O Estado de S. Paulo
O processo de redemocratização do Brasil
ganha uma nova chance. Mas precisaremos de mudanças para aproveitá-la.
No momento em que a extrema direita está
prestes a deixar o governo no Brasil, a italiana acaba de vencer as eleições.
No caso deles, é a primeira vez desde a 2.ª Guerra Mundial.
Enquanto os italianos têm de discutir como
lidar com essa forca política, aqui, no Brasil, o debate ainda incipiente é
como evitar que retorne com sua política de armar a população, destruir os
recursos naturais, esvaziar a produção científica e cultural e isolar o País no
mundo.
Nos primeiros passos para abordar o
fenômeno, tenho acentuado que o dínamo do crescimento da extrema direita
europeia não está presente no Brasil: o medo diante dos movimentos migratórios.
Umberto Eco, no seu pequeno livro Migração e intolerância, fala das dificuldades dos animais e mesmo das crianças de conviverem com o diferente. Tive a oportunidade de assistir, nas praias italianas, à chegada maciça dos albaneses, quando ruiu o império soviético, no final do século 20. Eco menciona essa presença albanesa para registrar que alguns desses imigrantes se perderam para o crime e a prostituição. Mas esse fenômeno pontual acabou sendo visto por alguns como típico dos imigrantes. Ele mesmo exemplifica essa distorção com o exemplo de alguém que tem a mala roubada num outro país e acha que ali todos são ladrões.
Suas conclusões são bem realistas: educar
para a tolerância adultos que atiram por motivos étnicos e religiosos é tempo
perdido; a intolerância deve ser combatida por meio de educação constante, antes
que se torne uma casca comportamental espessa e dura demais.
Naturalmente, em países como o Brasil e a
Itália, onde aconteceram as famosas Operações Mãos Limpas e Lava Jato, a
decadência do processo democrático se torna um grande impulso para a ascensão
da extrema direita. As pessoas parecem se cansar do jogo político, perdendo o
que resta de esperança nele.
São, portanto, dois movimentos a
investigar: a vulnerabilidade democrática de um lado e os mecanismos de
intolerância latentes na psicologia humana.
Mesmo sem fluxos migratórios, a extrema
direita brasileira conseguiu produzir seus inimigos. Ela tem um grande apego às
armas e à masculinidade, como nos tempos italianos de Mussolini. Orientações
sexuais diferentes são estigmatizadas: menino é azul, menina é rosa, e pronto.
As comunidades tradicionais, cujos território e identidade religiosa e cultural
são garantidos pela Constituição, são vistas com desconfiança. Bolsonaro já
disse muitas vezes que os índios precisam se integrar à sociedade. E a desconfiança
se estende aos artistas, pesquisadores e cientistas.
Umberto Eco fala, também, do integrismo,
que difere do fundamentalismo por tentar fazer com que uma visão religiosa se
transforme também numa visão política.
Não se trata apenas de contestar fatos como
a forma da Terra, mas de algo maior: tentar fazer com que a Bíblia e a própria
Constituição sejam textos complementares, sem contradições.
Nas últimas semanas de campanha, Bolsonaro
enfatizou o que a imprensa chama de luta de costumes, mas na realidade é uma
tentativa de aproximar política e religião, uma transmutação de candidato em
missionário, que diz como as pessoas devem se comportar na sua vida íntima.
Nas circunstâncias europeias e também num
contexto parlamentarista, a extrema direita italiana deverá apresentar uma
visão mais sofisticada que a brasileira.
Um dos primeiros discursos de Giorgia
Meloni fala de sua identidade, como italiana e mulher, e acusa um sistema que
faz das pessoas dóceis consumidoras. Aparentemente, é uma visão antissistêmica
diferente da de Bolsonaro, que se restringe ao universo político, sem menções à
economia.
O simples fato de a extrema direita
italiana e a francesa serem lideradas por mulheres já estabelece uma diferença
básica, uma vez que Bolsonaro e seus adeptos veem a ascensão das mulheres como
mais uma das tramas do que chamam de marxismo cultural. Esse dado é até
sociológico: nas pesquisas de intenção de voto, Lula tem o dobro de votos de
Bolsonaro entre as mulheres.
