Folha de S. Paulo
Na disputa messiânica que se transformou a
política brasileira, ele é o ateu e foi parar na fogueira
Quando todos começam a tomar partido, quem não toma geralmente é mal visto. Nas eleições esse fenômeno se escancara: quem vota nulo é criticado e recebe a pecha de "isentão". Nas redes sociais, conversas de botequim e almoços em família, vê-se o mesmo tipo de ataque, como esta postagem de um famoso jornalista no Twitter: "Isentos são cúmplices morais de assassinos". Ou seja, caso Bolsonaro vença, a culpa é do "isentão".
Curiosa essa visão de que voto nulo decide eleição. Na última eleição, por exemplo, seria necessário que todos os votos brancos e nulos fossem para Haddad para que ele pudesse vencer. Mais estranha ainda é essa ideia de que o eleitor seria obrigado a votar, mesmo que as opções disponíveis contrariem princípios que lhe são caros.
Se o objetivo é convencer o eleitor a votar no candidato X, deve-se partir
desses princípios, em vez de fazer chantagem emocional através de discurso
moralista. Ou seja, na verdade, o intuito mesmo do ataque ao
"isentão" é apenas sinalizar virtude: "Vejam como somos
superiores a essa gente alienada que não vota".
Esse mecanismo é similar ao do embate religioso: quem não crê em nada é mais
repudiado do que o crente radical. Uma pesquisa da Fundação Perseu Abramo de
2009 mostrou que, de 14 grupos sociais, ateus e usuários de drogas são os mais
odiados no Brasil, com 17%, seguidos por garotos de programa e transexuais
(10%). Em 10º lugar, "gente muito religiosa" teve só 5%.
Tão pernicioso quanto deixar a religião comandar a política é tratar a
política como religião. Porém é o que temos visto nos últimos anos:
os candidatos dos dois polos políticos são tratados de forma messiânica, como
epítomes do bem na luta contra o mal.
Daí o tratamento dado ao "isentão", esse ateu da política, repudiado por seguir sua consciência e manter sua integridade. Qualidades que deveriam ser valorizadas como estratégia discursiva na hora de convencer o eleitor. Afinal, ninguém gosta de ser chamado de assassino.
Interessante essa defesa do Apolítico. OU seja, o apolítico vive em sociedade, está recheado de fatos ao sua volta, mas prefere se omitir por princípios que devem ser valorizados. Essa descrição me assemelha muito aquela do Brecht que diz que o apolítico não se importa com as coisas até que elas o atinjam. Um individualista canhestro que agora recebe odes em louvor. E pasmem... por princípios que mostram sua integridade. DOurar pílula é isso...
ResponderExcluirTão pernicioso quanto tratar a política como religião é misturar política e religião, mantra da candidatura bolsonarista na última eleição presidencial e que se repete mais acintosamente nesta. Aí temos tantos pastores safados e corruptos, propinas em bíblias, ministro-pastor indicando pastores corruptos apoiados pelo presidente, milhares de mentiras do presidente-religioso que exalta uma verdade que ele sabe não respeitar, o uso cotidiano de mentiras e falsidades como se tivessem alguma base religiosa, igrejas criminosas e corruptas tentando eleger seus candidatos safados! Tudo isso em nome de seus deuses, tornados cúmplices dos crimes que estes pseudorreligiosos cometem a toda hora.
ResponderExcluirEstupendo, este pequeno texto!
ResponderExcluirMerece a continuação em outro, que trate de quão bem politizado é, em certos cenários e seusatores, os eleitores que não viajam no dia da eleição e se abstêm, não anulam o voto em manifestação para desqualificar o processo democrático e uma das suas boas expressões que é a urna e o voto. O eleitor bem politizado, porém não ideologizado e doutrinado, diante de um cenário com atores com falhas técnicas e morais, NÃO se isenta; comparece para o voto e exerce a melhor opção, dependendo do quadro: VOTA EM BRANCO!
Eu espero que a autora escreva outro texto estupendo como este, em continuação.
Nada contra os ateus e isentões,melhor do que os fanáticos.
ResponderExcluirEu só votei nulo duas vezes, na primeira e última eleição, mas consegui engoli nenhum dos dois, mas se o tempo voltasse votaria em Haddad, sabia da ruindade do Bolsonaro, mas subestimei a influência do bolsonarismo em nossa sociedade.
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