sustentar o consumo parecem ser os principais responsáveis pela resiliência da atividade e da inflação. Quadro que só se agrava com o desconforto gerado por declarações contra o sistema eleitoral. Como consequência, o BC pode ter que continuar subindo o juro nos meses que antecedem a eleição, período em que qualquer autoridade monetária prefere evitar dar mais combustível para a volatilidade dos mercados.
Lendo e tentando aprender um pouco de economia.
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