quarta-feira, 3 de agosto de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

Confusão federativa

Folha de S. Paulo

Interferência da Justiça no imbróglio do ICMS causa incerteza ao transferir perdas para a União

Ao determinar compensação imediata de perdas sofridas por quatro estados com o corte do ICMS cobrado sobre combustíveis e outros itens, o Supremo Tribunal Federal abriu mais um capítulo de incerteza nas relações federativas.

As decisões do ministro Alexandre de Moraes, de caráter provisório, permitem que Alagoas, Maranhão, Piauí e São Paulo suspendam o pagamento de suas dívidas com a União pelo menos até que o plenário da corte julgue a questão.

Os estados se insurgiram contra duas leis complementares aprovadas pelo Congresso, que mudaram normas do ICMS e limitaram a 17% a alíquota para combustíveis, gás natural, energia elétrica, telecomunicações e transporte coletivo.

É certo que a medida causará redução da arrecadação dos estados, já que a maioria cobrava taxas acima de 20%. Os governadores alegam que a perda de recursos limita o provimento de serviços essenciais.

A interferência do tribunal parece precipitada, no entanto. Para começar, a lei prevê que a compensação seja limitada a 2022 e só ocorra se a perda de receita superar 5% em relação ao patamar de 2021.

Não se identificou ainda uma queda na coleta agregada de ICMS. Pelo contrário. Segundo o Ministério da Economia, os quatro estados agora beneficiados pelo Supremo tiveram alta no primeiro semestre, de 11% a 22%, frente ao mesmo período de 2021. A inflação explica boa parte desse desempenho.

O saldo disponível no caixa dos estados tem crescido aceleradamente desde o fim de 2020, o que torna implausíveis até aqui as alegações de prejuízo à boa execução de programas dos governadores.

Todos os envolvidos têm sua parcela de culpa. De um lado, o Congresso não se furta a criar toda sorte de obrigações para estados e municípios, não raro em temas que seria melhor decidir localmente. De outro, os governadores estão sempre prontos a invocar sua autonomia quando convém, mas não perdem oportunidade de transferir suas contas para a União.

Foi assim nos primeiros meses da pandemia, quando o Congresso aprovou ajuda federal de R$ 60 bilhões para os estados, com a premissa de que a economia entraria em recessão. Depois, quando as receitas dispararam, ninguém falou em devolução do dinheiro.

No caso dos combustíveis, a pressão do Executivo esteve por trás da ação do Congresso, mas a compensação deveria se limitar aos termos definidos na lei aprovada, sem necessidade de interferência judicial.

Ações mais decisivas para restabelecer o equilíbrio na Federação dependeriam de uma reforma tributária mais ampla. O caso dos combustíveis mostra, porém, que os fatores causadores de tumulto vão além da questão dos impostos.

Sem tolerância

Folha de S. Paulo

STF manda prender outro bolsonarista, enquanto Procuradoria pede fim de inquérito sobre presidente

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, voltou a demonstrar intransigência com os que fazem ameaças contra a ordem democrática e tentam sabotá-la.

No domingo (31), ele decretou a prisão preventiva, sem prazo determinado, de um bolsonarista que vinha usando as redes sociais para intimidar políticos e membros do STF.

Detido em caráter temporário há duas semanas, o homem passou a ser investigado por ter publicado vídeos em que conclamava seguidores à prática de atos violentos.

Após analisar o telefone celular e o computador do suspeito, a Polícia Federal apontou indícios de que ele estava multiplicando o alcance de sua pregação na internet e atraindo outros extremistas, o que bastou para Moraes endurecer as medidas tomadas para contê-lo.

Se tais condutas talvez pudessem ser tratadas como mera fanfarronice em outros tempos, o magistrado, que assumirá em breve a presidência do Tribunal Superior Eleitoral, deixou claro mais uma vez que a margem de tolerância se estreitou.

Numa quadra em que o próprio presidente da República investe sem descanso contra as instituições, o estado de alerta no Judiciário é compreensível. Nesta terça (2), Jair Bolsonaro (PL) voltou a atacar Moraes e outros ministros do STF, que acusa de perseguição.

