sábado, 17 de setembro de 2022

Ascânio Seleme - Eles insultam, agridem e matam jornalistas

O Globo

Bolsonaro, que não esconde sua admiração por déspotas como Putin e MSB, acha que pode repetir aqui os métodos russos e sauditas com agressões como a que fez a Vera Magalhães

Há 20 anos, o jornalista Tim Lopes, da TV Globo, foi sequestrado, torturado, morto e carbonizado no alto do morro da Vila Cruzeiro, no bairro da Penha, Rio de Janeiro, por traficantes liderados por um bandido inescrupuloso chamado Elias Maluco. Poucos anos depois, uma repórter do GLOBO foi perseguida e ameaçada de morte por milicianos da Zona Oeste. O assédio e as ameaças foram de tal ordem que a jornalista teve que sair de casa com marido e filho, deixar o Rio e, por um ano, viver exilada em outro estado. Foi a única forma encontrada para preservar a sua vida e a de seus familiares.

Tanto Tim Lopes quanto a repórter do GLOBO, que depois voltou ao Rio e reassumiu suas atividades, foram objeto da ira de pessoas ameaçadas pelo trabalho de ambos. Tim filmava com câmera escondida a ação dos traficantes nas ruas da Penha. A repórter que se exilou cobriu exaustivamente a CPI da Milícias, a mesma que resultou na escolta permanente que o então deputado estadual Marcelo Freixo, presidente da comissão, passou a usar desde aquela época.

Os dois jornalistas simplesmente cumpriam com rigor o seu trabalho. Da mesma forma que Vera Magalhães cumpre com o seu. Em diversos outros pontos do Brasil, jornalistas são xingados, perseguidos, agredidos e mortos por grileiros, garimpeiros, madeireiros ilegais e diversos outros tipos de criminosos que não querem ser denunciados. Jornalistas são também vítimas de políticos de pequena estatura flagrados com a mão da botija pública no interior do país. O episódio envolvendo Vera inaugura um novo tipo de assédio a repórteres. Saem da equação os pés de chinelo e entra o presidente da República.

Todos sabem que foi Jair Bolsonaro que deu início aos ataques a Vera quando, durante o debate da Band, disse que ela era “uma vergonha para o jornalismo brasileiro” (um parêntese aqui: Bolsonaro não entende nada de jornalismo e de jornalistas; Vera é uma dos melhores quadros da imprensa nacional). A frase do presidente viralizou nas redes, foi reproduzida no alto de um guindaste no 7 de Setembro de Copacabana, ao lado da foto da jornalista, e transformou-se em assédio direto feito pelo deputado Douglas Garcia.

Jornalistas são sistematicamente objeto da ira de pessoas ou grupos com interesses contrariados, não se trata propriamente de uma novidade. Nas jornadas de 2013 e nas manifestações a favor e contra o impeachment de Dilma Rousseff, jornalistas tinham que trabalhar com coletes e capacetes, como se estivessem cobrindo uma guerra. Mesmo assim, um de nós (o repórter cinematográfico Santiago Andrade) foi morto por um rojão disparado à queima-roupa por dois manifestantes. A diferença agora, é que o ataque foi individualizado. Não que o trabalho dos repórteres seja fácil e seguro nesta campanha, mas agora o presidente resolveu personalizar seu ataque.

Bolsonaro agiu como um dublê menor e ridículo de Vladimir Putin. Na Rússia, jornalistas são agredidos, violentados, calados, censurados e mortos por criticarem o governo. Um único jornal, o Novaya Gazeta, teve seis mortos em 20 anos. Em pouco mais de duas décadas, período em que Putin está no comando, 58 jornalistas russos foram assassinados brutalmente pelo regime. Bolsonaro não é Putin e jamais reunirá tanto poder.

O Brasil tampouco é uma autocracia familiar como a Arábia Saudita. Lá, o príncipe herdeiro e dono de todo o poder local, Mohammed bin Salman (MSB), mandou assassinar e esquartejar o jornalista Jamal Khashoggi, dentro de um consulado saudita na Turquia. O pecado de Jamal foi o de criticar com veemência MSB. Na Arábia Saudita, os poucos repórteres independentes que ainda restam são sistematicamente perseguidos, presos, torturados e eventualmente mortos pelo regime.

O inescrupuloso presidente brasileiro, que não esconde sua admiração por déspotas como Putin e MSB, acha que pode repetir aqui os métodos russos e sauditas com agressões como a que fez a Vera Magalhães. Não pode. O homem que diariamente fala em liberdade não entende direito o significado desta palavra. Se entendesse, jamais incentivaria o ódio contra jornalistas, os porta-vozes da liberdade.

