Folha de S. Paulo
Ideias de especialistas merecem ser
discutidas com atenção pelas forças democráticas
Na semana passada, um grupo de
especialistas que representam o que o debate público brasileiro tem de melhor
lançou um documento com propostas para o Brasil.
O texto se chama "Contribuições
para um governo democrático e progressista" e tem como autores
Bernard Appy, Carlos Ari Sundfeld, Francisco Gaetani, Marcelo Medeiros, Pérsio
Arida e Sérgio Fausto.
Arida foi um dos criadores do Plano Real, Appy foi um dos melhores nomes da equipe econômica de Lula, Medeiros é um dos maiores especialistas brasileiros em desigualdade de renda. É um grupo politicamente heterogêneo e altamente qualificado.
O documento propõe um "Programa
especial de gastos", que autorizaria o governo a gastar 1% do PIB por fora
do teto de gastos. Desse dinheiro, 60% deveriam ser gastos com a área social,
com ênfase nas famílias mais pobres e em programas focados na primeira infância,
que poderiam ter sido descritos com mais detalhe. Os 40% restantes seriam
divididos em programas de desenvolvimento científico e tecnológico e na
sustentabilidade ambiental.
Na área social, os autores defendem um
programa de complementação de renda, a renda
básica de cidadania (RBC), combinado com uma espécie de seguro
(Poupança Seguro Família) que poderia ser sacado pelo trabalhador duas vezes
por ano para compensar flutuações na sua renda, muito comuns entre os
trabalhadores informais.
Falando francamente, não sei se, no quadro
atual, uma rediscussão
do Auxílio Brasil é politicamente viável: Bolsonaro, que planeja
reduzir o auxílio a zero se for reeleito, acusaria os defensores da proposta de
tirar dinheiro dos pobres. Seria mentira, mas ele faria isso.
Entre os autores está Bernardo Appy, autor
de uma proposta de reforma tributária muito elogiada pelos especialistas, que
já virou proposta de emenda constitucional (a PEC 45). A ideia central é a
substituição de diversos impostos (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) por um imposto
sobre consumo, o IVA.
Além de tornar os impostos brasileiros mais
simples e eficientes, os autores também defendem uma série de mudanças que
poderiam torná-los mais justos.
Entre as propostas nesse sentido está a
redução da carga de tributos pagos pelos trabalhadores mais pobres e seus
empregadores: por exemplo, uma redução da alíquota de INSS cobrada na parcela
dos salários equivalente ao salário-mínimo: a contribuição do empregado seria
reduzida de 7,5% para 3% e a contribuição do empregador de 20% para 6%. Os
sistemas de contribuição previdenciários —Simples, MEI, etc.— seriam
unificados, e o limite de isenção do IRPF seria elevado de R$ 1.903,98 para R$
2.500.
Para
taxar mais e melhor os mais ricos, o texto defende a criação de nova
faixa no IRPF, com alíquota de 35%, e o que é mais importante: a correção de
diversas distorções como a "pejotização", a utilização de fundos
fechados e a baixa tributação de rendimentos obtidos em empresas offshore.
Tenho expectativas baixas sobre o quanto é
possível discutir políticas públicas em
uma campanha com Jair Bolsonaro disseminando fake news e usando
pesadamente a máquina pública para se reeleger. Mas as ideias defendidas em
"Contribuições para um governo democrático e progressista" merecem
ser discutidas com atenção pelas forças democráticas.
Nenhuma palavra sobre aumento real do salário mínimo? Não há "crescimento justo" sem isto!
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