O Globo (12/8/22)
Mudança requer emenda constitucional, mas
garantiria uma utilização muito mais inteligente dos recursos públicos
Vamos ao nosso décimo quarto encontro com
ideias para implementar no próximo governo. O tema hoje é o que a imprensa
batizou originalmente com vários nomes e que foi discutido no final de 2020,
mas que inicialmente não chegou a ser efetivado. Contudo, é um assunto que
deveria merecer a atenção do presidente escolhido nas eleições de outubro.
Vamos situar o tema. Embora o discurso
político esteja cheio de críticas ao “Estado associado a privilégios”, estes
existem e são muitos, mas é um equívoco julgar que o Brasil carece de programas
sociais importantes. Vamos a eles, citando só os mais importantes:
i) os benefícios rurais, em sua grande
maioria de um salário mínimo (SM), concedidos com regras contributivas que não
chegam a pagar nem 20% do valor presente que recebem os beneficiários ao longo
de 20 ou 30 anos e que afetam a nada menos que dez milhões de pessoas, com
despesas de mais de 1,5% do PIB;
ii) os gastos da Lei Orgânica de Assistência Social (Loas) com cinco milhões de pessoas e custo de pouco menos de 1% do PIB; iii) o Auxílio Brasil, turbinado pelo novo valor de R$ 600, que alcança um número da ordem de 20 milhões de famílias e valor de magnitude a caminho de ser de quase 1,5% do PIB em 2023; e iv) o seguro desemprego e outros programas financiados pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), somando perto de 1% do PIB.
A isso deveria ser adicionado o componente
de subsídio implícito a quem contribui para a aposentadoria do INSS com uma
fração do salário por apenas 15 anos e se aposenta carregando o benefício
integral durante 20 anos ou mais, mas essa seria uma conta mais complexa de
expor neste espaço exíguo.
O fato é que, mesmo sem considerar isso, estamos
falando, apenas com esses programas, de quase 25% da despesa total do governo
federal, apenas com programas de transferência de renda, explícitos ou
indiretos, como no caso dos benefícios rurais, que tecnicamente não são
assistenciais por serem, formalmente, previdenciários. É muito dinheiro!
Ao mesmo tempo, a pandemia trouxe ao debate
no país a necessidade de repensar a relação que a sociedade tem com os
trabalhadores informais, “invisíveis” aos olhos de muita gente, que são muitos
e representam uma das faces cruéis de nossa realidade, com histórias de muito
sacrifício e diversos exemplos de verdadeiros “guerreiros da sobrevivência”.
É evidente que uma ajuda como a que foi
prestada no auge da pandemia não pode se repetir. R$ 600 por mês a 65 milhões de
pessoas dá o número espantoso de quase R$ 40 bilhões por mês, o que anualizado
representa um valor proibitivo, fora de questão para a realidade brasileira.
Por outro lado, tanto nos meios acadêmicos,
como na esfera política e na opinião pública em geral, foi se consolidando a
percepção de que seria preciso “fazer alguma coisa” para dar amparo aos
trabalhadores informais, particularmente numa situação em que o fenômeno se
agravou muito pelos acontecimentos de 2020, apenas parcialmente revertidos até
o momento.
Assim, foi se cristalizando um conjunto de
ideias: a) faz sentido haver um programa que conceda recursos a esses
trabalhadores; b) ele teria que ser fatalmente limitado, em função da realidade
fiscal; c) seria importante que contasse com incentivos econômicos adequados,
para estimular as pessoas a melhorarem a sua situação; d) deveria ser
aprimorado com o passar do tempo, analogamente ao que aconteceu com o Bolsa
Família; e e) é preciso minimizar a superposição com outros programas,
notadamente o Auxílio Brasil.
O leitor que acompanha esta série de
artigos pode fazer uma ponte entre isto e a ideia de extinção do abono
salarial, defendida há algumas semanas. Por que não reduzir os
recursos para o abono — e o Auxílio Brasil, com a queda do
número de famílias necessitadas — e ampliar a verba para um novo programa para
os trabalhadores informais? Requer emenda constitucional, mas seria uma
utilização muito mais inteligente dos recursos públicos.
O Bolsa Família foi sendo aperfeiçoado pelos governos ao longo do tempo, mas o DESgoverno Bolsonaro acabou com ele (para desvinculá-lo do PT e de Lula), e criou um programa meramente temporário, politiqueiro e com prazo de validade pouco após a eleição. Assim é a política imprevisível e sem planejamento do genocida!
ResponderExcluir