segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Sergio Lamucci - Um orçamento irrealista e disfuncional

Valor Econômico

Seja pelo aperfeiçoamento do teto de gastos, seja pela adoção de uma nova regra, será preciso focar no controle dos gastos obrigatórios

O cenário para as conta públicas de 2023 está marcado por incertezas. O projeto de lei orçamentária anual (PLOA) apresentado na semana passada trouxe projeções irrealistas e prioridades discutíveis, além de reforçar o quadro cada vez mais disfuncional do Orçamento brasileiro. Como pano de fundo, há a indefinição sobre uma regra que dê previsibilidade para a trajetória fiscal de longo prazo, uma vez que o teto de gastos foi driblado várias vezes pelo governo de Jair Bolsonaro, minando a credibilidade do instrumento.

No terreno do irrealismo, um dos destaques é o Auxílio Brasil, que aparece no PLOA com valor médio de R$ 405, embora os candidatos à Presidência prometam manter no ano que vem os R$ 600 vigentes no segundo semestre deste ano. Isso deve exigir nova mudança na Constituição, para driblar mais uma vez o teto de gastos. O ministro da Economia, Paulo Guedes, cogitou na semana passada a prorrogação do estado de calamidade no ano que vem para seguir com o benefício nos atuais R$ 600.

A manutenção do valor atual custará cerca de R$ 52 bilhões além dos R$ 105,7 bilhões já embutidos no Orçamento, para atender a um total de 21,6 milhões de famílias. Um programa de transferência de renda para os mais pobres é sem dúvida necessário e relevante, mas o desenho do Auxílio Brasil, o sucessor do Bolsa Família, tem vários equívocos, segundo especialistas em política social. Um dos principais é pagar um valor fixo por família, independentemente do número de integrantes. Com isso, é menos eficaz para reduzir a pobreza, além de estimular que pessoas da mesma família se cadastrem como se morassem separados, para aumentar o valor a ser recebido. Um programa com problemas de concepção, desse modo, vai se consolidando com um orçamento elevado, que deve se aproximar de R$ 158 bilhões no ano que vem.

O projeto reserva ainda R$ 14,2 bilhões para o reajuste dos servidores públicos. Nas contas de Gabriel Leal de Barros, sócio e economista-chefe da Ryo Asset, um aumento de 5% para o funcionalismo custaria R$ 17 bilhões em 2023, já acima do valor previsto no PLOA do ano que vem. Um reajuste de 20%, uma demanda de várias categorias de servidores, exigiria R$ 67 bilhões nos cálculos de Barros, ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI). Ele estima ainda que um aumento real do salário mínimo, de 0,5% ao ano acima da inflação de 2023 a 2026, adicionaria cerca de R$ 27 bilhões nesse período, ou quase R$ 7 bilhões por ano, à “ampla lista de gastos adicionais”.

Barros observa ainda que o impacto gira em torno de R$ 70 bilhões a R$ 120 bilhões apenas em 2023, sendo ainda maior nos anos seguintes. “Caso incluíssemos o apetite para a ampliação de investimentos, emendas de relator e a criação ou prorrogação de renúncias fiscais, a fatura é ainda mais excepcional”, escreve ele, em post para o Blog do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).

No campo das prioridades discutíveis, a proposta prevê a prorrogação da zeragem dos impostos federais sobre combustíveis, a um custo de R$ 52,9 bilhões em 2023. É uma quantia muito elevada para segurar os preços de itens como gasolina e óleo diesel, o que está longe de ser prioritário.

Os economistas do Banco Safra lembram que a iniciativa exige a aprovação de uma nova lei pelo Congresso. “Inserir as previsões de perdas de receitas no orçamento é condição necessária para sua aprovação, mas é insuficiente para que a medida em si seja posta em prática, pois isso depende de lei específica”, afirmam eles, ressaltando que “a promessa de prorrogar a desoneração de combustíveis também dependerá do rápido avanço da matéria no Congresso após as eleições”.

Cada vez mais disfuncional, o Orçamento deverá ter em 2023 emendas parlamentares no valor de R$ 38,8 bilhões, de acordo com o projeto apresentado pelo governo na semana passada. Metade desse total, ou R$ 19,4 bilhões, se refere às emendas de relator, que constituem o chamado orçamento secreto. A metade restante é composta pela soma das emendas individuais e das bancadas estaduais.

Recursos alocados por parlamentares representam uma fatia cada vez maior do Orçamento, na maior parte dos casos sem que haja um planejamento cuidadoso ou a adoção de critérios técnicos. Do total de gastos de custeio e investimentos para a saúde previstos para o ano que vem, estimados em R$ 20,2 bilhões, R$ 10,4 bilhões terão como origem dinheiro das emendas de relator. Além da pouca transparência do mecanismo, trata-se de uma opção ruim e pouco racional para aplicar recursos num segmento tão essencial como o saúde.

Outro dado que evidencia o tamanho dos problemas do orçamento brasileiro é a parcela enorme de despesas obrigatórias, que deve ficar em 93,7% em 2023. Com isso, o governo terá liberdade para manejar apenas 6,3% dos gastos no ano que vem. Em 2022, o percentual estimado também é baixo, ficando em 8,4%. Nesse quadro de rigidez orçamentária, o investimento realizado diretamente pela União tem sido baixíssimo, calculado por Barros em R$ 22,1 bilhões para 2022 e R$ 23,5 bilhões em 2023.

Com tantas incertezas quanto ao Orçamento de 2023, ganha força a ideia de uma licença para aumento de algumas despesas no ano que vem além do permitido pelas regras fiscais como o teto, que limita o crescimento dos gastos da União à inflação do ano anterior. Essa eventual válvula de escape, porém, precisa ser bem delimitada, e deve ser utilizada enquanto se discute uma nova regra fiscal que dê previsibilidade à trajetória das contas públicas. Os números mais recentes do déficit e da dívida pública têm sido mais favoráveis do que se projetavam na virada do ano, mas, com o teto de gastos violado seguidas vezes, permanecem incertezas quanto à sustentabilidade fiscal.

Seja pelo aperfeiçoamento do teto de gastos, seja pela adoção de uma nova regra, será preciso focar no controle dos gastos obrigatórios e na redução das distorções do Orçamento. Sem uma âncora fiscal crível, os juros de longo prazo não vão ceder para níveis mais baixos, prejudicando o crescimento.

 

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