Valor Econômico
Governo quer mandato fixo para os ministros
do STF
Reeleito presidente da República, Jair
Bolsonaro (PL) pretende promover profundas mudanças na Constituição.
Sabe-se, no Palácio do Planalto e
adjacências, que este não é um plano de fácil execução, o qual inevitavelmente
será questionado e objeto de polêmica. Por isso existe, inclusive, a discussão
se o ideal seria realizar uma reforma constitucional por meio de emendas à
Carta ou se o melhor caminho é o de uma assembleia constituinte. O que é dado
como certo, porém, é que a iniciativa poderia propiciar uma reformatação das
relações entre os Poderes.
É a chave para entender o que Bolsonaro
quer dizer quando declara que vai aproveitar a força política obtida nas urnas,
caso vença o pleito presidencial de outubro, para empurrar o Supremo Tribunal
Federal (STF) em direção ao que considera ser as “quatro linhas” definidas para
o Poder Judiciário pela Constituição.
No ato promovido em Brasília no último Dia da Independência, por exemplo, Bolsonaro fez um discurso mais brando em relação ao que proferiu no mesmo dia de 2021. Disse que sempre pede coragem para tomar decisões, e completou: “Com uma reeleição, traremos para estas quatro linhas todos aqueles que ousam ficar fora delas”.
Uma semana depois, retomou o assunto
durante comício em Presidente Prudente (SP). “Esperem acabar as eleições, todos
vão jogar dentro das quatros linhas da Constituição”, bradou Bolsonaro para
delírio de apoiadores, sem explicitar quais eram os destinatários da mensagem.
“Vamos trazer esta minoria que pensa que pode muito para dentro das quatro
linhas.”
Em público, mais o presidente não diz.
Talvez para não criar polêmicas às vésperas das eleições.
A portas fechadas, no entanto,
interlocutores do chefe do Poder Executivo têm clareza em relação ao plano que
pode ser colocado em ação. Para eles, a atual Constituição reflete a visão de
mundo de uma geração de juristas e representantes da sociedade que, diante de
exageros cometidos durante o período autoritário, buscou ampliar as garantias
do cidadão num texto que também acabou ficando desequilibrado. Mas para o outro
lado.
Promulgada em 5 de outubro de 1988, a atual
Carta Magna ficou conhecida como “Constituição Cidadã” justamente por ter entre
seus fundamentos o objetivo de dar maior liberdade e assegurar mais direitos
individuais ao cidadão, reduzidos durante a ditadura militar. Ela proveu com
mais estrutura o Judiciário e criou instrumentos para os profissionais do
Direito, ampliou o alcance da legislação trabalhista e tentou dar nova dinâmica
às relações econômicas.
Ela resultou dos trabalhos de uma assembleia
constituinte, assim como outras três das sete Constituições brasileiras. Antes,
o Brasil teve as Cartas de 1824, 1891, 1934, 1937, 1946 e a de 1967. Esta
última, aliás, passou pelo Congresso por exigência do regime militar. Entre as
demais, uma foi imposta na época do Império, a de 1824, e a de 1937 instituída
à força por Getúlio Vargas.
Juristas apontam que as nuances entre os
textos acabam por refletir a alternância entre regimes fechados e os mais
democráticos da história recente do Brasil. E, no caso da Carta de 1988, uma
das críticas vindas do Executivo é de que ela sobrecarregou demais o Estado.
Promover um reequilíbrio seria apenas parte
de um todo. O ponto crucial seria reduzir algumas prerrogativas dos ministros
do Supremo Tribunal Federal.
Hoje, os membros do STF podem ser
escolhidos entre os cidadãos com mais de 35 anos, de notável saber jurídico e
reputação ilibada, e eles se aposentam compulsoriamente quando completam 75
anos de idade. Isso, na visão de integrantes do governo, provoca uma distorção
no relacionamento entre alguém que se vê como parte permanente das estruturas
da República e aqueles que têm uma passagem mais transitória pela Praça dos
Três Poderes. A ideia, portanto, é estabelecer um mandato fixo para os
ministros do Supremo: um prazo considerado é dez anos.
Essa é uma discussão antiga. Nesta
terça-feira, em evento promovido pelo Valor e o jornal “O Globo”, o ex-presidente
Michel Temer contou que debate semelhante ocorreu durante a última assembleia
constituinte. “Quando fui constituinte, fui para a subcomissão de Ministério
Público, da Magistratura e da Advocacia. Lá trabalhei muito nesses temas e
propus até uma fórmula que seria primeiro deixar para o Supremo apenas a
solução dos problemas constitucionais. Só interpretação da Constituição. Em
segundo lugar, seriam três [ministros] indicados pelo Legislativo, três pelo
Judiciário e três pelo Executivo. E com mandato de até 12 anos”, contou o
emedebista, durante sua participação no seminário “E Agora, Brasil?”. “Mas,
isso não prevaleceu naquela época. Minha emenda não prosperou e, de vez em
quando, se fala nisso. Mas acho muito difícil mudar isso”, acrescentou.
Diversas propostas de emenda constitucional
buscaram fazer o mesmo. Parlamentares que as apresentaram argumentam que, em outros
países, os integrantes da Suprema Corte não possuem cargos vitalícios e a
mudança nas regras daria mais vitalidade ao sistema de pesos e contrapesos.
Até agora, todavia, nunca tiveram sucesso
numa empreitada que parece ultrapassar as barreiras partidárias e ideológicas.
Nos últimos anos, alas do PT também
advogaram a convocação de uma nova assembleia constituinte. E sempre que o
fizeram foram indagados sobre os reais objetivos da proposta, uma vez que até
eles mesmos reconhecem que as constituintes normalmente ocorrem quando há uma
ruptura institucional. Afinal, na visão de alguns aliados do ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, só dessa forma seria possível realizar as reformas
política e tributária, assim como alterar o artigo 142 da Constituição Federal
- trecho que trata das atribuições e da atuação das Forças Armadas. Os mesmos
questionamentos devem ser direcionados, agora, para Bolsonaro e seus
apoiadores.
A reeleição de Bolsonaro,portanto,é um perigo para o regime democrático.
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