Dada a omissão da Câmara, inerte diante de mais de uma centena de pedidos de impeachment, e da Procuradoria-Geral da República, coube ao Supremo o papel de anteparo aos desatinos do mandatário e de seus apoiadores radicais.

Na segunda (1), a Procuradoria mostrou leniência ao se manifestar contra um dos inquéritos conduzidos por Moraes que têm Bolsonaro como investigado, o que examina o vazamento da investigação de um ataque hacker sofrido pelo TSE.

A PF concluiu que o presidente cometeu um crime ao divulgar informações sobre o incidente. A Procuradoria não viu nada de errado, pediu arquivamento do caso e critica Moraes por mantê-lo aberto.

A falta de sintonia revela a disposição do procurador-geral, Augusto Aras, para atuar como linha auxiliar da defesa do presidente e expõe os obstáculos que até aqui impediram sua responsabilização.

Se Bolsonaro perder as próximas eleições, os inquéritos conduzidos pelo STF deverão ser transferidos para instâncias inferiores. Se for reeleito, ele só poderá ser processado por esses atos depois que deixar a Presidência. Resta saber de que lado estará a Procuradoria.

Os sócios do caos são teimosos

O Estado de S. Paulo

Parlamentares bolsonaristas tentam retomar o PL que limita a autonomia dos governadores para indicar os comandantes das PMs; repercussão negativa adiou a barbaridade

A segurança dos cidadãos será fatalmente comprometida caso seja aprovado no Congresso o Projeto de Lei (PL) 164/2019, que estabelece um novo rito de escolha dos comandantes-gerais das Polícias Militares (PMs) e dos Corpos de Bombeiros Militares (CBMs) dos Estados. Hoje, os comandantes-gerais das duas corporações são escolhidos livremente pelos governadores entre os oficiais da ativa no último posto da carreira militar estadual (coronel). Não há mandato, e o chefe do Poder Executivo pode destituí-los a qualquer tempo, sem ter de justificar a decisão.

À luz do interesse público, não há por que mudar esse rito. Nas democracias, o braço armado do Estado deve estar sempre subordinado ao poder civil, e este não pode ser limitado por artimanhas políticas de ocasião nem, menos ainda, por picuinhas. É disso que se trata. O PL 164/2019 é, a um só tempo, um instrumento da briga do presidente Jair Bolsonaro com os governadores e um ardil para granjear o apoio de maus militares à agenda bolsonarista, claramente antidemocrática e antirrepublicana. Se há no País alguém que domina o idioma dos maus militares, é o presidente da República.

Não é novidade para ninguém que Bolsonaro tem total interesse em minar o poder dos governadores sobre as forças de segurança pública sob seu comando. É explícita a tentativa do presidente de cooptar policiais militares nos Estados para formar uma espécie de milícia bolsonarista, que estaria pronta para se insurgir contra seus comandantes sob as ordens diretas de Bolsonaro, no momento que melhor convier ao incumbente em campanha pela reeleição.

O PL 164/2019 dormitava nos escaninhos da Câmara dos Deputados havia mais de um ano. Agora, de uma hora para outra, um grupo de parlamentares bolsonaristas decidiu ressuscitar a emboscada. Ora, não é coincidência o fato de o País estar a dois meses das eleições gerais. Bolsonaro tem dito aos quatro ventos que não aceitará uma eventual derrota nas urnas. Caso isso aconteça, como projetam as pesquisas de intenção de voto, o preço que os brasileiros haverão de pagar por não terem reconduzido o “mito” serão dias de tensão e baderna. A ação de policiais militares insurgentes faz parte da arquitetura do caos.

A armadilha bolsonarista só foi temporariamente desarmada porque o Estadão revelou as manobras de bastidor na Câmara dos Deputados para levar o projeto adiante. Decerto ele seria aprovado em caráter terminativo na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Casa não fossem a reportagem e a reação de alguns comandantes-gerais das PMs. Diante das críticas pela escancarada natureza oportunista do PL 164/2019, a votação foi adiada para depois das eleições. Um projeto absurdo como esse, flagrantemente contrário ao melhor interesse público, deve ser abandonado em caráter definitivo. Só foi cogitado porque na Presidência da República está um inconsequente e na Presidência da Câmara dos Deputados, um oportunista.

