sexta-feira, 16 de setembro de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

Instituições precisam barrar onda de violência política

Valor Econômico

Retórica incendiária do presidente cria ambiente favorável a confrontos

A violência política não é novidade no Brasil, mas com a ascensão à Presidência da República de Jair Bolsonaro deu um salto em escala. Ela está se generalizando, após deixar os rincões dos velhos coronéis para as cidades e, nelas, é abertamente propagada nas redes sociais. Há pouca coisa mais desmoralizante dos valores republicanos e da democracia de que o governo Bolsonaro abrigar no Palácio do Planalto funcionários pagos com dinheiro dos contribuintes em um autodenominado “gabinete do ódio”.

O principal propagador de ideias que tem em seu germe a violência contra adversários políticos é o presidente, que detesta jornalistas que o questionam, é misógino e não tem a democracia como seu regime favorito. O episódio mais recente de agressão e constrangimento à imprensa ocorreu durante um debate entre os candidatos a governador do Estado de São Paulo, na terça-feira. O deputado Douglas Garcia (Republicanos-SP), que apoia o bolsonarista Tarcísio de Freitas, em segundo lugar nas pesquisas, arremeteu, celular em punho, contra a jornalista Vera Magalhães, utilizando contra ela as mesmas palavras que Bolsonaro já dissera em debate na TV Bandeirantes, de que era “uma vergonha para o jornalismo”.

A retórica de Bolsonaro, seus filhos e acólitos é beligerante, incompatível com a que deveria usar alguém que ocupa um cargo cujo dever é representar os brasileiros e não apenas os de sua gangue de maus modos. Na atual campanha, Bolsonaro já pregou “extirpar essa raça”, referindo-se aos petistas, em um eco mais brando do que o de sua conclamação no Acre na campanha de 2018: “Vamos fuzilar a petralhada”.

Bolsonaro não se preocupa com as consequências de suas incitações contra adversários políticos, além de fornecer os meios pelos quais a violência das palavras se traduz em fatos. É cultor das armas, adora o bordão “povo armado não será escravizado” e em seu governo tem feito tudo que é possível para liberar a venda de armamento. Um dia depois que um eleitor de Lula foi esfaqueado e morto por um admirador do presidente em Mato Grosso, Bolsonaro disse que “varreremos para a lata de lixo da história” esse partido (PT), que “só gera desgraça para o povo brasileiro”.

Após a morte de dois eleitores do PT por bolsonaristas, espalha-se aos poucos um nefasto clima de medo e de desestímulo ao debate político aberto em pleno período eleitoral. Pesquisa divulgada ontem, realizada pela Rede de Ação Política pela Sustentabilidade, em parceria com o Fórum de Segurança Pública, mostra que 67,5% dos entrevistados temem hoje agressão em razão de suas posições políticas ou partidárias. E 3,2% da amostra (de 2100 pessoas) afirmaram que foram vítimas de ameaças.

As redes sociais, habilmente utilizadas por bolsonaristas e outras correntes que desprezam a democracia, tornaram-se máquina preferencial de intimidação política. Há de tudo, até uma socialite fazendeira pregando, exaltada, que se “demita sem dó” funcionários que votem no PT. Já o deputado Eduardo Bolsonaro convocou em seu perfil no Twitter as pessoas que possuem armas a se tornarem “voluntários” de Bolsonaro (Congresso em Foco, 5 de setembro).

Se a intimidação sempre foi uma arma usada pelos governantes para permanecerem no poder, o contexto eleitoral atual lhe dá um significado potencialmente explosivo. A pregação e os atos pela liberação de armas pelo presidente é simultânea à campanha de descrédito contra as urnas eletrônicas e à divulgação da crença de que o presidente Bolsonaro só perderá as eleições se tiver sido roubado. O tumulto serve a esses desígnios, como serviram ao presidente Donald Trump para incitar o inacreditável ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021.

