sexta-feira, 12 de agosto de 2022

Fernando Luiz Abrucio* - O sentido de uma vitória de Bolsonaro

Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

O sucesso eleitoral do presidente é possível, mas num país bastante dividido e com um legado de problemas gigantesco

As chances de o presidente Bolsonaro reeleger-se são maiores do que pensam a oposição - de centro-esquerda e centro-direita - e boa parte dos analistas. Se o pleito fosse hoje, o ex-presidente Lula ainda seria o favorito, mas com viés de segundo turno, o que torna o jogo mais complicado.

Mas a proposta bolsonarista atual construiu uma forte combinação entre conservadorismo, alianças com a elite política tradicional e populismo distributivo, tornando-a capaz de chegar à rodada final com poucos pontos de diferença em relação ao lulismo. É preciso entender as razões que explicam esse processo político e saber quais seriam as consequências de uma vitória do bolsonarismo.

Claro que há ainda bastante jogo político pela frente. Numa eleição muito disputada como será a próxima, em que não há uma narrativa completamente hegemônica, como havia em 1994, 2006, 2010 e 2018, a campanha dos candidatos e fatos novos ou inusitados podem ter mais impacto nos resultados. A qualidade da comunicação eleitoral e episódios marcantes podem beneficiar Lula ou Bolsonaro, ou mesmo o crescimento de Simone Tebet, embora seja mais difícil para ela, por conta do tempo exíguo para alterar o quadro geral da eleição.

De todo modo, levando em conta apenas os elementos que podem ser ponderados, a eleição de 2022 tende a ser mais parecida com a de 2014, quando a presidente Dilma tinha, ao mesmo tempo, muita rejeição, mas um apoio suficiente para ganhar de forma apertada a eleição.

Bolsonaro é ainda mais rejeitado do que ela, só que tem também um grupo fiel de 25% de apoio e está utilizando diversos instrumentos de populismo distributivo como nenhum candidato à reeleição teve antes. Com uma cordilheira de recursos públicos repassados para milhões de eleitores, o bolsonarismo espera angariar o patamar necessário de votos para criar no segundo turno uma “batalha final do bem contra o mal”.

Neste cenário, Bolsonaro tem, pelo menos, 40% de chances de vencer, podendo crescer esse percentual dependendo de não cometer erros fatais ao longo da campanha - e aqui pode ser contabilizado qualquer ato violento ou ameaça grave à democracia que possa ser debitado na conta do bolsonarismo, algo que beneficiaria Lula.

Um possível sucesso eleitoral de Bolsonaro terá causas diferentes daquelas que o elegeram em 2018. Naquele momento, sua maior força estava em vestir melhor o figurino do candidato antissistema, como já apontou bem Alberto Almeida. Apesar de continuar adotando pautas contra o sistema e usar sua autenticidade tosca do tiozão do churrasco como uma de suas principais características eleitorais, seu discurso está muito mais vinculado agora ao conservadorismo social e religioso.

Na verdade, uma parte de seus argumentos contra o funcionamento das instituições atuais conquistou uma parcela grande do voto conservador e por isso que o presidente repete diariamente essa cantilena. Mas o exagero em alguns desses temas, sobretudo no campo da violência e no ataque à democracia, não agrada a uma parte do eleitorado hoje bolsonarista e pode atrapalhar o seu desempenho eleitoral.

Sua primeira força está em representar um eleitorado conservador que congrega de 20% a 25% do eleitorado brasileiro. Para tanto, entrou muito mais fundo no discurso religioso do que em 2018 e fez alianças com importantes lideranças evangélicas do país, comprando a pauta delas e oferecendo benesses públicas, regulatórias e orçamentárias.

Além disso, como é o governante atual, tenta mostrar como fez o sistema ser mais regido por valores tradicionais e conservadores, como pátria, família e ordem. Se o sistema ainda não é perfeito, diria Bolsonaro, é porque ainda não lhe deram o poder suficiente para transformá-lo. E assim pedirá o voto dos eleitores.

Só que o contingente mais nitidamente conservador do eleitorado não será suficiente para garantir a reeleição. Por essa razão, Bolsonaro abriu os cofres da União num volume inédito e transformou-se num populista distributivista que procura conquistar os pobres, os eleitores da classe C e a classe média - neste último caso, com a redução do preço dos combustíveis.

