quarta-feira, 24 de agosto de 2022

Fernando Exman - Uma ampulheta sobre a mesa de Bolsonaro

Valor Econômico

Governo aguarda medidas populares se converterem em votos

A menos de 40 dias do primeiro turno, a campanha à reeleição do presidente Jair Bolsonaro corre contra o tempo.

Dia após dia, integrantes do comitê monitoram os sinais vitais da economia com a tarefa de saber quando a já perceptível melhora nas expectativas de agentes econômicos chegará à ponta. Ou, em outras palavras, tentam prever se e quando essas mudanças nas projeções em relação ao crescimento da economia e à inflação de 2022 se converterão em votos.

Não é uma conta simples. Em público, adotam o discurso segundo o qual o Brasil vai melhor do que outros países. Isso foi dito, por exemplo, na segunda-feira pelo próprio presidente a milhões de telespectadores durante sua entrevista ao “Jornal Nacional”. Mas não importa. A portas fechadas, trabalha-se como se uma ampulheta estivesse sobre a mesa. Há pressa. E não se descarta a possibilidade de novas notícias positivas serem produzidas nas próximas semanas a fim de acelerar esse processo.

Aliados de Bolsonaro têm a convicção de que algumas medidas direcionadas a aquecer a economia deveriam ter sido adotadas antes. Criticam a demora das deliberações feitas no âmbito do Executivo, e ponderam que elas só saíram devido ao pulso firme com o qual o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), conduz a pauta de votações da Casa. Apenas a chamada PEC das bondades ampliou o Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 até o fim do ano, praticamente dobrou o valor do vale-gás e criou uma ajuda mensal para taxistas e caminhoneiros.

Houve, também, a antecipação do 13º salário de aposentados e pensionistas, além da liberação de saques do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Mais recentemente, a despeito da crescente inadimplência, o governo decidiu oferecer crédito consignado para beneficiários do Auxílio Brasil - uma iniciativa vislumbrada para funcionar a partir de um volume pontual de recursos disponibilizados para os mais vulneráveis, mas que pode causar um dano permanente na vida de muitas famílias.

Com razão os bancos privados de maior porte afastaram-se da oportunidade de negócio: logo farejaram o risco que uma operação desse tipo pode provocar na imagem de qualquer companhia realmente preocupada com o significado do acrônimo ESG. A sigla vem do inglês: Environmental (Ambiental, E), Social (Social, S) e Governance (Governança, G). E quanto à letra “S”, o mínimo que se espera é uma reflexão das empresas sobre o impacto de suas decisões em favor da comunidade.

Para alguns, contudo, isso não é o que conta em uma campanha eleitoral retratada como a luta do bem contra o mal. Os fins justificam os meios, diz-se mais uma vez. E é por isso que aliados do presidente contam com os bancos públicos para a missão. Não se espera que eles percam dinheiro, é verdade, mas, sim, que se disponham a “operar no talo”.

Em outra frente, novas linhas de crédito estão sendo colocadas à disposição para irrigar as contas de microempreendedores individuais e pequenas empresas. E quanto ao Auxílio Brasil, o calendário de pagamentos do benefício turbinado começou no dia 9 e foi concluído apenas na segunda-feira. Mais um desembolso é previsto para setembro, antes do primeiro turno, e outro durante a batalha que se dará entre o primeiro e o segundo turnos.

Do ponto de vista teórico, discute-se no governo o que pode sustentar um possível arranque do presidente nas pesquisas, se este seria consequência do que os economistas chamam de “efeito riqueza” ou então de “efeito renda”.

Segundo especialistas, o último ocorre sobre a renda real dos consumidores, quando os preços aumentam ou diminuem. Com isso, o consumo de todos os produtos pode crescer ou cair, dependendo da alteração na renda real do cidadão. Pode acontecer devido à diminuição dos preços dos combustíveis?

Já o “efeito riqueza” se dá quando aumenta a propensão de uma pessoa a consumir em razão da valorização do seu patrimônio - mesmo que este não seja líquido. Isso ocorre quando uma pessoa se sente mais rica, tornando-se, portanto, disposta a gastar com mais produtos e itens mais caros.

Alguns especialistas apontam para o risco de a tomada de decisão das famílias e de investidores ser feita a partir da expectativa de valorização do patrimônio, o que também incentivaria o endividamento. Além disso, a médio prazo, a valorização dos ativos poderia gerar um aumento da desigualdade entre os que possuem bens e aqueles que são desprovidos dos mesmos.

Enquanto isso, integrantes da campanha de Bolsonaro se fiam nas seguidas quedas das projeções de inflação e de alta do Produto Interno Bruto (PIB) para este ano. Têm motivos para comemorar e, com isso, tentam reverter a imagem existente em parcela considerável do eleitorado de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é mais capaz de solucionar problemas.

Conforme revelou recentemente o instituto Datafolha, Lula é visto como mais preparado do que Bolsonaro para combater a pobreza, lutar contra a fome, reduzir o desemprego e fazer o país crescer. Resultados semelhantes foram colhidos quando se questionou quem seria o melhor candidato para cuidar da saúde, da educação e do meio ambiente.

Auxiliares do presidente costumam desqualificar as pesquisas de intenção de voto. Mais do que os números em si, argumentam, é preciso ver a tendência que esses levantamentos sugerem.

Quando se utiliza esta lente, é possível dizer que Bolsonaro começa a diminuir a diferença em relação a Lula, primeiro colocado nas sondagens, e ainda em tese tem espaço para ser beneficiado pelas medidas econômicas que foram implementadas nos últimos meses. Para alguns interlocutores do chefe do Poder Executivo, contudo, ainda não está claro se ele possui tempo suficiente para fazer uma ultrapassagem.

 

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