O Globo
O empresariado está abandonando Bolsonaro.
E flertando com Lula, esperando que seja o do primeiro mandato
Segue aqui um breve histórico das relações
entre o capital e a democracia no Brasil.
Nos anos 1960, depois da chegada de João
Goulart à Presidência, a ampla maioria do empresariado (incluindo os setores
industrial, comercial, agro e financeiro) apoiou o golpe contra a “ameaça
comunista”. Sempre foi impossível instalar um regime comunista por aqui. Mas,
no momento da Guerra Fria, com União Soviética e Cuba financiando partidos pela
América Latina, o discurso da ameaça pegava bem.
Depois da instalação dos generais no poder,
o capital continuou apoiando a ditadura, mas com variações. Os mais liberais,
em clara minoria, logo se decepcionaram. Esperavam um governo de transição e
eleições em 1965, entre Lacerda e Kubitschek, não importando qual deles
ganhasse. O governo JK havia gerado muitos negócios.
Uma minoria extremada à direita não apenas
sempre apoiou a ditadura, como chegou a financiar os órgãos de repressão.
A maioria, no meio, deixou levar. O governo Castello Branco havia feito importantes reformas econômicas. Ditaduras de direita, pró-EUA, se espalhavam pela América Latina, sempre sob a ideia de salvar o capitalismo do comunismo. E, com o “milagre econômico”, o período de forte crescimento do mundo emergente, Brasil na onda, o capital não tinha do que se queixar.
Houve uma mudança significativa no governo
Geisel (1974-79) — uma espécie de antecipação dos campeões nacionais. No
programa de desenvolvimento da indústria de base, Geisel criou o modelo
tripartite — a formação de grandes empresas com capital dividido entre o
governo, uma multinacional e um empresário local. Com o tempo surgiu uma
geração de novos empresários brasileiros, geiselistas fiéis.
Até que vieram as crises econômicas —
primeiro a do petróleo, depois a alta dos juros nos EUA, que quebrou a América
Latina. A ditadura começou a ser contestada no lado da gestão econômica. Seria
mesmo necessário um “regime forte” para promover o desenvolvimento capitalista?
Nesse momento, começo dos 1980,
combinaram-se fatores políticos e econômicos. De um lado, acentuava-se a
repulsa à ditadura, aos porões da tortura, ao controle da política partidária,
à censura. De outro, as sucessivas crises da dívida externa e a recessão
retiraram da ditadura seu último argumento: a eficiência econômica. Foi o fim.
Como aconteceu nesta semana, setores
empresariais começaram a apoiar as manifestações pró-democracia que surgiam nos
meios jurídicos, acadêmicos e políticos, liderados por gigantes como Ulysses
Guimarães, Tancredo, Franco Montoro. Enfim, prevaleceu a tese de que o
desenvolvimento capitalista requer um ambiente de liberdade.
Caiu a ditadura por aqui e,
desgraçadamente, o país democratizado passou por seguidas convulsões econômicas
— hiperinflação, contas públicas no buraco e a falta de dólares que levou
Sarney a decretar moratória. Sem moeda e caloteiros — assim estávamos.
Foi assim até o Real de FH. Não foi apenas
uma nova moeda, estável. Mas toda uma construção — responsabilidade fiscal,
acerto das contas externas, privatizações em setores-chave, reforma
administrativa e uma quase reforma da Previdência.
O país mudou da água para o vinho, bom
vinho. Capital e democracia estavam de bem. Era tamanha a estabilidade que se
tornou possível a eleição e posse de Lula. Verdade que houve turbulência nos
mercados — o dólar foi a R$ 4 na véspera da eleição (setembro de 2002), hoje
seriam mais de R$ 10.
Tudo se acalmou com a ortodoxia econômica
de Lula e a explosão das commodities. O capital adorou. Mas tudo se estragou
com as sucessivas lambanças do PT — mensalão, petrolão, volta da inflação
elevada e dois anos de recessão. Surgiu o antipetismo, apoiado amplamente pelo
capital. E o país caiu nesse horror de Bolsonaro.
O empresariado, como vimos nas últimas
semanas, está abandonando Bolsonaro. E flertando com Lula, esperando que seja o
do primeiro mandato. E com alguma desculpa pelos erros. A ver.
Tomara que o capital tenha abandonado mesmo o Bolsonaro.
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