terça-feira, 13 de setembro de 2022

Míriam Leitão - O reencontro de Lula e Marina

O Globo

Por 14 anos, Lula e Marina só se falaram na dor. Ontem, fizeram o reencontro político pela Amazônia e pela democracia

Marina não anda só. Ela chegou ao encontro do ex-presidente Lula ontem com dois grandes intelectuais brasileiros, Eduardo Viola e Eduardo Giannetti da Fonseca. Marina não anda só. Ela chegou com uma rede de organizações e pessoas que defendem a Amazônia, o meio ambiente, os povos indígenas, o combate às mudanças climáticas. Marina não anda só desde que saiu do Seringal Bagaço porque, como disse Lula, ela “não mudou suas convicções e seus princípios”. Marina foi ao reencontro com Lula com um documento que elabora há meses e que é, como ela disse, “uma contribuição”.

A ex-ministra definiu a oposição ao governo Bolsonaro como um movimento de autodefesa da democracia. A cena do ex-presidente Lula e da ex-ministra Marina impressiona porque o país sabe o que foi preciso superar de desencontro nos últimos anos para voltarem a estar do mesmo lado. Juntos, os dois fizeram a melhor política ambiental que o país já viu. Iniciaram o processo virtuoso que derrubou o desmatamento da Amazônia em mais de 80% em dez anos.

— Nosso reencontro político e programático se dá diante de um quadro grave da história política, econômica, social e ambiental do país, em que nós temos o que eu considero a ameaça das ameaças, que é à nossa democracia. E sempre que a democracia é ameaçada há uma tentativa de corrosão do tecido social em todas as suas dimensões — disse a ex-ministra.

Nos bastidores, muitos queriam o reencontro, mas entre eles o destaque é do candidato ao governo de São Paulo Fernando Haddad, que chegou a pensar em ter a ex-ministra como parte da sua chapa. Marina é candidata a deputada porque acha que o Congresso será a frente de batalha em vários projetos.

— Tenho um compromisso de vida com a Amazônia, o meio ambiente, os povos indígenas — disse ela recentemente.

E foi por isso que preparou o que chamou de “resgate da agenda perdida social e ambiental”, numa referência à agenda perdida que economistas escreveram na campanha de 2002. O programa da chapa Lula-Alckmin na área ambiental já prevê o combate ao desmatamento e o fim do garimpo ilegal, meta que Lula repetiu ontem no encontro. Marina levou ideias que se somam, como a de que a questão ambiental não é algo à parte, mas que está presente na proposta como um todo. Uma das ideias é a de criar a Autoridade Nacional de Mudança Climática, ligada ao Ministério do Meio Ambiente, para articular as medidas de redução das emissões de CO2, em busca das metas assumidas pelo Brasil no Acordo de Paris.

— Ontem nós tivemos uma conversa de duas horas, atravessada pelas nossas memórias, e um compromisso de ajudar a reconstruir o Brasil — disse Marina.

A Federação Rede-Psol já integrava oficialmente a coligação da chapa Lula-Alckmin, mas ela deu liberdade para que seus integrantes assumam qualquer posição. Então Marina chegou de forma independente para esse apoio a Lula.

Juntos eles fizeram o Plano de Prevenção e Combate ao Desmatamento da Amazônia (PPCDAm), que está sendo destruído. Por isso ela falou em “resgate” do plano e também em “atualização”, já que houve um agravamento da crise do clima e da força do crime na Amazônia.

— Eu chamei de resgate atualizado da agenda socioambiental perdida e ninguém melhor do que o senhor para fazer o resgate porque foi quem o iniciou — disse Marina a Lula.

As perguntas foram sobre a natureza do reencontro, e Marina foi clara:

— Estamos agora diante de um quadro que é democracia ou barbárie, democracia ou extermínio de povos indígenas, democracia ou a morte do povo preto nas nossas periferias, democracia ou destruição da Amazônia. É nessa base comum que estamos aqui reunidos.

Perguntado sobre o que seria prioritário na agenda ambiental, Lula respondeu que primeiro era preciso ganhar a eleição, mas que a questão ambiental seria “transversal”. Nesse momento, Marina não escondeu o sorriso de satisfação. Era o que queria ouvir. Sobre se ela, por ser evangélica, ajudaria Lula com esse grupo, Marina disse que “o Estado laico é legado da reforma protestante” e que, portanto, todos os brasileiros seriam respeitados, independentemente do seu credo. Lula concordou. Nos 14 anos do desencontro, eles só se falaram na dor. No câncer dele, na morte do pai dela, na morte de Dona Marisa. O rompimento era apenas político. Agora, superado.

 

4 comentários:

  1. Muito emocionante esta coluna! Parabéns à jornalista e ao blog que divulga seus textos! Marina é uma grande mulher, uma guerreira de verdade e da verdade!

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  2. Mais uma vez, parabéns a Miriam Leitão, pela capacidade de simplificar e explicar todas as nuances em seus textos.

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  3. Lula e o PT foram muito injustos e maldosos com Marina Silva, Cristovam Buarque, e até Ciro Gomes. Estes brasileiros foram de grande ajuda para o governo Lula, mas foram maltratados pelos arrogantes petistas que assessoravam o presidente petista. Felizmente, Lula já foi perdoado pelos 2 primeiros, mas obter o perdão de Ciro vai ser mais difícil. O temperamento de Ciro é menos conciliador.

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