segunda-feira, 8 de agosto de 2022

Ruy Castro - Um erro providencial

Folha de S. Paulo

Todo mundo erra, mas alguns abusam

Outro dia, li numa biografia do escritor inglês Graham Greene que, em crise entre sua fé católica e uma irrefreável tendência à devassidão, Greene tentou se matar. Mas fez tudo errado: bebeu colírio. Como não morreu, decidiu conciliar a fé e a devassidão.

Ninguém erra por querer. O cantor Eddie Fischer, ex-marido de Elizabeth Taylor e pai de Carrie Fischer, acordou meio bleargh e, fazendo confusão com seus comprimidos, tomou com água os dois fones sem fio de seu aparelho de surdez. Já Keith Richards, dos Rolling Stones, cheirou as cinzas do pai achando que fosse cocaína. E o pai de minha amiga Ana Luiza, pensando estar vendo aranhas, matou de chinelo os cílios postiços que ela deixara na mesa.

Em 1989, uma infestação de moscas na famosa Escuela Internacional de Cine y Televisión, de Cuba, criada por cineastas cubanos, argentinos e brasileiros, impedia as aulas. Alguém sugeriu povoar de rãs a escola para comer as moscas. As rãs acabaram com elas, mas reproduziram-se de tal forma que tomaram a escola, infiltrando-se nas salas, gavetas, câmeras, moviolas e até nos armários, camas e tênis
dos alunos. Erro brabo.

Em 1927, partindo de Nova York, o aviador Charles Lindbergh pousou em Paris. Era o primeiro voo transatlântico da história e ele foi recebido por uma multidão. Ela ia carregá-lo nos ombros, mas um popular mais afoito arrancou a touca de couro da cabeça de Lindbergh, botou-a na sua própria cabeça e tentou fugir. Quando o viu de touca, a massa confundiu-o com o herói e desfilou-o em triunfo até se dar conta do erro.

Todo mundo erra, mas alguns abusam. Jair Bolsonaro queria se reeleger. Para isso, declarou guerra aos artistas, intelectuais, estudantes, empresários, juristas, cientistas, ambientalistas, vítimas da Covid, jovens, mulheres, gays, indígenas, nordestinos, negros, pobres e o eleitorado em geral. Erro, no caso, providencial.

Um comentário:

  1. Eu estava pensando nisso ontem,Bolsonaro só seria crível como personagem de literatura fantástica,ou melhor,do realismo mágico latino-americano.

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