O Estado de S. Paulo
Para se materializar, um golpe precisaria
do apoio da sociedade, do suporte internacional e da participação dos
militares. Sem isso, só se tem uma ópera-bufa.
A política bolsonarista tem como
característica principal estar baseada na distinção entre amigos e inimigos, os
primeiros sempre sendo variáveis ao sabor das circunstâncias, enquanto os
segundos têm demonstrado invariância, centrando-se nas urnas eletrônicas, no
Supremo Tribunal Federal (STF) e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Os amigos mostram a volatilidade de suas
alianças, sem nenhum princípio fundado em ideias ou valores morais, onde se
encontra ausente qualquer noção de lealdade. Veja-se o que fez com aliados
civis de primeira hora, depois abandonados, e com generais importantes que
foram simplesmente descartados, segundo o seu arbítrio.
Os inimigos foram se afunilando, chegando à campanha eleitoral em posição de destaque as instituições democráticas. Seu discurso e suas ações decorrentes, em coerência, diga-se de passagem, concentraram-se nas urnas eletrônicas e na Justiça Eleitoral, sem deixar, porém, de atacar o Supremo. Se conseguiu cooptar – melhor dito comprar – o Legislativo, sobretudo a Câmara dos Deputados via orçamento secreto e outros tipos de emenda, num sequestro flagrante dos recursos públicos e das funções legislativas, o mesmo não aconteceu com o Judiciário. Ministros não se curvaram e souberam fazer frente aos seus arroubos.
Ocorre que seus arroubos não são mera
retórica ocasional, mas fruto de uma política que tem o ódio e a morte como
alicerces, algo que causou espanto no tratamento da pandemia de covid, em
que sentimentos morais e compaixão não se fizeram presentes. Ora, tal tipo de
política mira a democracia enquanto inimigo a ser aniquilado, como se qualquer
crítica ou dissidência devessem ser sufocadas. Ela não se presta à escuta e ao
diálogo visando ao bem comum. O autoritarismo é o seu cerne, e não qualquer
efeito colateral.
Nessa perspectiva, o embate deixa de ser
partidário para se tornar institucional. Num pleito partidário, democrático,
partidos e candidatos se defrontam pela conquista do poder, disputando ideias e
concepções, segundo regras reconhecidas por todos, situadas para além de
qualquer agremiação partidária. Disputa-se segundo regras previamente
estabelecidas e aceitas, e não conforme o questionamento das mesmas regras que
tornam a disputa possível.
Na medida em que Bolsonaro foca a sua ação
no questionamento destas regras suprapartidárias, ele se coloca numa posição
antidemocrática e liberticida, nada reconhecendo senão o seu arbítrio e o seu
próprio projeto de poder. A democracia torna-se uma palavra vazia, oca, visto
que, para ele, unicamente conta o atendimento ou não de sua vontade. Se ela é
atendida, considera a medida democrática; se não o for, é coisa de “comunista”
ou outro bicho a ser inventado na ocasião.
Eis por que manifestos como o da Faculdade
do Largo de São Francisco e outros que estão sendo lançados, com apoio de
entidades empresariais, sindicais e profissionais, são da máxima importância,
uma vez que se posicionam em defesa da democracia e de suas instituições. Não
estão baseados em concepções partidárias, particulares nesse sentido, mas têm
uma visão coletiva, institucional.
Nestas últimas semanas e, sobretudo, nestes
últimos dias o Brasil está presenciando um despertar da sociedade civil,
preocupada com questões atinentes à liberdade, aos ritos eleitorais e,
principalmente, contra quaisquer tentativas de perturbação da ordem pública –
tentativas essas cujos traços essenciais se voltariam contra o resultado das
eleições. Na visão simplória dos bolsonaristas, se ganharem a eleição, é porque
as regras democráticas foram observadas; se perderem, é porque houve fraude. Ou
seja, só não haverá fraude se Bolsonaro for o vencedor! O resto é apenas areia
nos olhos.
O grotesco foi simplesmente constrangedor
quando o presidente chamou embaixadores para apresentar suas supostas provas de
fraude. Primeiro, é propriamente inacreditável que um presidente, no exercício
de suas funções, chame representantes de outros países para falar mal do seu
próprio país. Certamente, ficaram estupefatos com tal atitude. Segundo, apenas
reiterou suas teorias conspiratórias de supostas fraudes eleitorais, tanto mais
que se elegeu, junto com seus filhos e apoiadores, segundo estas mesmas urnas
eletrônicas que tanto abomina. De fato, não dá para entender! Terceiro, causou
um imenso dano à imagem exterior do País, algo que foi sempre prezado por
diplomatas e militares brasileiros. Por último, recebeu reações de autoridades
americanas, inclusive militares, de que as urnas eletrônicas brasileiras são um
exemplo para o mundo.
Vivendo em sua própria bolha e vendo a sua
derrota se aproximar, conforme um movimento antibolsonarista equivalente ao
movimento antipetista que o elegeu, o presidente lança ameaças de golpe. Ora,
um golpe, para se materializar, precisaria, principalmente, do apoio da
sociedade, do suporte internacional e da participação dos militares. Estando
esses fatores ausentes, sobra-lhe uma ópera-bufa, com péssimos atores.
*Professor de filosofia na UFRGS.
O principal inimigo de Bolsonaro é o ''comunismo'' que Lula representa.
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