Se o PL 164/2019 for aprovado, aos governadores será imposta uma lista tríplice formada a partir de votação interna e sigilosa entre todos os oficiais da ativa das PMs e dos CBMs. Os escolhidos teriam um mandato de dois anos, podendo ser reconduzidos uma vez, a critério dos governadores. As corporações também passariam a ser dotadas de autonomia orçamentária.

Os defensores do projeto juram que pretendem “impedir a ingerência política” nas corporações militares estaduais. É uma falácia, pois o que ocorrerá é justamente a politização dos quartéis. Os candidatos a comandante-geral, a fim de integrar a lista tríplice, passarão a agir sob a lógica sindical, sobrepondo os interesses corporativos aos interesses da sociedade. Quando os interesses de classe colidirem com o interesse coletivo, pior para a sociedade. Coronéis-candidatos poderão tomar decisões que, ao fim e ao cabo, arrisquem a segurança dos cidadãos.

Um projeto como esse não pode prosperar. Mas, caso passe na Câmara, onde tudo é possível sob a gestão de Arthur Lira, que o Senado, a Casa da Federação, dê um fim a essa barbaridade. 

Desindustrialização, País em retrocesso

O Estado de S. Paulo

Com o encolhimento do setor industrial, que completa uma década, o Brasil, à mercê do populismo, desperdiça avanços obtidos em um século de esforços de diversificação produtiva

Completados dez anos de recuo da produção industrial, o Brasil continua firme na desindustrialização, sem uma política desenhada para recuperar e modernizar o setor. Só uma pessoa notavelmente desinformada confundiria com política industrial a mera redução – além de tudo, mal planejada e confusa – do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Política de desenvolvimento, geral ou setorial, envolve um trabalho muito mais complexo e muito distante das práticas observadas, em Brasília, a partir de 2019. Envolve definição de metas, elaboração de diagnósticos, fixação de etapas e uma clara identificação de recursos e de processos necessários. A indústria instalada no País fechou o primeiro semestre produzindo 18% menos que em maio de 2011, pico da série histórica em uso pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A reação ao tombo de 2020, quando o Brasil enfrentou a primeira fase da pandemia, logo se esgotou. A produção cresceu 3,9% em 2021, sem compensar o recuo de 4,5% ocorrido no ano anterior. A partir daí, a atividade prosseguiu de forma insegura. Em junho, o setor produziu 0,4% menos do que em maio, depois de quatro meses consecutivos de expansão, e 0,5% menos que em dezembro do ano passado. Além disso, ficou 1,5% abaixo do patamar pré-pandemia, em fevereiro de 2020. O balanço geral do semestre foi negativo, com produção 2,2% inferior à de um ano antes. Em 12 meses o recuo acumulado foi de 2,8% em relação ao período anterior.

Alguns poderão atribuir as dificuldades da indústria a circunstâncias especiais, como a guerra na Ucrânia e a pandemia de covid-19. A atividade tem sido realmente afetada, no Brasil e em vários outros países, por desarranjos na cadeia de suprimentos. Têm faltado insumos, os custos têm subido e as consequências são bem visíveis em vários segmentos industriais. Além disso, negócios têm sido prejudicados, em todos os setores, por problemas conjunturais, como a inflação interna, os juros altos e o consumo prejudicado pelo desemprego e pela erosão da renda familiar.

Todos esses desafios são reais, mas o enfraquecimento da indústria, no Brasil, começou muito antes da pandemia, da invasão da Ucrânia e do recente surto inflacionário internacional. Em seis dos dez anos entre 2012 e 2021 houve recuo da produção industrial, segundo o IBGE. Não houve apenas diminuição do volume produzido. Houve também estagnação da capacidade produtiva, da tecnologia e do potencial de inovação, por falta de investimento em capital físico, isto é, em máquinas, equipamentos e instalações. Excetuados alguns segmentos e grupos empresariais, competitivos e em permanente avanço, o panorama geral é de enfraquecimento da indústria.