A radicalização política está no ar e levou dez Estados a pedirem a presença das Forças Armadas para garantirem que o dia da votação transcorra sem violência. Ela não foi o único motivo para a demanda: o crime organizado é uma ameaça no Rio e outros pontos do país (O Globo, 30 de agosto). O TSE proibiu o porte de armas no perímetro de 100 m das seções eleitorais.

Rivais políticos deveriam evitar as provocações bolsonaristas. Lula qualificou de reunião da Ku Klux Khan as enormes manifestações em apoio a Bolsonaro no bicentenário da Independência. As instituições de Estado, como o Judiciário e as Forças Armadas têm o dever de assegurar que as condições plenas da democracia possam ser exercidas livremente e sem risco.

Pesquisas eleitorais deveriam levar em conta a abstenção

O Globo

Comparecimento menor entre mais pobres e menos escolarizados não deveria ser desprezado nos cálculos

Apesar de o voto no Brasil ser um dever cívico obrigatório, os índices de abstenção têm sido crescentes nas últimas eleições gerais (em média 19% no primeiro turno e 21% no segundo). Um em cada cinco eleitores registrados não tem votado. Várias são as causas: viagens, desinteresse ou desilusão com a política, problemas familiares ou burocráticos e, acima de tudo, as sanções ridículas para quem deixa de comparecer. A justificativa para a ausência pode ser feita por aplicativo e, se esquecer ou não fizer, o eleitor tem no máximo de pagar uma multa irrisória — R$ 3,51 por turno — e ficará impedido de emitir passaporte ou prestar concurso público. Nada de dramático.

Na prática, é como se o voto não fosse obrigatório. Isso gera uma distorção cujas consequências vêm se tornando mais relevantes com o passar do tempo. Como mostrou reportagem do GLOBO, as ausências se concentram nos grupos sociais menos escolarizados e de menor renda. Analfabetos foram 4,4% do eleitorado, mas 11,1% dos ausentes em 2018. Eleitores com superior completo eram 9,2% do total, mas apenas 5,5% dos faltantes. A abstenção passou de 40% nas cidades remotas do Amazonas ou de Minas Gerais e alcançou 22% no Sudeste, o maior percentual entre todas as regiões. É justamente a que concentra mais eleitores e será decisiva nesta eleição presidencial.

Apesar de ser um problema com uma medida precisa, fornecida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a abstenção não é levada em conta pelos institutos que realizam pesquisas de intenção de voto. A campanha do presidente Jair Bolsonaro tem usado os índices de abstenção do passado para alardear que a distância entre ele e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva será menor na urna do que sugerem as pesquisas, pois o público que mais se abstém — mais pobre e menos escolarizado — concentra mais eleitores de Lula que de Bolsonaro. É um argumento na essência correto, embora seja difícil medir essa discrepância e saber se ela será mesmo decisiva como supõe a campanha bolsonarista (Lula pode obter menos votos do que sugerem os números, mas ganhar ainda assim).

Ao deixar de levar em conta as projeções de abstenção no cálculo dos percentuais de voto, os institutos supõem que ela se distribui uniformemente por todos os segmentos do eleitorado. Pode ser que esse equilíbrio corresponda à verdade no passado, mas não há garantia de que sempre se repita. De acordo com o estatístico Raphael Nishimura, diretor de amostragem da Universidade de Michigan, nos países onde o voto é facultativo, as pesquisas costumam avaliar a propensão de cada tipo de eleitor ir votar para obter níveis de intenção de voto mais confiáveis (nos Estados Unidos, há pesquisas apenas com “eleitores prováveis”). E nem isso garante o resultado. O exemplo mais citado é a eleição de Donald Trump em 2016, quando os institutos subestimaram o voto trumpista entre eleitores sem formação universitária no Meio-Oeste do país. Foi esse o principal motivo para as projeções errarem o resultado da eleição naquele ano.

Não há nenhuma evidência de que algo semelhante possa acontecer no Brasil, com a abstenção em massa dos eleitores mais pobres e menos escolarizados favorecendo Bolsonaro. Mas o exemplo americano mostra por que, para retratarem a realidade eleitoral de modo mais fiel, é essencial que os institutos passem a levar em conta a abstenção em seus cálculos.

