terça-feira, 2 de agosto de 2022

Carlos Andreazza - Acordos e chantagens

O Globo

Os acordos de Brasília. A gente escuta sobre o que tratariam e parece difícil de acreditar. Mas todo o “difícil de acreditar” deve ser relativizado ante a existência — foi notícia — de ministros do STF em peleja pública para que suas influências políticas prevaleçam. No caso, para que o indicado de Jair Bolsonaro ao STJ fosse o afilhado de um em detrimento do de outro.

Fala-se mesmo que um teria ameaçado retirar o apoio ao presidente da República. Refiro-me a um ministro do Supremo; que ameaçava não mais apoiar o chefe de Estado caso o escolhido fosse o desafeto apadrinhado por outro ministro do STF. Temos: ministro de Corte constitucional que apoia presidente da República; e ameaça lhe retirar apoio.

Afinal, levou o que queria.

Não deixa de ser façanha, ainda que alcançada via chantagem. Bolsonaro é um traidor contumaz. Mas precisava — precisa — daquele supremo apoio. Precisa muito mais de confrontos.

Escrevo isso a propósito de uma ideia de acordo ventilada nos últimos dias. A plantação segundo a qual os civis do Planalto, os supostos moderados, trabalhariam para convencer o TSE, a partir da futura presidência de Alexandre de Moraes, a aceitar conjunto de propostas do Ministério da Defesa para as urnas eletrônicas.

É furada. Armadilha. A História ensina. Vide o episódio, movido a boa-fé, por meio do qual o tribunal convidou os militares a participar da tal comissão de transparência. Ofereceu espaço, abriu a casa, e os infiltrados de Bolsonaro, legitimados à mesa, logo subiram na cama, de coturno, desde onde — desde dentro — aumentaram o volume dos ataques à credibilidade do sistema eleitoral.

Não pode haver nenhum acordo. Porque, em termos conceituais, havendo ainda alguma República, juízes não fazem acordos com agentes políticos. E porque, em termos objetivos, havendo Brasília, já existem elementos suficientes para saber que em Bolsonaro não se confia.

Não é de hoje que os que fazem acordo com Bolsonaro servem a um teatro de traição em que — mui bem alimentados — aceitam o papel de traídos. Arthur Lira nunca foi traído. O Congresso rejeitou, soberanamente, o projeto para votação impressa. Naquela ocasião, o presidente garantiu que, derrotada a PEC, desistiria da pregação contra a urna eletrônica. Não desistiu. De lá para cá, acirrou a agressividade. E o que houve? A sociedade entre Bolsonaro e Lira, lavrada na forma do orçamento secreto, só se aperfeiçoou. (Traído foi o Parlamento.)

Não existem moderados a serviço de Bolsonaro. Nem militares nem civis. Ou se é moderado, ou se tem poder.

Quem faz acordo com Bolsonaro ou é trouxa, e será emboscado, ou é Lira. (Não há trouxas.) Ou trouxa, ou oportunista radical. Já escrevi e repito: oportunistas radicais se adaptam. Sob o bolsonarismo, para o amplo exercício do oportunismo, será preciso radicalizar. Oportunistas radicais se radicalizam. Ciro Nogueira, por exemplo. Seria o amortecedor. Hoje — mais poderoso que nunca — aplaude o presidente chamando ministros do Supremo de “surdos de capa preta” e convocando novo 7 de Setembro. Virou mola de autocrata. Um oportunista radical que se radicalizou em nome dos negócios, sócio de Bolsonaro, gestor do orçamento secreto, senhor da Codevasf e do FNDE.

Não à toa, atenção, a proposta de acordo, que seria negociada por esses moderados com Moraes, vale-se da projeção do 7 de Setembro e tem por corpo a chantagem. O TSE cederia, incorporaria as demandas das Forças Armadas, em troca de os eventos bolsonaristas no Dia da Independência transcorrerem sem novos ataques ao STF e às instituições republicanas.

Chantagem.

Outrora dedicado servidor parlamentar de Dilma Rousseff, a quem chamava de presidenta, o ora radicalizado Fábio Faria, ministro das Comunicações, deu a letra em entrevista ao GLOBO, em 28 de julho. Questionado sobre os ataques de Bolsonaro a ministros do Supremo e ao sistema eleitoral, disse:

— Vai ter uma solução aí no próximo mês.

Referia-se ao acordo. Declarou crer “em uma solução pacífica”, a ser promovida por “discussão entre o presidente do TSE e o presidente da República”. Moraes e Bolsonaro. Que tal?

Mais adiante, questionado sobre o presidente haver convocado apoiadores às ruas pela “última vez”, deu a senha:

— No 7 de Setembro, se tiver tudo solucionado, o que é que tem as pessoas irem às ruas de verde e amarelo?

Se estiver tudo solucionado. Né? O que significará, na gramática populista, estar tudo solucionado? E se não estiver? Sabemos que não estará; ou não existiria bolsonarismo, cuja competitividade depende do conflito. É convite a armadilha.

Faria desenha:

— O presidente se elegeu pela democracia. Ele quer mais transparência. Esse assunto está sendo tratado. Não acredito que vá passar de agosto. Não acredito que a gente vai ter um 7 de Setembro sem isso resolvido.

É convite transparente a armadilha por meio de chantagem. Ofereça a mão — e perca a cabeça.

 

2 comentários:

  1. Anônimo2/8/22 13:28

    O Caiado, governador de Goiás que o diga, estava alardeando como galinha que acaba de botar um ovo que o Estado estava com superávit, desses que ninguém sabe se é propaganda governamental, ou, de fato. O presidente limpou o cofre com a história do ICM matando a galinha de ouro e ele, coitado, deve ter engolido o sapo, que não era barbudo. Quem mandou ser simplório e bobão.

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  2. Não tem nada 'a ser resolvido'',é chantagem pura.

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