Valor Econômico
Nos próximos cinco anos, 83% da nova
capacidade de geração elétrica virá das usinas contratadas no mercado livre
Ex-secretário especial de Desestatização do
Ministério da Economia, Diogo Mac Cord acaba de assumir o cargo de sócio-líder
de infraestrutura e mercados regulados na consultoria EY (antiga Ernst &
Young). Depois de três anos e meio no governo, onde teve papel-chave no novo
marco legal do saneamento e na privatização da Eletrobras, ele volta para o
setor privado e observa que há uma mudança importante em andamento.
Até a década de 1990, era basicamente o investimento público que guiava a expansão da infraestrutura. A partir daí, houve uma guinada: concessões se espalharam em rodovias, em ferrovias, portos, energia elétrica, telefonia. Nos últimos anos, um movimento que vai ganhando corpo é o de investimentos por meio do regime de autorizações.
Contratos mais flexíveis vão ganhando
espaço
São contratos mais flexíveis para o
investidor privado, que toma a iniciativa de apresentar um projeto e busca no
governo uma licença para construí-lo. Ninguém precisa ficar à espera do
planejamento estatal para tocar estudos de viabilidade, passar pela demorada
análise dos tribunais de contas, entrar em um leilão, manter tarifas
controladas por agências reguladoras, gastar anos em discussões intermináveis
sobre reequilíbrios econômicos. É verdade que também não existe
compartilhamento de risco com o poder público, se aparecer algum problema grave
no meio do caminho (como obstáculos ambientais ou de engenharia). Em
compensação, o investidor tem muito mais liberdade para gerenciar e adaptar
seus planos.
“Quando falamos em projetos de
infraestrutura, são contratos necessariamente de longo prazo. São 30 anos à
frente, e o mundo tem passado por transformações cada vez mais rápidas”, nota
Mac Cord. “Em três décadas, é inviável prever tudo o que pode dar certo e tudo
o que pode dar errado em um contrato. A flexibilidade ajuda na captura de
inovações.”
Exemplifica o ex-secretário: as
concessionárias de telefonia eram obrigadas, por força dos contratos de
concessão de 1997, a fazer manutenção de orelhões até recentemente. Quem é
capaz de assegurar se a exigência, hoje, de oferta gratuita do serviço de wi-fi
nos aeroportos fará sentido ao fim dos contratos em 2052?
Não são só reviravoltas na tecnologia, mas
novos rumos econômicos. Outro dia mesmo, no governo Fernando Henrique Cardoso,
o sonho do campo era alcançar uma safra de grãos de 100 milhões de toneladas.
Hoje colhe-se quase três vezes mais. A demografia também ganha outra cara. “A
partir de 2040, começaremos a ver um declínio da população economicamente ativa
no país. Em 2049, teremos mais aposentados do que jovens. E os contratos de
concessão que forem firmados hoje ainda vão estar válidos lá na frente”,
afirma.
Em vários segmentos da infraestrutura, o
regime de autorizações tem avançado. Merece atenção especial, em um país que
adora reinventar políticas públicas a cada troca de governo, como essa pauta
atravessou diferentes gestões e não foi vítima de polarização.
Nos portos, Dilma Rousseff alterou a lei
para permitir mais terminais de uso privado - que são conhecidos pela sigla
TUP. Já foram autorizados 259 projetos, que somam R$ 55 bilhões em
investimentos previstos. Outra mudança, por decreto mesmo, viabilizou novos
aeroportos à aviação geral. O Catarina, que funciona em São Roque (SP) e
tornou-se rapidamente a meca dos jatinhos executivos, saiu pelo modelo de
autorização. Se no futuro for erguido um novo aeroporto destinado à aviação
regular, em São Paulo, ninguém duvide: não será por concessão.
Jair Bolsonaro sancionou leis que replicam
esse regime de autorizações para a construção de gasodutos e de ferrovias. No
caso das ferrovias, houve uma rara convergência política: o projeto de lei foi
apresentado pelo senador José Serra (PSDB), relatado por Jean Paul Prates (PT),
negociado diretamente pelo então ministro Tarcísio Freitas. Dezenas de pedidos
de licenças foram aprovados ou estão em análise. Muitos são só papel, de
empreendedores que buscam um “título” para então sair atrás do dinheiro real, mas
outros tantos são para valer e criarão novas linhas de trens.
Mac Cord avalia que uma série de
oportunidades hoje inexistentes podem acabar surgindo. “Não precisamos pensar
cada setor de forma isolada. Às vezes uma ‘short line’ (ramal ferroviário de
pequena extensão) pode usar sua faixa de servidão para um gasoduto. E tudo
isso, junto, talvez seja o que viabilizará um TUP ou um parque eólico”, diz.
O setor elétrico está em processo de
liberalização e não são mais os leilões organizados pelo governo que puxam sua
expansão. Nos próximos cinco anos, 83% da nova capacidade de geração virá das
usinas contratadas no mercado livre.
O ex-secretário pondera que algumas áreas
da infraestrutura, como mobilidade urbana, estão defasadas. “A regra tem sido
ver ônibus poluentes, ineficientes e atrasados. Há oportunidades de
consolidação, com operadores otimizando linhas. Em muitos terminais, com todo
aquele fluxo enorme de gente, às vezes não se consegue comprar um saquinho de
pipoca”, nota Mac Cord, para ilustrar como é subaproveitado o potencial de
receitas comerciais.
Evidentemente há outros setores, como
saneamento e rodovias, em que o sistema de concessões sempre fará mais sentido.
Ninguém imagina duas estradas paralelas ou redes de esgoto construídas
voluntariamente. Não importa para onde se olhe, entretanto, Mac Cord acredita
que ambos os lados - governo e iniciativa privada - têm procurado mais
convergência. Os empresários querem lucro, e para isso não gostam de projetos
mal feitos ou marcos regulatórios ruins. Governos, para funcionarem bem e terem
sucesso nas urnas, precisam dos recursos privados.
Graduado em engenharia, Mac Cord tem
mestrado em administração pública por Harvard. As duas escolas mais
prestigiosas da universidade americana - Business School e School Government -
ficam em margens opostas do rio Charles, que separa Boston e Cambridge. Cada
cidade põe a culpa no outro lado por seus problemas. Há impaciência e falta de
compreensão mútua.
“Não importa de qual lado se estiver - se no mercado ou no governo - temos que entender as expectativas de cada um para fazer um jogo de ganha-ganha”, comenta Mac Cord. Também é imprescindível, sempre, ter a clareza de que infraestrutura é um meio e não uma finalidade em si. Não basta propiciar bons negócios. Acima de tudo está a qualidade do serviço prestado ao usuário e não constituir um entrave ao desenvolvimento.
Excelente texto! Faltou dizer que os ratos mais graúdos (como o entrevistado) já deixaram o barco sem rumo do liberal Guedes e capitão Bolsonaro que já está indo a pique!
ResponderExcluirLendo e aprendendo,sempre.
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