Inflação faz peso argentino perder valor até para as figurinhas da Copa

O Globo

Os próprios distribuidores oficiais preferem vender os cromos no mercado paralelo para lucrar mais

À primeira vista, a decisão da Secretaria de Comércio da Argentina de convocar representantes da Panini, editora responsável pela publicação e venda do álbum da Copa do Mundo, para discutir a escassez de figurinhas à venda nos minimercados de Buenos Aires e noutras cidades argentinas parece apenas inusitada ou pitoresca. Na realidade, trata-se de um exemplo pedagógico de até onde pode levar o populismo econômico que atrasa há décadas o desenvolvimento argentino.

Os cartazes dizendo “no hay figuritas” e os memes que se espalham pelas redes sociais são sinal de um fenômeno conhecido dos economistas: o descasamento entre oferta e demanda. Quando isso acontece numa economia normal, o preço do produto sobe até alcançar um ponto de equilíbrio em que a escassez desaparece. Mas não numa economia em espiral inflacionária, cujo governo recorre ao expediente populista do tabelamento para fingir que está controlando os preços.

A própria Panini vende cada pacote de figurinhas por 120 pesos aos distribuidores e tabelou o preço ao consumidor em 150 pesos. Com a explosão na procura neste curto período que antecede a Copa, porém, elas passaram a valer muito mais no mercado paralelo. Num país em que a expectativa de inflação até o final do ano chega a 100%, surgiu um incentivo natural para usá-las como reserva de valor — é como se fossem notas em moeda forte. Resultado: os próprios distribuidores passam a revendê-las no mercado paralelo, de modo a obter um lucro maior.

A inflação descontrolada é uma marca clássica dos governos populistas que volta e meia irrompem na Argentina — nos últimos 12 meses, os preços subiram 78,5%, maior nível desde 1991. As reservas internacionais argentinas estão em nível baixíssimo, o dólar não para de subir, o histórico de calotes na dívida externa é extenso, a crise econômica parece nunca ter fim, e a pobreza só aumenta.

No começo do século passado, a Argentina era mais rica que países como França ou Alemanha. A arquitetura suntuosa de Buenos Aires é um retrato dessa época. De lá para cá, mesmo com uma população educada e recursos naturais abundantes, entrou numa espiral descendente por insistir em viver acima das suas possibilidades.

Vigora no país uma infinidade de subsídios artificiais, em particular para setores como energia e transportes. Como a arrecadação é insuficiente para bancar gastos explosivos, o governo costuma recorrer ao subterfúgio de imprimir dinheiro ou a manobras monetárias equivalentes, origem da inflação. O discurso de quem está no poder é recheado de palavras bonitas sobre a preocupação com os mais pobres. Na realidade, esse ciclo vicioso corrói o dinheiro no bolso dos argentinos — que hoje perde valor até diante das figurinhas da Copa.

Só o voto é secreto

Folha de S. Paulo

Concessão mínima a militar pode pacificar cenário, mas deve ser feita às claras

Por uma feliz coincidência, os ministros que conduzirão as presidências do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber, e do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Moraes, durante as votações nacionais de outubro partilham o hábito de falar pouco fora dos autos judiciais.

O costume, adotado por colegas da dupla, de opinar livremente sobre temas que não estão em julgamento insere-se nos arcaísmos que a moderna República deveria superar —assim como as reuniões sem registros com interlocutores escolhidos para tratar de assuntos de notório interesse público.

Não há atas que revelem o teor dos dois encontros ocorridos entre Moraes e o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, para tratar da fiscalização das urnas.

Não por acaso, o TSE abriu concessões às demandas vocalizadas pelo ministro militar e seu chefe no Planalto após as reuniões. A corte incorporou a biometria ao teste habitual de integridade dos tradicionais dispositivos eletrônicos.

Trata-se do exercício de realizar no dia do pleito um escrutínio simulado e documentado com uma fração das urnas escolhida por sorteio para verificar se os resultados do aparelho batem com os de uma votação em papel feita na ocasião.

