O Estado de S. Paulo
De que modo podemos entender as fontes
pulsionais de tamanho siricutico presidencial na saída do Palácio da Alvorada,
na quinta-feira passada?
Na manhã de quinta-feira passada, um jovem
ativista digital de direita, Wilker Leão, foi até a portaria do Palácio da
Alvorada e xingou o presidente da República de “Tchutchuca do Centrão”. (A rima
em “ão” não há de ser em vão.) O que veio na sequência foi uma arruaça
lastimável, que todo mundo já viu no celular ou nos telejornais.
O presidente saía de sua residência para o
expediente diário. O provocador, que se define nas redes como um “adepto do
militarismo”, gritava repetidamente a palavra esdrúxula, tentando se aproximar
do carro oficial do chefe de Estado. De celular em punho, filmava tudo. No
muque, os seguranças procuravam contê-lo.
Enquanto transcorria o empurra-empurra, o governante ouviu a alcunha que lhe dirigiam e se irritou. Mandou parar o automóvel, saiu furibundo pela porta de trás e avançou na direção de Leão. Com uma das mãos, tentou agarrar o moço pelos colarinhos, mas não havia colarinho nenhum – a vítima vestia uma reles camiseta do São Paulo Futebol Clube, em cuja gola a iracunda autoridade fechou os dedos. Com a outra mão, o mandatário buscava arrancar o celular do são-paulino, intento no qual fracassou.
Não foi difícil de perceber que o
governante estava possesso. Depois de contidos os ânimos de um e outro, é
verdade, os dois até trocaram palavras duras entre si, sem se estapear, mas,
naquele primeiro ato, quando irrompeu do veículo em estado colérico, o homem
deu um chilique histórico.
Por que será? Já o chamaram de
negacionista, de fascista, de genocida e ele apenas faz cara feia e resmunga,
quando muito. Desta vez foi diferente. Por que um estrilo tão desmedido? De que
modo podemos entender as fontes pulsionais de tamanho siricutico presidencial?
Essas perguntas nos conduzem
necessariamente a uma reflexão acerca da essência do ente misterioso que
responde pelo nome de – você já sabe – “tchutchuca”. O que define esse estranho
ser? Em outras palavras, qual a sua natureza ôntica?
Na cultura funk, em que o termo se fixou
para depois se popularizar, o ente foi consagrado por um hit, lançado há
anos pelo grupo carioca denominado Bonde do Tigrão. A letra tem um jeito nada
sublime de traduzir a afeição do poeta por sua musa: “Vem, vem, tchutchuca /
Vem aqui pro seu tigrão / Vou te jogar na cama / E te dar muita pressão”. (Não,
a rima em “ão” não há de ser em vão.) Tangendo sua lira de pancadão, o
menestrel diz, então, que quer “um rala quente” e pede à sua amada que escute o
“refrão”.
Já se falou bastante sobre o caráter
onomatopaico do substantivo em questão. Sua sonoridade, sua prosódia, evoca o
verbo “chuchar”, que é onomatopeia pura, sugerindo que o amor dos corpos é como
um cilindro que suga um pistão. (Agora, a rima virá em profusão.) Essa metáfora
mecânica de motor a combustão faz uma espécie de exaltação de uma forma de
dominação que o macho exerce ao dar “pressão”, certo de que a mulher, tomada de
paixão, sente prazer na servidão. O nome do macho é “tigrão”.
A “tchutchuca”, por definição, se deleita
na submissão. Sua feminilidade reside na plena concessão, na aceitação, na
passividade com sofreguidão, na objetificação sem restrição. Vai daí que o
presidente aceitaria ser xingado de tudo, mas disso, não. Disso, nunca. Para
piorar sua situação, a ofensa lhe soou ainda mais grave quando ele ouviu o
complemento: “do Centrão”. Aí não.
Nesse ponto, é preciso ter em conta o peso
insuportável do aumentativo masculino, em “ão”, para conferir um signo de
hombridade ao que quer que seja. Especialmente na política. O Partido Comunista
Brasileiro, por exemplo, o velho PCB, começou a ser chamado lá pelas tantas de
“Partidão”. O apelido o tornou mais másculo, mais irrecorrível. O mesmo
princípio linguístico valeu para a corrupção: um mensalinho seria suportável,
mais ou menos como um chopinho, um torresminho – não um mensalão. Tendo sido
chamado de mensalão, pelo simples sufixo, o episódio adquiriu algo de
tenebroso, de apocalíptico, de escandalosão. Em matéria de perversidade, ou de
perversão, perdeu apenas para o petrolão.
Para pesadelo do inquilino do Alvorada, o
Centrão se chama Centrão, de modo retumbante, feito maldição, e, neste namoro,
o dele com o Centrão, o papel que lhe cabe não é bem o de Tigrão. Haja danação.
Com isso, chegamos ao final da nossa
brevíssima investigação ontológica. Resulta mais do que evidente que o
xingamento dirigido ao sujeito que passava no automóvel é, antes de uma ofensa
a ele, uma ofensa à condição feminina. A carga semântica do substantivo que deu
título a este modesto artigo já traz, sem que se diga mais nada, um preconceito
atávico de todo tamanho, um preconceitão: mulher é um ser subalterno,
heterônomo, que se derrete ao sentir a pressão do machão.
Pois foi em nome do mesmo preconceito que
veio o faniquito, como se o tal se pusesse em brios: “O quê? Você está me
xingando de mulher? Vem cá, seu bestalhão!” Nesse instante mágico, a
extrema-direita caiu na armadilha da extrema-direita. De supetão. Que serviço
Leão prestou para a Nação.
*Jornalista, é professor da ECA-USP
Excelente texto! A Tchutchuca é tão incompetente que nem conseguiu retirar o celular do seu seguidor. Baixaria e Bolsonaro são sinônimos! Como um desqualificado como este pode governar a nação por 4 anos e não ser nem julgado por impeachment? Só porque o Centrão (Arthur Lira) preservou a sua Tchutchuca... Por causa das propinas que somos obrigados a pagar até o final do mandato do miliciano mentiroso...
ResponderExcluirTchutchuca do Centrão ou bobo da corte! Este é o papel de Jair Bolsonaro no DESgoverno do Centrão, aquele grupo que Bolsonaro criticava quando prometia a Nova Política na campanha eleitoral de 2018. A Nova Política de Bolsonaro é a imitação de Trump nos EUA: mentira, feiquenius, mentira, feiquenius, mentira...
ResponderExcluirDei muita risada,o colunista é um gênio.
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