Folha de S. Paulo
Lula não dirá a frase proibida, pois o papa
jamais se equivoca
"Esqueçam o que escrevi". A suposta
frase de FHC, parte do folclore político nacional, ganha agora uma versão
lulista implícita. "Esqueçam o que falei" —eis a mensagem veiculada
por Lula em eventos de campanha de seus aliados na frente amplíssima contra Bolsonaro.
A militância de esquerda resiste a ela, pois aprendeu uma lição diferente.
Alckmin
já se acostumou às vaias da galera, que só cessam quando Lula começa a
discursar. Danilo Cabral (PSB), candidato ao governo de Pernambuco, ouviu os
apupos, até ser resgatado por um abraço do candidato presidencial. A
hostilidade estende-se a diversos estados, notadamente o Amazonas, onde o PT
apoia Eduardo Braga (MDB) e Omar Aziz (PSD), respectivamente para o governo e o
Senado, e Mato Grosso, onde o PT alinhou-se ao ruralista Neri Geller (PP), que
almeja o Senado.
Num passado mais remoto, antes e durante seus governos, Lula ensinou à militância que a corrente de centro-esquerda do PSDB (isso existiu!), organizada ao redor de FHC e Serra, reunia malvados "neoliberais". A lição era o alicerce da estratégia de poder lulista, na qual também cabia a formação de uma base parlamentar fisiológica com a centro-direita.
Num passado mais recente, marcado pelo
impeachment de Dilma Rousseff, Lula ensinou que todos, exceto o PT e seus
satélites, deviam
ser classificados como "golpistas" e (claro!) "neoliberais".
O discurso adaptava-se à estratégia de resistência destinada a agrupar as
tropas da esquerda num bastião ideológico inexpugnável.
Hoje, Lula deve lançar tudo o que disse à
proverbial "lata de lixo da História" –sem, contudo, incorrer no
pecado de uma revisão explícita. Na estratégia da frente amplíssima cabe todo
mundo, exceto os fieis bolsonaristas dos dias derradeiros. O inimigo do passado
converte-se no camarada de campanha do presente. A militância precisa desistir
de seus candidatos do coração e distribuir o panfleto do aliado
"golpista". Queima o que adoraste, adora o que queimaste!
A costura da frente sem limites é um gesto
de sabedoria política. Seu objetivo inicial é encerrar
a fatura no primeiro turno, evitando a disputa binária, com seus (mínimos)
riscos eleitorais e suas (perigosas) ameaças institucionais. O objetivo mais
amplo é construir uma maioria governista capaz de restaurar a normalidade
democrática.
Há 20 anos, Lula chegou ao Planalto no
tapete mágico de uma democracia funcional. O cenário atual é diametralmente
oposto. Para governar, será indispensável cumprir três tarefas prévias: a)
secar as fontes da anarquia bolsonarista nos quartéis, indicando um civil para
o Ministério da Defesa; b) recuperar a prerrogativa do Executivo de gerir o
orçamento público, dissolvendo
o "orçamento secreto"; c) redirecionar a atividade política para
o Congresso, despolitizando o STF, a PGR e o Ministério Público.
Nada disso será possível com o suporte
exclusivo da frente de esquerda – ou seja, por meio da aliança exclusivista
PT-PSOL-PCdoB. O tríplice trabalho de Hércules exige um extenso consenso
nacional: o pacto "com o diabo e a avó do diabo", na frase célebre do
socialista alemão August Bebel. A militância, porém, insiste nas narrativas da
caverna, que assimilou como artigos sagrados de fé ideológica.
A desconexão entre os atos (de Lula) e as
palavras (da militância) esparrama-se pelas inquietas redes sociais. Nelas, o
militante típico insulta eleitores indecisos e oscilantes seguidores de Ciro
Gomes, responsabilizando-os por "crimes" inafiançáveis como o
impeachment de Dilma ou o triunfo de Bolsonaro. Por essa via, desenrola-se uma
campanha eleitoral paralela que, sabotando a campanha oficial, realimenta o
antipetismo.
"Esqueçam o que falei". Lula não
dirá a frase proibida, pois o papa jamais se equivoca. A campanha dúplice
seguirá até o final. Para sorte do PT, o adversário é Bolsonaro.
*Sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.
Situações e momentos diferentes exigem estratégias diferentes! Lula foi mudando ao longo do tempo, como todos nós... Espero que ele esteja mais político (no bom sentido) e menos petista (no mau sentido, aquele de ser a verdadeira e única alternativa correta)!
ResponderExcluirA corrente-petista,que as vezes é chata mesmo,não tem nada a ver com o Lula,que já disse até sentir saudade das piadas politicamente incorretas.
ResponderExcluirVamos despolarizar! O Brasil não merece um segundo governo de Bolsonaro, da mesma forma que não merece a volta de Lula! Precisamos de um governo sem radicalismos, seja de direita ou de esquerda. O que presenciamos hoje é o império das mentiras. Defendo a mudança já! Não precisamos do sujo, nem do mal lavado! Nem do rôto, nem do esfarrapado! As propostas de crescimento com base no aumento do endividamento, iniciadas por Lula, agora têm continuidade com Bolsonaro, com os empréstimos consignados do Auxílio Brasil! É repugnante! Muda Brasil!
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