Escapa aos especialistas não militares da comissão de transparência do TSE a vantagem do teste com a urna acessada por impressão digital, que fica sujeito à recusa do eleitor real de fazer a simulação na hora de votar. Ainda assim, a corte decidiu realizar a checagem com a biometria em 56 urnas, das 641 a ser verificadas.

Além disso, as Forças Armadas pretendem conferir por sua conta se o boletim físico de cerca de 380 urnas equivale ao resultado publicado no site da Justiça Eleitoral.

Nota-se pelas ninharias das concessões —um punhado de urnas sem valor amostral no universo de mais de 500 mil aparelhos distribuídos pelo país de dimensão continental— que os militares brasileiros se entregam na melhor das hipóteses a um jogo de cena inócuo apenas para satisfazer as ignorâncias do presidente da República.

No pior e mais improvável dos cenários, as Forças participariam de nova trama golpista numa história repleta delas, o que jogaria por terra quase 40 anos de comportamento profissional na democracia.

A disposição de Alexandre de Moraes de ceder em aspectos perfunctórios às sugestões dos militares pode ajudar a pacificar a reta final das eleições. Não há razão, porém, para fazê-lo com reuniões sem registro, no modo mais típico de regimes que o presidente Jair Bolsonaro (PL) gosta de enaltecer.

Quanto aos militares, que o Brasil tenha aprendido a lição de que jamais deverão ser convidados novamente a opinar sobre eleições.

Orçamento inviável

Folha de S. Paulo

Farra eleitoreira de Bolsonaro sacrifica programas, como eleitor já pode notar

É sinal de maturidade institucional impedir que os recursos do Estado sejam postos a serviço de projetos políticos de ocasião. Infelizmente, mesmo com grandes avanços nas últimas décadas, o Brasil ainda está distante dessa realidade.

O espaço para uso de dinheiro público para fins eleitoreiros permanece —e ganhou ímpeto extra no governo Jair Bolsonaro (PL). Evidências sobram no Orçamento deste ano e na proposta enviada ao Congresso para 2023.

Quanto aos gastos imediatos, o Executivo acabou de liberar por meio de medidas provisórias R$ 5,6 bilhões em emendas parlamentares, dos quais R$ 3,5 bilhões relacionados a emendas de relator comandadas por lideranças do centrão.

O objetivo é turbinar gastos em redutos eleitorais às vésperas da votação. Foi revertida, assim, parte do contingenciamento anunciado em julho, que chegava a R$ 6,3 bilhões. A movimentação se deu fora das revisões bimestrais regulares da programação orçamentária.

Pior, a manobra só foi possível porque outros R$ 5,6 bilhões em despesas foram jogados para o próximo ano, inclusive com adiamento de aportes para ciência e cultura.

O quadro fica ainda pior em 2023. Como resultado das previsões irrealistas que balizam a peça orçamentária e da inclusão de R$ 19 bilhões para as famigeradas emendas de relator, o governo precisou sacrificar outros programas.

Em algumas ações da área de saúde, como a Farmácia Popular e o Mais Médicos (rebatizado de Médicos para o Brasil), a redução de verbas passa de 50%. Isso para nem mencionar a insuficiência de recursos para manter o Auxílio Brasil de R$ 600 mensais.

Chega-se ao paradoxo de que o cumprimento do gasto mínimo em saúde determinado pela Constituição dependerá das emendas de relator, que precisarão ser parcialmente direcionadas para tal fim.

O descalabro ocorre porque a prioridade do governo é atender sua base política, não a boa prática de gestão, depois de sucessivos atropelos casuísticos das regras fiscais.

Diante dos protestos, agora Bolsonaro tenta recuar e dizer que não haverá perdas. Será inevitável uma ampla revisão do Orçamento de 2023, com o complicador que será muito difícil fazê-lo de forma criteriosa ainda neste ano.

Eis um trabalho que exigirá coordenação do vencedor das eleições com o Congresso num prazo muito curto, um testemunho do custo da desorganização crescente.

