Valor Econômico
Dilma ignorou capital político da reeleição
No Brasil, a lua de mel de presidentes
eleitos com os eleitores e a classe política, inclusive, com os partidos
aliados que apoiaram sua chegada ao poder, dura muito pouco tempo, em geral,
apenas 12 meses. No segundo ano do mandato, há eleições municipais, e estas,
embora intrinsecamente ligadas a questões locais, funcionam como um teste de
popularidade e força política do primeiro mandatário. Ademais, a escolha do
prefeito de São Paulo, terceiro orçamento do país, menor somente que o da União
e o do governo paulista, tem sempre repercussão nacional.
Todos os presidentes eleitos desde o retorno da eleição direta, em 1989, usaram o primeiro ano de mandato para propor, ao Congresso Nacional, agenda de mudanças institucionais. A única exceção foi Dilma Rousseff, em seu segundo mandato (2015-2016) - no início do primeiro (2010-2014), a presidente, a menos ambiciosa em termos de propostas, encaminhou a regulamentação da reforma da Previdência aprovada em 2003, igualando as regras de aposentadoria entre funcionários públicos contratados a partir dali e as do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), que regem a previdência dos trabalhadores do setor privado, e iniciou a privatização dos aeroportos.
O capital político do cidadão escolhido por
milhões de eleitores para subir a rampa do Palácio do Planalto é enorme, o
suficiente para aprovar medidas, especialmente, alterações na Constituição
Federal. O Congresso, é bom lembrar, não contraria a vontade majoritária do
povo. A experiência da redemocratização brasileira - desde 1985 - mostra que o
parlamento não é, ao contrário do que se propugna em alguns setores da
sociedade, obstáculo à aprovação de agendas trazidas pelos presidentes eleitos.
Fernando Collor, no primeiro dia de mandato
(15 de março de 1990), confiscou os depósitos bancários (à vista, a prazo,
inclusive, a poupança) e a decisão foi aprovada na sequência pelo Poder
Legislativo. Itamar Franco, seu sucessor após o impeachment em setembro de 1992,
obteve dos congressistas tudo o que quis para viabilizar o lançamento, em julho
de 1994, do Plano Real, o programa que, finalmente, estabilizou os preços na
economia brasileira depois de quase três décadas de inflação crônica,
superinflação e hiperinflação.
Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e 1999-2002) aprovou, no Congresso, as emendas constitucionais que extinguiram os monopólios estatais das áreas de exploração de petróleo e da prestação de serviços de energia e telecomunicações. Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006 e 2007-2010), conforme mencionado, sucedeu ao convencer o parlamento a aprovar a segunda reforma da previdência em cinco anos _ a primeira passou, em 1998, último ano do primeiro mandato de FHC.
A democracia brasileira revela que mesmo
vice-presidentes possuem capital político quando assumem o cargo. Itamar e
Michel Temer comandaram o país porque os eleitos foram afastados pelo Congresso
em processos de impeachment. Itamar montou uma coalizão, da qual participaram
praticamente todos os partidos, para assegurar estabilidade política ao país
até a eleição seguinte, em 1994. Temer assumiu o país em meio a uma profunda
crise econômica e política, provocada pelo próprio governo.
Eleito vice-presidente de Dilma Rousseff em
2010 e em 2014, Temer não era conhecido dos eleitores. O último pleito que
vencera foi o deputado federal, em 2006, pelo PMDB de São Paulo. É um político
de grande prestígio entre os parlamentares. Presidiu a Câmara em três
oportunidades. Quando rompeu com a presidente Dilma, em agosto de 2015, e, dois
meses depois, lançou o documento "Ponte para o Futuro", ficou claro
que estava se apresentando à sociedade como alternativa para a hipótese, ainda
frágil na ocasião, de a petista perder o mandato por impeachment. É
indiscutível que, no primeiro mandato, a presidente, ao mudar de forma
inexplicável a política econômica que herdou de Lula, e que em última instância
foi a responsável por elegê-la presidente da República no pleito de 2010,
plantou as sementes da profunda e longa recessão que se abateu sobre a economia
entre 2014 e 2016.
Para enfrentar os problemas criados pela
Nova Matriz Econômica (NME), como ficou conhecido o conjunto de mudanças posto
em prática entre 2011 e 2013, Dilma adotou uma série de medidas de caráter
populista.
Em 2014, Dilma é reeleita. Isto significa
dizer que os eleitores aprovaram sua gestão? No Brasil, muitos costumam culpar
o povo pelos erros cometidos por políticos eleitos. Parte-se do pressuposto,
equivocado, de que brasileiro não sabe votar. Ora, a maioria dos eleitores
votou em Dilma em 2010 porque Lula, responsável por indicá-la à sucessão, tinha
85% de popularidade, era, portanto, o cabo eleitoral decisivo daquele pleito.
Em 2014, a maioria dos eleitores decidiram manter Dilma no poder - lembremo-nos:
a recessão só se iniciou naquele ano; seus piores efeitos sobre a vida das
pessoas ainda estavam por vir.
E o que Dilma fez em 2015, primeiro ano do
novo mandato? Nomeou o economista liberal Joaquim Levy para promover profundo
ajuste na economia, de forma a lidar com as consequências negativas provocadas
pela NME. Seu novo termo tornou-se uma espécie de ajuste, e isso criou em seus
eleitores o pior dos sentimentos: o de que foram enganados, o de que a
presidente fez "estelionato eleitoral".
Para piorar, em vez de aproveitar o
renovado capital político para propor uma agenda ao Congresso - ou estava tudo
certo e o Brasil não necessitava mais de mudanças institucionais? -, Dilma
optou por digladiar-se com o então eleito presidente da Câmara, Eduardo Cunha,
um de seus aliados no Congresso. O resultado da ópera-bufa é conhecido.
Temer, mesmo sem ter recebidos votos
diretamente do povo, assumiu em maio de 2016 o lugar de Dilma com capital
político suficiente para desfazer, por meio do Congresso, uma série de decisões
tomadas pela antecessora e retomar a agenda de reformas institucionais.
Eleito em 2018, o polêmico Jair Bolsonaro
não fugiu à regra ao usar o primeiro ano de mandato para propor ao Congresso a
terceira reforma da previdência em 20 anos, a mais impopular de todas. E o
Parlamento a aprovou.
*Cristiano Romero é diretor-adjunto de redação
Esclarecedor o artigo.
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