Ao agir desse modo, o presidente vai contra toda a sua história, inclusive batendo de frente contra o seu próprio discurso de 2018, quando ainda falava que era mais importante dar trabalho para as pessoas e que transferências de renda eram formas de escravizar as pessoas e de comprar votos. Bolsonaro chegou a ser o único deputado a votar contra a institucionalização do Bolsa Família, que ainda chamava de “Bolsa Esmola”.

A chegada ao poder mudou sua cabeça, especialmente durante o momento mais duro da covid-19, quando o Auxílio Emergencial o salvou de se tornar um governante extremamente impopular.

Mas o que fez a grande virada de chave na visão de mundo de Bolsonaro foi o Centrão e seus líderes principais, Arthur Lira e, sobretudo, Ciro Nogueira, hoje os verdadeiros líderes políticos do governo, embora não do movimento social bolsonarista. Eles mudaram completamente o planejamento da política econômica de Paulo Guedes e conseguiram, em alguns meses, convencer primeiramente o presidente (que rifou o Ministério da Economia) e depois o Congresso Nacional de que seria preciso mudar a lógica fiscal do país para distribuir, em tempo recorde e por prazo praticamente limitado ao período eleitoral, uma tonelada de dinheiro à população, a fim de evitar a vitória de Lula em primeiro turno e garantir uma disputa acirrada no segundo round eleitoral.

Ainda há incertezas sobre o resultado desse transatlântico de recursos, especialmente os que irão para grupos nos quais Bolsonaro tem por ora uma votação menor. Isso vai depender de como o bolsonarismo vai propagandear essa medida e, muito mais, de como será o discurso dos candidatos oposicionistas para os mais pobres. Além das transferências diretas de renda, a campanha de reeleição espera se beneficiar do apoio dos parlamentares que receberam vultosas verbas do Orçamento secreto. Eles têm capilaridade por grande parte do país e podem ser importantes cabos eleitorais.

O sucesso eleitoral bolsonarista é possível, mas provavelmente será como a reeleição de Dilma, com agravantes. A vitória deverá ser também por pouquíssima margem de votos em relação ao segundo colocado, numa campanha ainda mais virulenta e marcada pelo ódio do que foi o pleito em 2014, deixando o país bem mais dividido do que naquela época e com um legado de tarefas e problemas gigantesco para o segundo mandato.

Mesmo com todas essas dificuldades e grandes conflitos pela frente, se Bolsonaro conseguir o segundo mandato, ele tem um projeto muito claro: reforçar o poder presidencial frente aos outros Poderes, à Federação e à sociedade. O objetivo maior disso é estabelecer um projeto autocrático de prazo maior do que quatro anos.

O segundo mandato geralmente já é mais difícil do que o primeiro, só que dessa vez será tão ou mais complicado do que o dia seguinte da reeleição de Dilma. Primeiro porque, ao abraçar o populismo distributivista como fez agora, Bolsonaro não poderá parar: terá que continuar a pagar o Auxílio Brasil no valor atual e provavelmente será pressionado a aumentar o saco de bondades porque a economia no ano que vem cairá em recessão. Os juros continuarão altos por um bom tempo, o desemprego tenderá a aumentar, a situação internacional deve piorar e uma saída para continuar gastando seria aumentar impostos, algo bem difícil perante o eleitorado bolsonarista raiz.

Outra solução seria adotar uma política econômica mais restritiva ao estilo do primeiro ano de Paulo Guedes, o que geraria uma enorme perda da popularidade presidencial, tal qual aconteceu em 2015 com Dilma, pois isso terá cheiro de traição ao eleitor, o pior sentimento que a população pode ter em relação a um político.

Ou seja, há muitas chances de a ressaca ser grande no ano que vem depois da esbórnia de 2022. É neste contexto que o Centrão cobrará a sua fatura: só interessará a esse grupo continuar como parceiro do bolsonarismo se ele for capaz de entregar um retumbante sucesso eleitoral nas eleições municipais de 2024.