O darwinismo social de Bolsonaro

O Estado de S. Paulo

O corte drástico do Programa Farmácia Popular, antes de ser um ‘desencaixe’ acidental da democracia, na definição de Paulo Guedes, expressa a essência do governo bolsonarista

O governo Jair Bolsonaro tem facilitado a vida dos candidatos que disputam com ele a Presidência da República. Para conquistar votos, as equipes de campanha não precisam apelar a um marketing agressivo ou às fake news que levaram o presidente ao Palácio do Planalto em 2018. Basta ler a proposta que sua administração elaborou para o Orçamento de 2023. Não há peça que deponha mais contra sua gestão e que exponha o tamanho das contradições de suas promessas eleitoreiras do que o documento formal enviado ao Congresso no fim de agosto. Na proposta, o Executivo já havia sido incapaz de garantir a manutenção do Auxílio Brasil em R$ 600, tema central da campanha, e teve que fixá-lo em R$ 400, tudo para garantir a reserva de R$ 19,4 bilhões para o orçamento secreto. Não foi suficiente. Agora, como o Estadão revelou, o governo achou por bem comprometer o bem-sucedido programa de distribuição de medicamentos Farmácia Popular e cortar 60% de sua verba.

Diante da péssima repercussão que a notícia teve, o governo apelou à repisada estratégia de buscar outro culpado – qualquer um – para assumir a responsabilidade pela tesourada no programa. O ministro da Economia, Paulo Guedes, elencou o rol de inimigos que costuma mencionar nesses momentos em que precisa justificar o injustificável, como o teto de gastos – que, curiosamente, funciona para toda e qualquer política pública, menos para conter o avanço das emendas de relator. Sem citar o Centrão, grupo formado pelos verdadeiros donos das emendas de relator, o ministro foi audacioso: culpou até a democracia e prometeu recompor os recursos do Farmácia Popular por meio de uma mensagem presidencial a ser enviada, convenientemente, um dia depois da eleição. “Essa mensagem presidencial vai corrigir esses desencaixes que a democracia às vezes acidentalmente permite”, disse.

Não é a primeira vez que Guedes expõe uma concepção distorcida sobre o regime democrático. Isto posto, o corte do Programa Farmácia Popular, sob vários aspectos, é um episódio revelador. Deixa claro que, para o ministro da Economia, a reeleição de Bolsonaro precisa ser garantida custe o que custar. Do contrário, ele não teria considerado razoável priorizar a distribuição de verbas paroquiais bilionárias a aliados em detrimento de uma política pública que garanta acesso gratuito a medicamentos contra doenças crônicas como hipertensão, asma e diabetes, cujo tratamento tem caráter preventivo e não pode ser interrompido. Afinal, a ideia de reduzir linearmente as despesas discricionárias da Saúde em 60%, de forma a preservar as emendas de relator, partiu do próprio Ministério da Economia.

Como mostrou o Estadão, os técnicos do Ministério da Saúde alertaram a equipe de Guedes de que a redução dos recursos do Farmácia Popular de R$ 2,04 bilhões para R$ 804 milhões tornaria o programa inviável no ano que vem. Como alternativa, eles defenderam, sem sucesso, um corte nas rubricas de atenção primária e de média e alta complexidades do Sistema Único de Saúde (SUS). Se Guedes apelou para o contorcionismo argumentativo, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, recorreu à mentira. Para blindar Bolsonaro, ele disse que o orçamento secreto tinha execução obrigatória, quando até as pedras sabem que esse tipo de emenda parlamentar não é impositiva e poderia ser cortada pelo governo. Com a mesma desfaçatez de quem anuiu com a redução de 60% das verbas do Farmácia Popular, Queiroga prometeu não só revê-lo, como ampliar os recursos destinados ao programa. Nada disso está no Orçamento de 2023 enviado pelo governo ao Congresso.