Enfim, extrema direita entrando, extrema
direita saindo, nas circunstâncias de crise econômica e degradação democrática,
é razoável contar com esta presença no horizonte e, sobretudo, estudar melhor
seu discurso. A pior das situações é tocar as coisas como se não tivesse
acontecido nada, como se esse momento da história do Brasil, que é também um
momento mundial, não contivesse nenhuma lição, e tentar recomeçar a vida
exatamente como antes.
Há quem ache que a extrema direita
brasileira seja idêntica ao bolsonarismo. De fato, Bolsonaro é um líder
popular, sobretudo depois da facada em Juiz de Fora, e tem uma linguagem muito
acessível aos seguidores. Mas nada impede, como aconteceu na França, que haja
renovação e também aprendam algo com a derrota.
É toda uma nova época que começa, sob a
capa ilusória de uma continuidade. A tendência é sempre achar que as grandes
batalhas são uma repetição das anteriores. Assim naufragam os generais.
O processo de redemocratização do Brasil ganha uma nova chance. Mas precisaremos de mudanças para aproveitá-la.
"Suas conclusões são bem realistas: educar para a tolerância adultos que atiram por motivos étnicos e religiosos é tempo perdido; a intolerância deve ser combatida por meio de educação constante, antes que se torne uma casca comportamental espessa e dura demais"
ResponderExcluirPuts, educação constante. Porra, Bozo sequer lê.
Intolerância? Porra, bozo é Intolerante; e bbc.
Quanto a atirar por motivos étnicos e religiosos, bozo atira por motivos eleitorais - ele não sabe as consequências e as razões, importando apenas ganhar voto.
Sobre educação constante, ele a quer militar, sabe, aqueles bbcs de morrer pela pátria E VIVER SEM RAZÕES.
SABEMOS. E LULA VAI ACABAR COM ISSO.
"São, portanto, dois movimentos a investigar: a vulnerabilidade democrática de um lado e os mecanismos de intolerância latentes na psicologia humana"
ResponderExcluirMinha opinião.
Vulnerabilidade democrática: os milicos participaram do golpe pq os EUA mandaram. Hoje, os EUA sai contra e mandam aviso. Conclusao: não haverá golpe; do contrário nem sequer poderão visitar a Disney e isso, pros nossos milicos, é inaceitável.
Mecanismos de intolerância: porra, todo mundo vê q a intolerância CONTRA AS ESTUPIDEZES DO BOZO AUMENTAM FORTEMENTE. A intolerância latente em minha psicologia humana É CONTRA O BOZO.
CONCLUSÃO: VAMOS PRA CIMA DE VCS, GADO, E SEM ANISTIA!
Ousem tentar um golpe. Tô ansioso.
Pra mim o "dínamo" do bolsonarismo, trumpismo, populismos em geral, direita francesa ou italiana é a crise do capitalismo. Tal dínamo desde o fim do século XIX na Alemanha deu origem ao movimento VOLKISCH, espécie de bolsonarismo alemão. Durante a primeira metade do século XX os nazistas se tornaram hegemônicos nesse movimento. E ele está vivo no neofascismo. O boçal garante um fascismo bundalelê. Gabeira não viu que o parlamentarismo italiano está em crise e tem bolsonarista lá que pensa em propor o presidencialisno. E a grande porralouquice da história é que a direita em crise não tem nada além do anticomunismo. De modo que a direita vai ajudar a esquerda desmiolada a manter viva a bandeira da foice e do martelo porque ela e de importância vital para a sobrevivência do capitalismo. O capitalismo selvagem, bem entendido.
ResponderExcluirSabe o que é falar muito e não dizer coisa com coisa? Prefiro a série “O Mecanismo” por ser direto ao Pomo do Aquiles, nosso amigo grego ou troiano. Sei lá ….
ResponderExcluirEssa foi uma direta para o primeiro Anônimo.
ResponderExcluirNão voto bozo é melhor já-ir explicando.
ResponderExcluirAntes que alguém me trucide, calcanhar de Aquiles.
ResponderExcluirUma nova era se inicia,concordo.
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