O Globo
Colocar suspeição sobre as urnas
eletrônicas não é ponto de vista. É golpismo
O Brasil se tornou os Estados Unidos com
dois anos de atraso. Em 2016, Donald Trump se elegeu presidente nos EUA com uma
combinação de nacionalismo tosco (“Faça a América grande de novo”),
antipolítica (“Vamos drenar o pântano da corrupção em Washington”) e mentiras
(denúncias forjadas de um esquema de pedofilia envolvendo a cúpula do Partido
Democrata). Em 2018, Jair
Bolsonaro venceu mimetizando a fórmula do bufão americano. Em
2020, Trump perdeu a reeleição e instigou seus seguidores a tentar tomar o
poder à força. Dois anos depois, Bolsonaro ameaça um golpe preventivo cuja
justificativa é o medo de ter menos votos que o adversário. À diferença de
Trump, no entanto, Bolsonaro tem o apoio do Exército.
Saber o que o futuro reserva permite que as pessoas se preparem. Se for uma inundação, os moradores das regiões de risco devem deixar suas casas. Se for uma tempestade, os motoristas são avisados a evitar as ruas que alagam. Mas como uma sociedade se prepara contra a ameaça de contestação da vontade da maioria dos eleitores?
Primeiro, dando nome às coisas. Colocar
suspeição sobre as urnas eletrônicas não é ponto de vista. É golpismo.
Bolsonaro engaja seus seguidores contra a Justiça Eleitoral porque todas as
pesquisas mostram sua derrota no segundo turno. Desacreditar as urnas e
inventar uma conspiração entre os ministros do TSE e STF, a oposição e a mídia
é a tentativa de repetir o discurso antissistema que o ajudou em 2018. Desta
segunda vez, como farsa.
Chamar as coisas pelo nome é o primeiro
passo. O segundo é diferenciar quem acha que flores e ervas daninhas são a
mesma coisa. Lançada pela Faculdade de Direito da USP, a Carta às Brasileiras e
aos Brasileiros é uma linha divisória que não permite titubeio. É possível a um
torcedor do Botafogo estar indiferente a um Fla x Flu, assim como alguém pode
não se importar se um diz bolacha e outro diz biscoito. Mas não existe
neutralidade sobre a democracia. Constranger quem considera um estorvo o
respeito ao resultado das urnas é uma diferença civilizatória.
No último sábado, dia 30, na convenção do
partido Republicanos, Bolsonaro anunciou que o tradicional desfile militar na
Avenida Presidente Vargas, Centro do Rio, na manhã do Dia da Independência,
será transferido para a tarde, em frente ao Forte de Copacabana, onde ele
pretende discursar contra a Justiça Eleitoral.
— Às 16h do dia 7 de setembro, pela
primeira vez, as nossas Forças Armadas e as nossas irmãs, forças auxiliares,
estarão desfilando na Praia de Copacabana, ao lado do nosso povo — anunciou.
Mesclar militares com militantes é o sonho
dourado do bolsonarismo. Simbolizaria a fusão das vontades do soldado e do
cidadão, ilusão que alimentou quarteladas e golpes por todo o século XX.
No ano passado, Bolsonaro sequestrou as
comemorações do Dia da Independência para ameaçar ministros do STF e do TSE.
Por pouco, seus seguidores não invadiram o prédio do STF. Um ano depois, sob
risco real de ser defenestrado do Palácio do Planalto, o grau de virulência e
intimidação bolsonarista aumentou. Levar soldados armados para o que, na
prática, será um comício pela reeleição é dar aos bolsonaristas a sensação de
estar acima da lei, e ao Exército a de estar à margem dela.
Para evitar que o 7 de Setembro de
Bolsonaro vire uma versão tropical do 6 de Janeiro de Trump, é preciso deixar
claras desde já as punições a quem tentar um golpe de Estado. Nos EUA, quase
200 invasores do Capitólio foram condenados pela tentativa de melar a eleição
de 2020, e as investigações em curso ainda podem impedir a tentativa de Trump
de retornar à Casa Branca.
No Brasil, a linha entre a defesa legítima
de uma candidatura e o atentado à vontade popular precisa ser delimitada.
Bolsonaro faz a retórica pública de levar a eleição na marra porque, até agora,
ninguém o ameaçou de volta. É hora de a sociedade, a Justiça e os políticos que
acreditam na democracia afirmarem em voz alta que não haverá anistia para quem
atentar contra a democracia.
*Thomas Traumann é jornalista e pesquisador da FGV/DAPP
Todos em cana,simples assim.
ResponderExcluirE dizer que cana não é caninha,rs.
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