O Estado de S. Paulo
Para nos superarmos no suceder dos dias,
como bem inspiram os ditames do ESG, é preciso combater o obscurantismo.
Toda crise gera desafios, sofrimento, mas
também oportunidades. Pandemia, convulsão climática, guerra na Ucrânia, extremismos
políticos, populismo crescente, obscurantismo, desarranjo das cadeias globais
de suprimento e ampliação das desigualdades sociais no mundo. Esses e tantos
outros eventos desconcertantes e com grave repercussão na vida cotidiana do
hoje e do amanhã podem e devem desencadear um movimento para a reinvenção
virtuosa da existência.
Desde os princípios do milênio, quando o
então secretário-geral da ONU Kofi Annan lançou o Pacto Global, segundo o qual
organizações alinhariam suas estratégias a dez princípios universais nas áreas
de direitos humanos, trabalho, meio ambiente e anticorrupção, temos à nossa
disposição um norte efetivo de ação com vistas à transformação.
Com o passar do tempo, esses princípios
moldaram o conceito ESG (ambiental, social e governança, em português). Aqui,
há uma simbiose de mudanças que se somam para produzir efeitos transformadores
não somente nas corporações, mas, especialmente, na cena socioeconômica e
político-cultural na qual elas se inserem.
Trata-se de interagir, responsavelmente, com o meio ambiente, de efetivar laços socioeconômicos com base na diversidade e na equidade e de executar sua missão organizacional com a ética de quem se sabe parte importante e referencial da sociedade. E, como ainda estamos muito distantes de realidade aceitável, que tal aproveitar esta fase de mudanças impositivas para progredirmos numa parte essencial que nos toca a todas e todos?
O Brasil é um país diverso, multiétnico.
Somos uma nação com 51% de mulheres, mais de 50% de pretos e pardos, mais de
800 mil indígenas, uma parcela de ao menos 10% de LGBTQIAP+ e 7% de pessoas com
deficiência. Está mais do que na hora de essa diversidade brasileira também se
refletir dentro das organizações.
Os ganhos são múltiplos. Segundo pesquisas
da McKinsey, empresas modernas e lucrativas estão avançando significativamente
nessa pauta, deixando as concorrentes para trás, já que para a consultoria há
relação direta entre o nível de inclusão e diversidade e o retorno financeiro.
Uma empresa que não tenha uma política em
prol da diversidade corre o risco de não atrair ou reter talentos.
A consultoria CKZ Diversidade explica que a
multiplicidade de talentos e de ideias é fundamental para um processo decisório
mais assertivo, uma vez que diferentes experiências contribuem para uma análise
mais abrangente. Ou seja, grupos mais diversos ampliam a capacidade de
compreender, se adaptar e responder às crescentes exigências do mercado e da
sociedade.
Em 2021, a Indústria Brasileira de Árvores
(Ibá) criou seu Comitê Diretor ESG. Foi, então, lançada uma ação setorial de
capacitação em diversidade e inclusão (D&I). Neste ano, já foram realizados
seis encontros, com a participação ao todo de cerca de mil profissionais do
setor, com o envolvimento direto, ativo e fomentador das lideranças das
empresas. Os temas dos sucessivos encontros foram gestão e planejamento, raça e
etnia, gênero, pessoas com deficiência (PCD), LGBTQIAP+ e etarismo, com suporte
de consultores e especialistas e trocas sobre casos práticos nas empresas.
Segundo dados do relatório anual da Ibá
(2021), 73% das empresas que responderam ao questionário atuam em iniciativas e
têm metas em D&I, sendo a maioria relacionada a gênero. O Panorama da Rede
Mulher Florestal indica que a presença feminina nas empresas vem evoluindo ano
a ano, passando de 13%, em 2020, para 19%, em 2021.
Evidentemente, ainda há um grande percurso
para atingir outro patamar nessa e em todas as áreas alcançadas pelo ESG. Por
isso, esta jornada sempre se inicia com o olhar interno, para os valores e a
cultura organizacional das empresas. Passa pela sensibilização, o engajamento e
apoio da liderança, para, a partir daí, avançar em boas práticas e compromissos
com os colaboradores e com a sociedade.
Sempre dialogando com o espírito do tempo,
é importante ressaltar que quaisquer avanços civilizatórios estão na
dependência direta da contingência democrática. Nesse sentido é que, a despeito
da diversidade de horizontes que se acolha, precisamos defender a democracia
como um valor inegociável da existência cidadã.
A democracia não é regime pronto e acabado,
devendo ser contemporânea de cada era de sua experiência, o que requer, entre
outros, atualizações ao seu exercício. Tampouco é perfeita, mas é o melhor já
produzido para organizar o exercício do poder em sociedades livres,
igualitárias e fraternas.
Para nos superarmos no suceder dos dias,
como bem inspiram os ditames do ESG, é preciso, pois, combater o obscurantismo.
Humanismo e totalitarismo não rimam na escritura da civilização. Assim, que
possamos ir além das divergências para fortalecermos a convergência contra
retrocessos, para nos tornarmos melhores do que temos sido até aqui.
*Economista, presidente-executivo da IBÁ,
membro do Conselho Consultivo do Renovabr, foi governador do Estado do Espírito
Santo (2003-2010/2015-2018)
Muito bom o artigo,o autor estava no centro do Roda Viva segunda feira.
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