A opção pelo capitalismo iliberal, defendida canhestramente por Paulo Guedes, seu ministro da Fazenda, emprestou roupagem nova ao capitalismo pirata que teve livre curso, em boa parte pela imobilidade forçada da sociedade pela disseminação da cruel epidemia que se abateu sobre o país. Esse fato funéreo foi comemorado pelo ministro do meio ambiente em tom álacre, Ricardo Salles, em frase imorredoura que aludiu a queda de resistência à passagem de boiadas à doença que mortificava o país. Não houve dimensão ignorada pelo afã destrutivo das hostes bolsonaristas, em especial na área da educação, na da saúde, e de todas as agências reguladoras do meio ambiente, sempre no objetivo declarado de torná-las docemente compatíveis à expansão da acumulação capitalista e seus valores.
Havia, no entanto, uma pedra no caminho, as
instituições provinham de um tempo em que se sentiu a presença da democracia e
das forças que a traziam consigo, e assim como os romanos clamavam por delenda
Cartago, cidade-estado que obstava a expansão do seu domínio, a grei defensora
do capitalismo trumpista se volta contra a Constituição e seus defensores
institucionais, que armaram uma renhida resistência em sua defesa, cujo momento
culminante foi o do manifesto de juristas, de personalidades, de entidades
empresariais, sindicatos de trabalhadores e movimentos sociais dado à luz no
simbólico dia 11 de agosto na Faculdade de Direito da USP.
A partir daí se estreitam as possibilidades
de reprodução do governo por vias estranhas às da institucionalidade
democrática, como se anunciava na preparação de mais um 7 de setembro
catastrófico, quando se cogitou de uma parada militar na Avenida Atlântica no
Rio de Janeiro, coadjuvada pela presença de milícias armadas, a respaldarem as
palavras de ordem “eu autorizo”, por isso significando a investidura do
presidente Bolsonaro com um poder sem freios institucionais. Ao menos por ora,
as expectativas continuístas se viram deslocadas para terreno eleitoral.
Tal terreno, com o repertório de desastres
acumulados ao longo de um governo mal avaliado pela população, com o passivo de
700 mil mortes na pandemia, não podia deixar de ser inóspito às suas pretensões
eleitorais, tal como certificado pelas pesquisas e propício a candidaturas de
oposição, como a de Lula que se preparava para a oportunidade e contava com um
partido capaz de sustentar sua pretensão. Lula e seu estado-maior, na leitura
que procederam das circunstâncias, acertadamente compreenderam que uma tal
tarefa transcendia às suas forças, investindo na composição de uma frente
política. Um largo e audacioso movimento deu forma a essa frente, com a
composição da chapa Lula-Alkmin à frente de uma coligação de partidos de
esquerda.
Esse script surpreendente não resultou de
uma simples leitura dos dados então disponíveis, foi, a todos títulos, uma
invenção inesperada surgida no calor renhido das lutas políticas de políticos
em busca de possibilidades de vitória. Estranho que intelectuais que se arvoram
em cultores de Maquiavel, este fundador do pensamento político moderno, se
desalinhem de um dos supostos fundamentais de suas lições, qual seja o de
respeitar a verdade efetiva das coisas (“la veritá effetuale dele cose”), na vã
pretensão de dobrar os processos humanos à sua discrição.
Contudo, embora Lula-Alkmin tenha sido uma
boa chave para a ação, nada lhe garante a vitória no final. O governo Bolsonaro
deitou raízes fundas na sociedade, especialmente nas elites, a quem facultou
novos e rentáveis negócios e, sobretudo, garantias de que seus privilégios são
intocáveis. Mexeu com um, mexeu com todos, dizem agora os endinheirados em
defesa dos empresários pegos com as mãos na botija conspirando contra a ordem
democrática. Mais que isso, favoreceu o surto de novos negócios em atividades excusas
como na mineração e na construção civil em que máfias se infiltram. E aos
conservadores empedernidos de todos os matizes a esperança de que tudo que
sempre aí esteve, como o patriarcalismo que nos trouxe ao mundo, sempre ficará.
Remover esse governo que aí está é abrir
portas para o moderno, cuja passagem tem sido interditada pela modernização
autoritária que nos trouxe até aqui. Alargar essa frente democrática de que já
temos em mãos o primeiro esboço, recusando idiossincrasias, ressentimentos,
inclusive os justificáveis, é o mapa da mina com que poderemos retomar a
democratização do país, obra que resta concluir.
*Luiz Werneck Vianna, Sociólogo, PUC-Rio
O DESgoverno Bolsonaro é um desastre total, na Educação, no meio ambiente, na saúde, na economia, na cultura, e até na religião que tanto foi explorada pelo canalha, associado a pastores safados e pouco interessados no bem dos seus fiéis. Os evangélicos foram a boiada escolhida pelo mau militar e péssimo cristão.
ResponderExcluirÉ,a coisa não está bonita.
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