Nisso tudo, o que chama a atenção é o silêncio de Bolsonaro. Pudera: não há o que dizer ante o fato incontestável de que o corte do Farmácia Popular, antes de ser um “desencaixe” acidental da democracia, na inacreditável definição de Paulo Guedes, expressa a essência do governo bolsonarista. A pouco mais de duas semanas das eleições, Bolsonaro está colhendo os frutos que plantou durante três anos e meio de ergofobia crônica e de orgulhoso darwinismo social. Só ele e seus ministros não sabiam a relevância que uma boa política pública pode ter no bem-estar da população. 

O fantástico país do sr. Aras

O Estado de S. Paulo

Corretamente, a nova presidente do STF, Rosa Weber, disse que vivemos tempos ‘perturbadores’; para o PGR, porém, tudo vai bem; é esse alheamento que desprotege a Constituição

Na cerimônia de posse da nova presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, na segunda-feira passada, o País assistiu a uma das situações mais peculiares – e preocupantes – do atual cenário institucional brasileiro: o alheamento da Procuradoria-Geral da República (PGR) em relação à realidade. Em seu discurso, o procurador-geral da República, Augusto Aras, disse que não vê nada de anormal nos tempos atuais. Tudo estaria absolutamente tranquilo e em ordem.

Em seu discurso de posse, a nova presidente do STF reconheceu que “vivemos tempos particularmente difíceis da vida institucional do País, tempos verdadeiramente perturbadores, de maniqueísmos indesejáveis”. Ainda que contundente, a afirmação de Rosa Weber é simples fruto da constatação dos fatos. Na ordem constitucional de 1988, houve muitas disputas e embates políticos. Mas nunca houve tantos ataques – verdadeira campanha orquestrada – contra o Supremo. Nunca houve um presidente da República desacreditando e afrontando de forma deliberada e continuada o sistema eleitoral brasileiro. Nunca houve tamanha tentativa de envolver as Forças Armadas em questões político-eleitorais e, muito menos, na apuração dos votos. Nunca houve tão intenso ataque contra as regras do jogo eleitoral, valendo-se da própria Constituição para remover proteções básicas do regime democrático. Nunca houve tanta desinformação por parte do governo federal em assuntos de saúde pública. Nunca houve tantos ataques contra a imprensa e contra a transparência dos atos públicos. Nunca houve tão marcante manipulação da religião para fins político-eleitorais. Nunca houve tão deliberado aparelhamento das festas cívicas – e do dinheiro público – para fazer campanha eleitoral.

No entanto, como se não bastasse ignorar essas agressões e ameaças, Augusto Aras está radiante com a situação do País. “O quanto para nós, como brasileiros, é gratificante saber que tivemos um 7 de Setembro pacífico e ordeiro, sem violência”, disse o procurador-geral da República. Ora, é muita miopia ver nos acontecimentos do passado 7 de Setembro apenas ausência de violência. Houve um descarado e ilegal uso eleitoral da data por parte do presidente Jair Bolsonaro – tão acintoso que nem o presidente da Câmara, Arthur Lira, fiel aliado do Palácio do Planalto, compareceu aos festejos do feriado. E isso sem falar na tensão que Jair Bolsonaro e os bolsonaristas criaram sobre a data do Bicentenário da Independência, o que exigiu medidas extraordinárias de segurança em Brasília e o cancelamento do tradicional desfile cívico-militar do 7 de Setembro no centro da cidade do Rio de Janeiro.

Para que o Bicentenário da Independência pudesse ser minimamente comemorado, o Congresso promoveu uma sessão no dia 8, qualificada pelo sr. Aras como uma “bela festa, (...) com palavras de integração e gratidão do presidente de Portugal”. O procurador-geral da República não notou, no entanto, que o chefe de Estado brasileiro, Jair Bolsonaro, não compareceu ao ato. É isso o que o chefe da PGR chama de normalidade?

