O Globo
"O golpe é o orçamento secreto. Esse é
o assunto de que o Supremo deveria estar se ocupando. Menos palavras bonitas em
defesa da democracia. Mais atividade colegiada, sobre matéria
constitucional"
Chegou ao fim a gestão corporativista
de Luiz
Fux à frente do Supremo. Maior expressão desse biênio sendo a recente
deliberação para aumento de 18% no salário dos magistrados — contratado também
o efeito cascata desse reajuste.
A palavra é esta mesmo: corporativista.
Lembre-se — a peste nos matando aos milhares diariamente — da tentativa de
furar a fila de vacinação e garantir uma cota preferencial de doses aos
servidores de tribunais superiores; antes de todos, claro, os togados.
Outra marca importante do período são as
promessas não cumpridas. Fux, ele próprio um monocrata, seria aquele em cuja
gestão se restringiria a febre monocrática no STF.
Alcançamos o final de sua presidência, porém, com a Corte chancelando a
presidência informal de um ministro cuja atividade agregou as funções de
promotor de Justiça e delegado federal. E sem que essa licença tenha produzido
o mais mínimo freio sobre o motor antirrepublicano de Bolsonaro. Ao contrário,
levando as relações para o terreno da briga de rua, linguagem onde prospera o
bolsonarismo.
Agora é Rosa Weber. Que promova um choque de plenário. O Supremo precisa cuidar, colegiadamente, de temas constitucionais. Nenhum maior — mais urgente — que o orçamento secreto.
O golpe é o orçamento secreto. À parte o
estado de golpismo bolsonarista, esse 7 de Setembro permanente, a geração de
confrontos que anima o populismo de Bolsonaro e mina progressivamente as
instituições, golpe mesmo, movimento rompedor, é o já desfechado pelo exercício
do orçamento secreto, a própria assinatura do contrato que pactuou a sociedade
entre Planalto e o consórcio dirigido por Arthur Lira e Ciro Nogueira.
A nova presidente do STF é a relatora das
ações que questionam a constitucionalidade da emenda do relator, conforme ora
pervertida, fachada para o orçamento secreto. Espera-se que Rosa Weber, antes
de assumir, tenha tomado as medidas para preservar consigo as relatorias, ou
irão para Fux e, pois, à cova.
Não que Rosa Weber tenha sido brilhante —
não até aqui — na condução dessas ações. De novo: o golpe é o orçamento
secreto. É contra isso que o Supremo deve se mover. Moveu-se acanhadamente a
ministra. A pouca providência que tomou — para liberar as distribuições de
emendas, depois de tê-las paralisado — sendo ignorada, diria mesmo zoada, pelo
Congresso; que ofertou, como resposta de transparência à determinação de Rosa
Weber, informações incompletas que continuam afrontando princípios
constitucionais.
Não será apenas a insistente falta de
transparência o problema. Mais bárbaro é a administração de bilhões por dois ou
três patronos cujo autoritarismo tem decidido quem levará milhões do Orçamento
da União, num processo de desqualificação do gasto público que, sem produzir
obras de caráter permanente, tem elevado a corrupção na ponta a outro patamar.
Isso explodirá, já está explodindo, mas por ora vai servindo ao projeto de
reeleição não só de Bolsonaro, mas da própria sociedade alimentada pelo
orçamento secreto.
É preciso continuar no poder para poder
continuar com a gestão dos bilhões que asseguram a continuidade da sociedade —
eis o ciclo.
O orçamento secreto é o golpe autocrático.
É estratégico desmontá-lo. Rosa Weber falhou em não ter forçado o enfrentamento
da matéria pelo plenário. A inconstitucionalidade flagrante disso tinha de ter
sido decidida antes de o período eleitoral se impor. Agora presidente, não pode
falhar mais. O custo para os cofres é imenso — muito maior para a higidez da
República.
O orçamento secreto é a razão por que a lei
eleitoral foi esculhambada. É o motivo por que o Parlamento aprovou, sem
nenhuma resistência, uma emenda à Constituição, mais um puxadinho oportunista,
estabelecendo um estado de emergência destinado a formalizar o financiamento do
povo brasileiro à reeleição de Bolsonaro — reeleição também da sociedade entre
governo e consórcio Lira/Nogueira, reeleição do controle do Orçamento pelos
poucos de turno. Isso foi a PEC Kamikaze.
Ao não enfrentar o orçamento secreto, o
Supremo não pôde enfrentar o ataque à lei eleitoral, ataque que aterrou
qualquer resto que houvesse de paridade de armas nas eleições de 2022. Ao não
enfrentar o orçamento secreto, legitimando também o atropelamento da lei
eleitoral, o STF autorizou — faça o que quiser agora o TSE — a diluição de
fronteiras entre Estado e comício eleitoral manifestada no último 7 de
Setembro.
E agora temos mesmo medidas provisórias e
decretos do presidente da República erguendo gambiarras que permitem a
distribuição de bilhões em orçamento secreto para os currais de aliados. A três
semanas das eleições.
O golpe é o orçamento secreto. Esse é o assunto de que o Supremo deveria estar se ocupando. Menos palavras bonitas em defesa da democracia. Mais atividade colegiada, sobre matéria constitucional — o que será, na prática, defender a República. Choque de plenário. É o que se espera da presidência de Rosa Weber.
Nao se pode esperar nada dessa corte, não. Estão todos concominados, a farsa é enorme. Por isso a Lava Jato foi extinta para tudo continuar do mesmo jeito.
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