O Globo
Para quem se negou a fazer media training,
presidente seguiu à risca conselhos de auxiliares da campanha
Nada do que Jair Bolsonaro disse ao longo
da entrevista para o Jornal Nacional chegou a surpreender quem acompanha suas
aparições em lives, no cercadinho do Palácio da Alvorada e nas longas
entrevistas que deu ultimamente a podcasts.
A versão fantasiosa sobre o inquérito que
apurou a invasão de hackers ao site do TSE, a cantilena sobre liberdade para
médicos prescreverem cloroquina a pacientes de Covid, a lorota de que quem
ficou em casa se contaminou mais do que quem foi às ruas durante a pandemia, o
argumento sem sentido de que a Europa desmata suas florestas mais do que o
Brasil. Estava tudo lá.
A novidade estava na forma. O tom de voz
baixo e controlado não só contrastava com o da entrevista de 2018, mas parecia
o de alguém muito bem instruído por assessores – especialmente para quem se
negou a fazer media training para a entrevista.
Bolsonaro pode não ter feito treinamento tradicional. Mas seguiu à risca as instruções dos auxiliares para não esbravejar com William Bonner e Renata Vasconcellos chacoalhando bandeiras radicais (como o famigerado "kit gay"), para não assustar os indecisos.
Até da inquirição sobre urnas eletrônicas e
sua batalha contra o sistema eleitoral, o presidente buscou se desvencilhar.
Disse que não chamou ministros do Supremo de canalha - "foi só um ministro
e não vários" –, e afirmou acreditar que a pendenga com o TSE está
pacificada, sabendo que isso não é verdade.
Ele mesmo deu a prova, ao enrolar para
assumir o compromisso de reconhecer o resultado das eleições mesmo que perca.
"Desde que as eleições sejam limpas", disse, como se houvesse alguma
dúvida a respeito.
Difícil não identificar um cálculo também
na opção de não atacar diretamente Luiz Inácio Lula da Silva, a quem Bolsonaro
vive chamando de ladrão.
Para não dizer que não restou nada do
Bolsonaro de 2018 na entrevista de 2022, havia uma caneta Bic, anotações na mão
com indiretas supostamente ameaçadoras a adversários e a pele do rosto sem
maquiagem.
É fácil para quem assiste sentado no sofá
da sala, sem a pressão de uma Copa do Mundo da política, achar que, se as
perguntas fossem outras, o desfecho teria sido diferente.
Assim que a entrevista acabou,
multiplicaram-se os comentários nas redes sociais a respeito do que teria sido
se Bolsonaro tivesse sido questionado sobre rachadinha ou lembrado dos dos 33
milhões de famintos no Brasil, quando mencionou o tema da segurança alimentar.
Impossível saber o que seria. Mas Bolsonaro
só foi ao Jornal Nacional prestar continência ao jornalismo profissional porque
precisou fazer isso. Razoável, portanto, supor que nada o tiraria do figurino
que resolveu apresentar às cerca de 40 milhões de pessoas que o assistiam na
TV.
Um especialista que acompanhou o embate de
olho num grupo de pesquisa qualitativas me contou que, finda a entrevista,
Bolsonaro não conquistou nenhum voto entre indecisos – o que é ruim para quem
batalha para que a eleição chegue ao segundo turno.
Mas a reação de seus aliados mostra que ele
talvez só estivesse ali em busca de uma narrativa. "Hoje o Brasil pode ver
o Bolsonaro de verdade", tuitou o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira.
"Uma pessoa espontânea, sincera, de posições firmes e com profundo amor
pelo Brasil e pelos brasileiros."
Para quem segue Bolsonaro há três anos e meio, o que fica é o retrato de um político que, diante de uma batalha eleitoral dificílima, rendeu-se à máxima dos marqueteiros de que a forma é mais decisiva do que o conteúdo. Espera, obviamente, que funcione. Mas o eleitor sabe com quem está lidando, e a escolha não se faz em uma única noite.
O Bolsonaro de verdade é como o Pinóquio de verdade - são iguais! E sinônimos... E a verdade é antagônica tanto a Bolsonaro quanto a Pinóquio.
ResponderExcluirO pior é que a máxima,quem não te conhece que te compre,não serve pra Bolsonaro,seus eleitores só votam nele porque se identificam com suas ideias.
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