sexta-feira, 12 de agosto de 2022

Vera Magalhães - O que esperar do pós-11 de agosto?

O Globo

Bolsonaro não parece ter ouvido o recado, dada sua insistência em menosprezar textos e atos tão plurais

O ato em defesa da democracia realizado na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, que se desdobrou em manifestações congêneres por universidades Brasil afora, mostrou o vigor da sociedade civil, sobre o qual pairava uma sombra de dúvida, dada a apatia diante de muitos avanços sobre as instituições republicanas.

A notícia relevante do 11 de Agosto é que essa sociedade demonstrou muito mais apreço e disposição de lutar pela manutenção do Estado Democrático de Direito do que muitos dos ocupantes de cargos públicos cuja função é justamente essa.

E agora? O que esse pacto intergeracional de muitos setores da vida nacional terá como desdobramento prático, num momento em que se aproximam não apenas as eleições, mas também manifestações de natureza oposta, marcadas oportunisticamente para o 7 de Setembro, data do Bicentenário da Independência do Brasil?

Dificilmente Jair Bolsonaro, motor da maioria dos ataques e das maquinações contra o sistema eleitoral brasileiro, e, por conseguinte, contra a própria democracia, recuará da disposição de conclamar seu povo para a guerra daqui a menos de um mês.

O que poderá refluir a partir do que se viu espalhado pelo Brasil nesta quinta-feira é a disposição de outros atores de seguir com o presidente nessa marcha batida de insensatez contra a normalidade e a segurança das eleições e do próprio feriado nacional.

Os militares, sempre eles, são a variável mais importante e mais difícil de ler nessa equação. Colocadas por Bolsonaro como bucha de canhão de sua guerra contra o Judiciário, as Forças Armadas são, por natureza, uma corporação fechada ao escrutínio da imprensa e da sociedade que foi às ruas no 11 de Agosto.

Ao mesmo tempo que há sinais de entendimento das três Forças quanto ao desatino que seria dar guarida a tentativas de Bolsonaro de tentar tumultuar as eleições conforme o roteiro estabelecido pela Justiça Eleitoral — com ameaças que vão desde o questionamento da realização do pleito até o não acolhimento do resultado —, há momento em que elas condescendem com o papel de coadjuvante nesse teatro.

A face visível dessa ambiguidade é o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira. Os generais, almirantes e brigadeiros que não estão tão expostos no noticiário serão os que definirão para que lado tenderá o pêndulo quando e se as Forças Armadas forem chamadas a participar de algum questionamento formal ao processo eleitoral.

No “ensaio” para testar os limites sobre os quais grupos de apoiadores do presidente estão dispostos a avançar, representado pelo sequestro da Independência, os militares pisaram no freio. Não fizeram coro à proposta do presidente de alterar o local dos festejos da Avenida Presidente Vargas para a orla de Copacabana. Importante: não foi Bolsonaro que “desistiu”.

Foi o prefeito Eduardo Paes que, demonstrando coragem e responsabilidade, colocou o pé na porta e disse que nada mudaria. E os militares que, pelo silêncio, deixaram o presidente berrando sozinho.

Bolsonaro funciona assim: testa a temperatura da água antes de pular. Até aqui, as autoridades e até a sociedade haviam tratado de deixar a piscina morninha para ele se espalhar. Neste 11 de Agosto, a cidadania disse: não mais!

O presidente terá de ganhar no voto se quiser continuar no poder. Caso contrário, terá de respeitar o resultado das urnas eletrônicas, seguras e confiáveis, patrimônio da nossa democracia, tão duramente reconquistada.

Bolsonaro não parece ter ouvido o recado, dada sua insistência em menosprezar textos e atos tão plurais. A maior dúvida é se os militares e o entorno do presidente entenderam — ou se continuarão a seu lado enquanto ele atenta todo dia contra a estabilidade republicana.

 

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