O retrocesso começou com erros de política econômica. Protecionismo excessivo, desperdício de recursos com “campeões nacionais”, capitalização deficiente, crédito caro, insuficiente esforço de pesquisa, pouco empenho na qualificação de mão de obra, infraestrutura ineficiente, insegurança jurídica e tributação disfuncional são problemas listados, há muitos anos, em estudos de competitividade.

Governos petistas deram pouca atenção à eficiência competitiva. Depois, passada a recessão de 2015-2016, houve um esforço de recuperação econômica e algum empenho em modernização institucional, mas a atividade novamente se estagnou a partir de 2019 e as noções de planejamento, de modernização produtiva e de metas de desenvolvimento sumiram da pauta governamental. Alguns analistas parecem ter confundido o abandono das ideias de metas e planos com uma opção pelo liberalismo.

Com a desindustrialização do País, abandonam-se conquistas acumuladas em um século de esforços de ampliação e de modernização do sistema produtivo – importantes também, é preciso lembrar, para a consolidação de um agronegócio eficiente e competitivo. Talvez se possa retomar o caminho da modernização a partir de 2023, se o próximo governo for capaz de pensar nos interesses mais amplos do Brasil e de ir além do voluntarismo e do populismo. 

Balança comercial no mundo em conflito

O Estado de S. Paulo

Nosso comércio exterior ainda vai bem, mesmo com mudanças bruscas no mundo, mas já começa a sentir efeitos negativos

A balança comercial continua a registrar resultados expressivos, que vêm garantindo uma situação confortável para o País na área externa. Não é pouco para uma economia que, embora venha demonstrando certo vigor, ainda está fraca. As projeções para o crescimento da economia neste ano estão sendo gradualmente revistas para cima por órgãos do governo e instituições privadas, mas ainda assim o resultado final será modesto e deixará um peso para o desempenho no ano que vem. Nesse ambiente, é animador o crescimento contínuo das exportações e das importações, com a consequente expansão da corrente de comércio (soma das vendas e compras externas), assegurando saldos expressivos.

Em julho, as exportações registraram crescimento de 23,0% sobre as de um ano antes. As importações cresceram em ritmo mais acentuado, com aumento de 41,6% sobre julho de 2021. Desse modo, o saldo comercial vem se contraindo. O de julho, de US$ 5,444 bilhões, foi 22,7% menor do que o de um ano antes. No acumulado do ano, o saldo de US$ 39,750 bilhões é 10,4% menor do que o dos primeiros sete meses de 2021. Por esse lado, não há motivo para preocupação. Embora menor, o saldo ainda é confortável, e o governo continua a projetar superávit comercial de US$ 81,5 bilhões no ano. 

Alterações bruscas, e intensas em certos casos, no cenário mundial, porém, vêm sinalizando mudanças na evolução da balança comercial do País que, embora ainda discretas, talvez recomendem alguma atenção. A guerra na Ucrânia vem afetando o fluxo comercial mundial desde seu início, em fevereiro deste ano. Produtos de grande impacto no comércio mundial, e no atendimento de necessidades de populações de muitos países, tiveram sua comercialização suspensa ou fortemente reduzida, com impactos brutais sobre os preços.

A reversão da recuperação da economia mundial, que se observava desde que a pandemia passou a arrefecer, reduziu a demanda de muitos produtos, o que, para os resultados do comércio em valores, foi compensado em parte pela alta dos preços. A economia da China, motor da economia mundial em outros períodos de queda da atividade produtiva, vem apresentando seus piores resultados em muitas décadas.

A China é, há anos, o principal destino dos produtos brasileiros, especialmente minérios e commodities agrícolas. Em julho, as exportações do País para a China, Hong Kong e Macau caíram 0,5%, somando US$ 7,98 bilhões. No resultado acumulado do ano, a queda é de 1,1%. As importações brasileiras da China, de sua parte, aumentaram 31,0%.