Para evitar qualquer mal-entendido, o sr. Aras explicitou, no final de seu discurso, que sua irrestrita compreensão em relação às ações e omissões do Palácio do Planalto não se estende aos ministros do Supremo. Referindo-se à fala da ministra Cármen Lúcia – entre outros pontos, a ministra lembrou que “o momento cobra decoro, a República demanda compostura” –, o procurador-geral da República citou o hino da Bahia, que “tem uma frase que alcança todos os Poderes e todas as instituições: (...) nunca mais o despotismo regerá nossas ações”. Pelo visto, a preocupação do sr. Aras é com o suposto despotismo de quem protege a Constituição.

Bem se sabe como as preocupações seletivas destroem a República, cujo princípio fundante é a igualdade de todos perante a lei. Se o sr. Aras, na condição de procurador-geral da República, alheia-se da realidade, não vendo nada ou vendo apenas o que deseja ver, a ordem jurídica fica desprotegida. Não cabe ignorar os ataques contra a Constituição nem criticar quem a defende. 

Sinalizador do BC confirma retomada

O Estado de S. Paulo

IBC-Br melhora expectativas de crescimento, embora indústria e consumo apontem retomada incompleta

Apostas em crescimento na faixa de 2,5% a 3%, neste ano, ganham sustentação com os novos dados do Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), valorizado por investidores e analistas principalmente como sinalizador de tendência dos negócios. O indicador cresceu 1,17% de junho para julho e atingiu o maior nível desde dezembro de 2014, na série livre de efeitos sazonais. No trimestre móvel encerrado em julho a atividade foi 0,89% superior à do período de fevereiro a abril. O balanço dos primeiros sete meses mostrou um ganho de 2,52% na comparação com igual período de 2021. A expansão acumulada em 12 meses chegou a 2,09%.

Recebidos com manifestações de otimismo, os novos números poderão justificar projeções mais altas de crescimento econômico em 2022, especialmente se a tendência for confirmada, na próxima semana, pelo Monitor do PIB-FGV. O Monitor é uma detalhada prévia do Produto Interno Bruto (PIB) elaborada mensalmente pela Fundação Getulio Vargas (FGV).

O Ministério da Economia já havia revisto de 2% para 2,70% o crescimento do PIB estimado para este ano. Para 2023 foi mantida a taxa de 2,50%. As estimativas incluídas no último boletim Focus, divulgado pelo BC, são menos otimistas, com a mediana das projeções apontando expansão de 2,39% em 2022 e de apenas 0,50% no próximo ano. Mas várias instituições indicaram, na quinta-feira, logo depois de conhecido o novo IBC-Br, a disposição de elevar suas previsões.

O indicador do BC é publicado apenas com números correspondentes a períodos, sem referência à evolução da atividade nos grandes setores. Mas o desempenho registrado nos últimos meses deve ser explicável principalmente pela forte reativação do setor de serviços, com crescimento de 1,1% em julho, terceira alta mensal consecutiva, e avanço de 9,6% em 12 meses. Com essa expansão, o volume de serviços produzidos atingiu patamar 8,9% superior ao de fevereiro de 2020, no período pré-pandemia. O resultado de julho é explicável principalmente pelo avanço do setor de transportes, com destaque para o de cargas de produtos agropecuários.

Os números do IBC-Br ficam menos brilhantes quando se leva em conta o desempenho da indústria. A produção industrial cresceu 0,6% em julho, mas foi 0,5% inferior à de um ano antes, encolheu 3% em 12 meses e ainda ficou 0,8% abaixo do patamar pré-pandemia. O governo tem proporcionado alguns estímulos ao setor, mas continua longe de propor uma nova política de recuperação industrial, de modernização, de integração global e de crescimento durável. Essa omissão se harmoniza com a devastação das políticas educacional e de apoio à ciência e à tecnologia.

Apesar de alguma reativação econômica e da redução do desemprego, as condições de trabalho e renda permanecem ruins, são agravadas pela inflação, e isso se reflete no consumo familiar. Em julho, as vendas no varejo fundamental diminuíram 0,8% e foram 5,2% menores que as de um ano antes. Em 12 meses encolheram 1,8%, confirmando o limitado alcance social da recuperação da economia.

 

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