Corrida por verba

A inversão de valores produzida pelo Orçamento Secreto é tamanha que esta semana um jornal publicou o seguinte título para uma nota inusitada: “Ministérios correm ao Congresso para recompor cortes no Orçamento de 23”. Pode? Claro, agora é obrigatório. O curioso é que os cortes que os ministros querem agora recuperar foram feitos pela Casa Civil, de Ciro Nogueira, líder do Centrão destacado para operar no Palácio. Significa o seguinte: o Centrão corta e depois o Centrão recompõe, com as recompensas de sempre.

Jogo sujo

A campanha de Bolsonaro agora tenta afastar os católicos de Lula. Mentiras em série espalhadas nas redes sociais dizem que Lula vai perseguir padres e bispos como fazem todos os comunistas. A presença do PT é tão sólida na Igreja Católica, com amplo apoio de todas as comunidades eclesiais, que a nova fake bolsonarista parece piada.

Com Ipsilone

Depois do Kassio com K, que não gosta do nome e pediu para ser chamado apenas pelo sobrenome Nunes Marques no STF, eis que surge uma mulher que não se toca nestas coisas. A candidata do União Brasil, Soraya Thronicke, faz campanha na TV salientando sempre que seu nome é Soraya com ipsilone. Puro apego à letra exótica, porque isso não faz a menor diferença para o eleitor na hora de digitar seu voto.

Mais um

Em quatro meses, três líderes indígenas Guarani-Kaiowá foram assassinados em Amambaí, no Mato Grosso do Sul. Uma quarta pessoa da mesma etnia foi morta neste período, mas a “eficiente” polícia local já disse que esta foi vítima de crime passional. Trata-se de uma menina de 13 anos que teria sido assassinada por um rapaz de 17 anos. As outras vítimas são parte de novos casos insolúveis por absoluta incompetência ou desinteresse policial. Ou alguém aqui acha que é muito difícil identificar assassinos que operam em série numa cidade de 39.826 moradores? Amambaí tem pouco mais de cem ruas, 12.228 domicílios, nove escolas municipais, seis estaduais e sete creches, dois hospitais privados e sete postos de saúde, uma delegacia, 350 mil bois, 44 mil porcos e 70 mil hectares cultivados. A população de Amambaí é menor do que a de Ipanema.

Muito tarde

Tem quem compre, mas esta profusão de pedidos de desculpas e manifestações de indignação contra o mastodonte que agrediu Vera Magalhães não convence. De repente, até o zerinho deputado virou gente boa. Fala sério. E uma frase do candidato Tarcísio de Freitas é risível. Ele disse: “Esse tipo de gente não merece estar do nosso lado”. Fosse sincero, Tarcísio teria de se afastar de Bolsonaro, autor da frase repetida por Douglas Garcia e o primeiro a agredir verbalmente a jornalista. Mas claro que não vai fazer isso, ele ainda sonha com uma vaga no segundo turno e acha que o capitão pode ajudar.

‘Ajudadora'

Esse tipo de gente que Tarcísio finge criticar é por essência misógina. Desse grupo faz parte Michelle Bolsonaro, que esta semana disse que “mulher é ‘ajudadora’ do esposo”. Segundo o Aurélio, “ajudador” é aquele benzedor chamado em casas do sertão brasileiro para assistir a um moribundo. Ele ajuda, com rezas e incensos a “salvar” a alma do enfermo prestes a morrer.

Preocupado com o circo

Jair Bolsonaro está preocupado com o desempenho de Ciro Gomes, estacionado nas pesquisas e que pode ainda desidratar. A campanha do presidente, que vê num hipotético esvaziamento do pedetista uma alavanca para Lula ganhar no primeiro turno, estuda como pode ajudar a segurar os eleitores com o candidato trabalhista. Alguns ministros já começaram a elogiar publicamente o adversário. Fábio Farias usou as redes sociais para incensar Ciro. Difícil dizer se este tipo de apoio ajuda ou atrapalha ainda mais.

Ciro preocupado

De seu lado, Ciro quer no mínimo manter os índices atuais, sonha chegar a 10%, mas morre de medo de ser ultrapassado por Simone. Essa mistura de sentimentos é a que embala sua ambição de assumir o protagonismo do antilulismo em 2026. Seu cálculo é simples. Derrotado, Bolsonaro derrete e se pretender voltar terá garantido ao seu lado apenas os radicais da extrema-direita. Caberá então a ele, Ciro, buscar o espectro que vai do centro à direita. Por isso, desce o pau em Lula.

Cabeça desencaixada

O inacreditável Paulo Guedes saiu-se com essa ao explicar que o governo pode reverter o corte de gastos com remédios para os mais pobres: “É só um desencaixe temporário”. Significa mais ou menos dizer “deixe de tomar seu medicamento temporariamente, depois a gente resolve”.

3 comentários:

  1. Burro e detestável Paulo Guedes, destoa de tudo que é decente. Cúmplice do Bolsonaro na adoração a torturadores.

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  2. O bolsonarismo é uma quadrilha de violentos criminosos e milicianos, comandados por um genocida que mente compulsivamente. Seu método é a mentira e a violência, verbal e física.

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