As exportações brasileiras para outros grandes mercados, como os Estados Unidos, Argentina e União Europeia, continuam em expansão. Mas o resultado acumulado de 12 meses na comparação com o período imediatamente anterior, embora continue aumentando, mostra perda de vigor. As exportações, que até fevereiro cresciam a um ritmo próximo a 40%, agora crescem pouco mais de 20%. 

De onde quer que se olhe, portanto, o Brasil começa a sofrer os efeitos das mudanças aceleradas no cenário internacional, e seria prudente começar a se preparar para um horizonte bem mais desafiador, que já se avizinha. 

Morte de líder da al-Qaeda comprova recuo do jihadismo

O Globo

Atingido por ataque de drone em Cabul, Ayman al-Zawahiri geria decadência da rede terrorista

Para um presidente assombrado pelos piores índices de popularidade a esta altura do mandato desde a Segunda Guerra Mundial, até que os últimos dias trouxeram um alento ao americano Joe Biden. As primeiras boas notícias vieram do Congresso, onde suas iniciativas andavam paradas. O Senado aprovou na semana passada uma lei para financiar a produção de semicondutores, e Biden enfim convenceu o senador relutante que emperrava sua agenda ambiental a apoiar parte dela. No front externo, o entrevero com a China em torno da visita oficial de deputados a Taiwan pode ter ofuscado a operação que eliminou Ayman al-Zawahiri, líder da organização terrorista al-Qaeda desde o assassinato de Osama bin Laden, em 2011 — mas não diminui seu valor simbólico.

Se o jihadismo parece hoje uma ameaça menor que no passado, isso se deve em boa parte ao êxito das políticas adotadas pelos governos ocidentais para combatê-lo. Depois de afundarem no pântano da guerra na Síria, os serviços de inteligência aprenderam com seus erros e tiveram êxito em desmantelar redes ligadas aos dois principais grupos terroristas, a al-Qaeda e seu rebento rebelde, o Estado Islâmico.

Enquanto Bin Laden era a liderança carismática, uma espécie de coração vital da al-Qaeda, Zawahiri era o cérebro, a mente que articulava a estratégia. “A al-Qaeda jamais teria sobrevivido sem a dinâmica que criaram juntos”, escreveu Lawrence Wright, autor de uma das principais obras sobre a rede terrorista. Depois de ampliá-la de 400 no 11 de Setembro aos atuais 4 mil integrantes, Zawahiri nos últimos anos tinha de lidar com o declínio da influência de um movimento que antes ditava a política externa do Ocidente para o Oriente Médio e países da Ásia.

Filho da elite egípcia com formação acadêmica sólida, médico e cirurgião competente, Zawahiri foi o mais bem-sucedido discípulo do maior ideólogo do jihadismo, o egípcio Sayyid al-Qutb. Criou sua primeira célula aos 15 anos e, com diferentes graus de envolvimento, tomou parte em dezenas de atentados — do assassinato do premiê egípcio Anuar Sadat aos ataques da al-Qaeda às embaixadas americanas no Quênia e na Tanzânia e ao porta-aviões USS Cole, no Iêmen, nos anos 1990 e 2000.

Seu perfil pragmático o levava a ter reservas diante de ações cinematográficas no Ocidente, como o 11 de Setembro. Apesar de apoiar os ataques ao “inimigo distante” na Europa ou nos Estados Unidos, Zawahiri preferia concentrar esforços no “inimigo próximo”, os regimes seculares ou “infiéis” que comandavam países do próprio Oriente Médio. As divergências de “método” o levaram à ruptura com o Estado Islâmico. Desde o retorno do Talibã ao poder no Afeganistão no ano passado, voltara a comandar a reestruturação da al-Qaeda de Cabul, onde, de acordo com o governo americano, foi atingido pelo ataque certeiro de um drone.

