O Estado de S. Paulo
Ainda há resquícios de uma mentalidade tacanha que vê a arte como um bem secundário
O Festival de Edimburgo aplaudiu de pé, na
última quinta-feira, uma esplêndida estreia da tragédia grega Medeia. A atriz
principal era negra e a adaptação se concentrava em questões políticas
contemporâneas, como o racismo e o machismo. Se fosse vivo, o gênio Eurípedes,
autor da Medeia original, ficaria exultante ao ver que sua peça tem muito a
dizer aos dias atuais – e vibraria com a atuação de Adura Onashile, uma das melhores
atrizes da nova geração do teatro britânico.
A capital da Escócia, famosa pelos castelos e seus fantasmas, pulsa no verão com festivais culturais – de teatro, cinema, literatura, música e até um módulo de ciência política. Somados, os eventos movimentam cerca de R$ 6 bilhões por ano. Os maiores impactos, no entanto, são de longo prazo.
Um levantamento feito pelo banco francês
BNP Paribas aponta Edimburgo como o segundo polo de tecnologia digital do Reino
Unido, logo atrás de Londres. Para o BNP, a qualidade da oferta cultural está
na raiz do fenômeno. A arte – principalmente a que reflete sobre temas
contemporâneos, como a Medeia de Onashile – atrai jovens talentosos e, com
isso, movimenta o ambiente de startups. A Universidade de Edimburgo deve inaugurar
nos próximos meses uma divisão voltada para a economia do futuro – digital,
sustentável e alicerçada nas artes e no design.
A fórmula vitoriosa se aplica a várias cidades.
Austin, no Texas, é igualmente conhecida pela cena cultural movimentada – e
também pela vibração digital. “Na América Latina, os festivais mais
bem-sucedidos são os de Bogotá, Buenos Aires e Santiago”, diz o crítico teatral
Ruy Filho, estudioso do assunto. Ele é o entrevistado do minipodcast da semana.
Para Ruy, um dos editores da revista
cultural Antro Positivo, os festivais brasileiros ainda têm uma trilha a
percorrer. Ele cita os dois mais tradicionais, Curitiba e São José do Rio
Preto, e destaca iniciativas bem-sucedidas em Salvador e Teresina. “Nosso
desafio, no entanto, é fazer algo com impacto cultural e econômico comparável
aos festivais europeus ou mesmo ao de Bogotá”, diz Ruy.
Ainda há no Brasil resquícios de uma
mentalidade tacanha que vê a arte como um bem secundário. Os gregos sabiam,
desde os tempos de Eurípedes, da importância do teatro para estimular a
reflexão, formar bons cidadãos e movimentar a economia. Cortar verbas da
cultura, debochar das leis de incentivo e estigmatizar os artistas condenam o
País não apenas ao obscurantismo, mas também ao atraso e à pobreza. •
Coisa que Bolsonaro e sua trupe fizeram muito bem.
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