quinta-feira, 22 de setembro de 2022

Maria Cristina Fernandes - O que teme o eleitor

Valor Econômico

Ao suspender parte dos decretos que liberalizaram armas e munições, Supremo ajudou a tirar o eleitor do armário

Nas duas últimas grandes cartadas da campanha bolsonarista, o 7 de Setembro e o funeral da rainha Elizabeth, Silas Malafaia foi o único personagem, além da primeira-dama, a se fazer presente ao lado do presidente, em ambos os eventos. Esta onipresença explica a investida de Bolsonaro sobre o eleitor que, indetectável nas pesquisas, provoca as surpresas de uma campanha marcada pela ausência de adesivos e bandeiras nos carros, nas janelas e nos muros das casas.

Pastor de um ramo da Assembleia de Deus, maior denominação evangélica do país, Malafaia já foi cabo eleitoral de Luiz Inácio Lula da Silva, José Serra, Marina Silva e Aécio Neves. Aproximou-se de Bolsonaro em junho de 2013, na esteira das manifestações, quando o então deputado se engajou contra a lei anti-homofobia.

Malafaia esteve na linha de frente de sua campanha, em 2018, quando Bolsonaro teve 11,6 milhões de votos a mais que Fernando Haddad no eleitorado evangélico (69% x 31%) no segundo turno. Foi um montante superior à diferença total de votos (10,7 milhões) pró-Bolsonaro. Vem daí a centralidade do voto evangélico para a eleição do presidente.

Com o governo em mãos e a percepção de que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar, buscou se diversificar as razões do voto. Não bastou. Lula está à frente de Bolsonaro entre aqueles que recebem o Auxílio Brasil e o eleitor atribui as medidas do governo na economia à busca pela reeleição.

Restou a Bolsonaro voltar às bases. É bem verdade que sempre as manteve sob sua mira. Cultivou seu público evangélico com presença nas marchas religiosas, reiterou o discurso contra a ideologia de gênero e nomeou André Mendonça (STF), Damares Alves (Direitos Humanos) e Milton Ribeiro (Educação). Com este último, porém, não apenas associou a comunidade aos mercadores da fé como causou divisões entre as lideranças evangélicas.

Sua liberalidade na política de armas, desaprovada por 70% dos brasileiros (Datafolha, 1/06), desgostou tanto os evangélicos que pastores aliados tiveram que improvisar uma “bêncão às armas”. E, finalmente, a transformação dos púlpitos em palanques aumentou o azedume.

Esther Solano, da Unifesp, já fez três rodadas de pesquisas qualitativas com evangélicos indecisos em São Paulo, Rio, Minas, Amazonas e Mato Grosso. Em março, os recrutadores tinham dificuldade de encontrar participantes que admitissem voto em Lula. Em maio passaram a reportar pressão da “família evangélica” - pastores, familiares e amigos - contra qualquer voto não-bolsonarista.

Em agosto, esta pressão resultou em repúdio, com tradução em números. Da primeira rodada do Ipec (15/8) até a última (19/9), apenas dois cruzamentos por religião se alteraram para além da margem de erro. A rejeição de Bolsonaro entre os evangélicos passou de 28% para 35% e o voto espontâneo em Lula passou de 24% para 31%.

Na ida ao funeral da rainha, Bolsonaro não apenas proporcionou a comparação com sua atitude diante dos mortos da pandemia, como transformou um pastor evangélico num cúmplice do palanque eleitoral armado no dia em que se velava a chefe da igreja anglicana.

Se Bolsonaro foi de Malafaia, Lula valeu-se de Marina Silva. Fiel de outra denominação da Assembleia de Deus, Marina fez um escambo politicamente legítimo com Lula. De um lado está seu prestígio moralmente intocado com a comunidade evangélica e do outro, o compromisso do candidato com suas pautas ambientais.

No dia seguinte ao encontro público dos dois, Lula abandonaria, em entrevista à CNN, a dubiedade no tema. “Tem empresários grandes, na área da agricultura, que se comportam dignamente e que produzem, vendem, exportam e respeitam. Quem não quiser respeitar, paciência. A lei existe para a pessoa ser punida.”

Na declaração que fez, ao lado de Lula, Marina disse que a instrumentalização da igreja evangélica pelo presidente vai contra a gênese do protestantismo, que surgiu como uma reação contra a unidade entre o Estado e a igreja católica. Parece sofisticado demais, mas os pesquisadores da Casa Galileia, que monitoram diariamente 400 perfis evangélicos nas redes sociais, dizem que não.

Eles passaram a encontrar mulheres que vão para os cultos em busca de conforto espiritual e voltam ainda mais cansadas com o proselitismo eleitoral, que nada mais é do que essa mistura entre Estado e Igreja.

Pelo tom que a propaganda tem assumido, o bolsonarismo vai pagar pra ver os limites desse cansaço. Até o banheiro-unissex nas escolas foi ressuscitado. Vem daí a aposta de muitos analistas de que o voto envergonhado, ou amedrontado, esconda lulistas não captados pelas pesquisas que podem ser determinantes para a campanha ser liquidada no primeiro turno.

Num notável artigo publicado no site da Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais, Orjan Olsen questiona a capacidade de a propaganda mudar a preferência do eleitor deste 2 de outubro. Ao cotejar a intenção de voto dos dois líderes, ele mostra que a evolução se deu na margem de erro.

Atribui a estabilidade do quadro ao fato de Lula e Bolsonaro terem partido não apenas de um patamar de votos consolidado muito alto como de rejeições mútuas muito elevadas.

Olsen foi além. Meteu sua colher na discussão sobre este eleitor que dribla as pesquisas, tratado pioneiramente por Elisabeth Noelle-Neumann. Ela formulou a teoria da “Espiral do Silêncio”, que explicou o comportamento do eleitor do candidato com alta rejeição e que recebe uma mídia mais negativa (na percepção de seu eleitor). Este eleitor se sentiria menos disposto a abrir sua posição.

Se este critério sugere que o voto envergonhado é mais bolsonarista, as manifestações de rua lideradas pelo presidente mostram que seu eleitor não parece intimidado. A pressão exercida sobre os evangélicos, por outro lado, indica que o eleitor de Lula é quem pode estar suscetível à sanção social.

O anonimato ou a ausência de interação direta, garantida pela entrevista telefônica, diz Olsen, poderia reduzir a propensão do eleitor a se resguardar. As agressões contra entrevistadores, como aquela de um bolsonarista que atingiu um profissional do Datafolha no interior paulista, sugerem, porém, que a intimidação é de mão dupla.

Veio do Supremo a melhor notícia para tirar o eleitor do armário. A suspensão de parte dos decretos que liberalizaram armas sugere que ficou mais seguro para o eleitor não apenas votar como manifestar sua preferência, antes que seja tarde.

4 comentários:

  1. Fora, bozo genocida e seu armamentismo!

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  2. Bolsonaristas agridem qualquer um: jornalista, entrevistador de pesquisa eleitoral, petista, esquerdista, estudante, mulher... A maldade dos bolsonaristas é imprevisível... Já o resultado da eleição é bem mais previsível: Lula, talvez até no primeiro turno, que seria então o único! Isto também deverá moderar a reação violenta dos bolsonaristas desesperados!

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  3. Os ''moralistas'' são os piores,são os que gemem mais alto na calada da noite.

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