Sob Zawahiri, a al-Qaeda jamais voltou a ter o vulto que teve no passado, mas continua a representar um risco, sobretudo depois da retirada atabalhoada dos americanos do Afeganistão, onde os terroristas sempre mantiveram bases de treinamento. Os planos originais de domínio sobre o Oriente Médio, porém, fracassaram todos. As dificuldades das redes jihadistas para articular novos ataques só cresceram nos últimos anos, e a operação que alvejou Zawahiri é apenas a evidência mais recente disso. Trata-se de uma boa notícia não apenas para Biden.

STF deve julgar Lei de Improbidade retroativa em benefício dos réus

O Globo

Mesmo que implicação política seja desagradável, princípio tem de ser o mesmo consagrado no direito penal

Depois que a Lei de Improbidade foi suavizada no Congresso, políticos condenados correram à Justiça para tentar concorrer no pleito de outubro. Nem todos têm sido bem-sucedidos. Têm, no entanto, esperança no julgamento marcado para hoje no Supremo Tribunal Federal (STF), que decidirá se a lei aprovada e sancionada em outubro de 2021 poderá ser aplicada a casos anteriores a essa data.

Na reforma promovida no ano passado, a Lei de Improbidade saiu enfraquecida. No ponto mais importante, passou a considerar crimes apenas atos cometidos com dolo comprovado. Embora criticado, esse foi um avanço sobre a legislação anterior, muitas vezes usada para punir o que não passava de erros administrativos. Também houve recuo no campo da inelegibilidade: danos ao Erário punidos apenas com multa deixaram de ser razão suficiente para impedir um político de disputar eleições.

As mudanças que favorecem políticos vêm na esteira do recuo na Operação Lava-Jato e na onda de punições a corruptos. A começar pela anulação das condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que permitiu sua candidatura nas eleições deste ano. Os desdobramentos políticos da mudança de rumos se refletem no cancelamento de diversas condenações, de sentenças e na revisão de leis no Congresso.

Se o STF confirmar que a nova Lei de Improbidade poderá beneficiar os réus retroativamente, entre os beneficiários estarão pré-candidatos como o atual presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda (PL) ou o ex-governador do Rio Anthony Garotinho. Não se sabe como o Supremo tratará da questão. A depender do desfecho, o julgamento representará uma ajuda a políticos condenados por malversar o dinheiro do contribuinte, daí o repúdio unânime das organizações de combate à corrupção à retroatividade da nova lei.

Mas a Justiça não deve se pautar pelo clamor popular. No campo penal, já está pacificado que toda mudança legislativa tem de ser interpretada pelos tribunais em benefício dos réus — do contrário, um mesmo crime poderia ser punido de duas formas, dependendo da data em que tivesse sido cometido. De acordo com juristas, o mesmo entendimento, derivado de dois incisos do Artigo 5º da Constituição, deveria valer para casos do Direito Civil ou Administrativo, como os abertos com base na Lei de Improbidade. O correto, portanto, seria o Supremo avalizar o uso da nova lei para tratar de processos instaurados antes de 2021, com aplicação retroativa em benefício dos réus.

Por mais que várias mudanças na lei sejam criticáveis, não cabe ao STF corrigir os erros do Congresso, apenas aplicá-la, independentemente das implicações políticas. É fundamental entender também que a nova lei não revoga o combate à corrupção, mesmo que o Supremo reafirme a retroatividade em favor dos réus. Ministério Público, Coaf, CGU, TCU e todos os organismos de fiscalização e controle têm o dever de continuar atuando para zelar pelo bom uso do dinheiro público.

Economia argentina se arrasta de crise em crise

Valor Econômico

Inflação dispara e fuga de capitais se acelera

A economia argentina voltou a se desmanchar em nova e grave crise. Desta vez, não por influência direta ou indireta de um acordo com o Fundo Monetário Internacional - o acerto entre o Fundo e o governo argentino da dupla Alberto Fernández e Cristina Kirchner foi relativamente generoso. E, diferentemente de crises passadas, em que os peronistas saíam da crise vencendo eleições e demonizando governos liberais, é agora um governo peronista que, incapaz de executar boas políticas, coloca a Argentina mais uma vez perto do precipício.