Lira, Ciro Nogueira e Valdemar querem ter o comando da maior parte das prefeituras para ter um programa de longo prazo de permanência no poder. Mas se não for encontrada uma solução distributivista e que mantenha a popularidade do condomínio político montado com Bolsonaro, o conflito entre as partes será inevitável: um lado ameaçará com o impeachment e, mais ainda, com o semipresidencialismo, enquanto o outro organizará as brigadas bolsonaristas nas ruas e redes sociais, além de atiçar o conservadorismo de certos grupos evangélicos nas igrejas pelo país afora.

No final, o Armagedom poderá não ser entre bolsonarismo e lulismo, mas entre o Centrão e os bolsonaristas. Só que a classe política tradicional e fisiológica está fazendo uma campanha que legitima um projeto autocrático de poder, e escapar dele não será fácil. Numa possível derrota eleitoral, Bolsonaro tem mais chances de causar muita confusão e violência, ou dificuldades na transição para um possível governante eleito. Mas se ganhar, ele terá o poder e a legitimidade para aprofundar a quebra democrática, como seu ídolo máximo, Viktor Orbán, fez na Hungria.

*Fernando Abrucio, doutor em ciência política pela USP e professor da Fundação Getulio Vargas.

7 comentários:

  1. Bolsonaro, além de manter o toma-lá-dá-cá dos governos anteriores, implantou o troca-troca religioso, como bem apontou o colunista! Os pastores vendilhões são criminosamente instalados na administração pública, seja como ministros corruptos e incompetentes, seja como atravessadores e intermediários com poder sobre os funcionários de carreira.

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  2. Concordo plenamente, a guinada eleitoral se dará ainda esse mês e Bolsonaro chegará à frente no primeiro turno e como você falou com apoio da maioria dos deputados do centrão que controlam os prefeitos e vereadores, que no final são os principais cabos eleitorais, Bolsonaro vai ser reeleito.
    Só pra refrescar a memória os principais assessores e ocupante de ministério cargos públicos do Lula eram sindicalistas bocais , ávidos por dinheiro e poder
    O governo PT negociava cada cargo visando tirar proveito próprio daquela repartição pública
    Na delação do palocci ele revela que em todas as estatais com seus fundos de pensão, foram montados esquema de corrupção e desvio de recursos públicos, único e ficar de fora foi o banco central
    Como disse o Gilmar Mendes eles montaram o sistema de corrupção estatal, uma governo Claptocrata, para se perpetuar no poder, que a lava jato revelou

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  3. Bolsonaro manteve o Centrão, dando-lhe o comando total que ele nunca teve com Lula, e inovou, criando a TEOcleptocracia! Deus nos livre deste genocida... E que o diabo o carregue!

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  4. Acho que não possui nenhuma qualidade nobre. Um sujeito desses com poder já é um declínio da democracia. De fato ela já não existe no nosso país. Estamos nos tapeando o tempo todo sobe isso. Como foi possível eleger um sujeito desses para presidente? Ele é escória mal acompanhado por um bando de sujeitos iguais a ele. Teve ter passado por toda baixaria que existe nesse mundo, com isso, foi e é capaz de enxergar o preço de cada um, até de
    Militares que muitos tinham em uma boa conta de formação de caráter às alturas. Sabe a alma da política. Como ninguém e isso não é política com idealismo, isso mostrou apenas como estamos nos tapeando há tempos e contentado com muito pouco. Não é de estranhar que ele se apegue tanto ao cargo e nele queira permanecer. Ser presidente no Brasil se tornou algo indigno que qualquer um pode ocupar de acordo com a política atual, tudo se tornou de uma vulgaridade sem tamanho. Ninguém presta ninguém e honesto tudo e uma gentinha, e a Corte tira ladrao da prisão e ainda diz que os culpados são os que não aceitam a corrupção. Tudo para proteger os cambalachos não ocultos dos nobres Srs da justa(malandragem). Quem não se adapta fica brigando pela democracia que na verdade é uma busca pela vergonha, na terra dos lulas e de bozos.

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  5. Povo cinico e vagabundo, acabaram com a lava-jato e agora ficam dizendo o que ela revelou sobre a ladroagem do PT, como se Bolsonaro, que ensina os próprios filhos a roubar dinheiro público, não fosse um ladrão também. O sujo falando do mal lavado. Cinicos.

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  6. Na família do Bolsonaro até as mulheres roubam com perfeição. Teem know how as danadas.

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