A crise ganhou celeridade com a fuga de dólares - o dólar blue, paralelo, ao redor dos 300 pesos, é mais do que o dobro do câmbio oficial de 132 pesos - após a saída de Martín Guzmán do Ministério da Economia, poucos meses após ter assinado novo acordo com o FMI, em 25 de março. O acordo postergou o pagamento de US$ 45 bilhões da dívida com o Fundo para 2024 e é um dos principais motivos pelos quais não há volumoso débito externo a ser quitado a curto prazo, o que seria uma tragédia para um país que dispõe de pouco mais de US$ 2 bilhões de reservas.

Guzmán, que tinha a confiança do presidente Alberto Fernández, foi empurrado para fora do governo pela vice-presidente Cristina Kirchner, em mais um capítulo do trágico jogo paralisante em que os dois mandatários não se entendem e mal se falam. Cristina se opôs ao acordo com o FMI, ainda que ele seja mais flexível do que todos os outros feitos pela Argentina. Comedido nas exigências, ele prevê redução do déficit público moderada, mesmo assim algo tido como inaceitável pela vice-presidente.

A inflação voltou a castigar os argentinos - 64% em doze meses - e segue subindo. Boa parte dos analistas prevee algo como 90% no fim do ano. A alta dos preços é sempre seguida da fuga de dólares, de um cortejo de restrições a importações e a todo tipo de compra de divisas. Ao mesmo tempo em que anunciou a troca da breve ministra da Economia, Silvina Batakis, nomeada em 4 de julho, o Banco Central emitiu decreto elevando os juros em geral e também os dos financiamentos de gastos acima de US$ 200 com cartão de crédito no exterior.

Sinal inequívoco de agravamento da crise é a troca acelerada de ministros - e da maneira mais imprópria. Silvina, que não durou um mês na pasta, tinha acabado de garantir ao FMI em Washington que o acordo seria cumprido e que tinha apoio firme do governo para isso. Foi demitida após retornar a Buenos Aires. Para seu lugar foi nomeado Sergio Massa, líder da Frente Renovadora, que concorreu à Presidência, é dissidente dos kirchneristas, com os quais se recompôs depois e presidia a Câmara dos Deputados.

Dificilmente Massa conseguirá fazer algo transformador em um governo conflagrado, em que o presidente não tem mais força nem popularidade e aceita os ultimatos de Cristina. Alberto Fernández perde ainda mais do pouco poder que tinha, o que não significa que Massa terá melhor sorte. Vários ministérios serão reagrupados sob o guarda-chuva da Economia, mas isto já ocorreu outras vezes e quer dizer pouca coisa. A crise é política também: um governo eleito assina um acordo com o FMI com a vice-presidente do país se opondo por palavras e atos a ele e expulsando do gabinete o ministro que o negociou. O que fazer com o acordo, cujas metas serão descumpridas, é um dos grandes problemas à frente.

A Argentina segue financiando gastos com emissões e a meta acertada com o FMI já foi praticamente para o espaço em sete meses. Não há outra receita econômica visível a ser testada, fora a do acerto com o Fundo ou as maluquices de Cristina. Massa terá de fazer malabarismos para conduzir o país até as eleições de 2023, quando os peronistas deverão perder. Um detalhe é que Massa é presidenciável, assim como o filho de Cristina, Máximo, que renunciou ao comando da Câmara por se opor ao entendimento com o FMI - colocando-se como alternativa se o acordo fracassar.

Desde a crise de 2001 nenhum governo teve sorte em dotar a Argentina de uma moeda de verdade. Apostam a favor do dólar, ao primeiro sinal de descontrole inflacionário, tanto os investidores externos quanto os domésticos e a classe média. O corralito deu o exemplo final do que pode acontecer com o dinheiro que fica no país em crises extremas. Não ter de fazer desembolsos externos dá fôlego e tempo ao governo para tentar novo caminho. Mas as dissenções internas tornam essa tarefa mais difícil do que já é e não deixa espaço para otimismo.

 

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