Folha de S. Paulo
Parece que a atitude média dos donos do
dinheiro é: 'depois do tombo, deste chão não passamos'
A campanha
eleitoral parece não ter efeito negativo algum em indicadores
financeiros, até agora: taxa de câmbio ("preço do dólar"), taxas de
juros de prazo mais longo, Bolsa, por exemplo. Nos últimos dois meses, houve
discreta melhora. Parece que a atitude média dos donos do dinheiro é:
"depois do tombo, deste chão não passamos". Até novembro, ao menos.
As taxas de juros de prazo mais longo, dois
anos em diante, baixaram. Tanto que a direção do Banco Central deu
um grito nos povos dos mercados, para que não ficassem tão animadinhos com a
perspectiva de queda precoce da Selic. As taxas
de câmbio reais saíram do fundo do poço de meados de 2020. Até o Ibovespa saiu
do buraco de julho, embora ainda longe do pico do ano, em abril.
Negociadores de dinheiro grosso dizem que a eleição, em si, pode ser um "não evento". Embora não tenham programa animador ou, no que interessa para a finança, programa quase algum, os candidatos principais, Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) teriam histórico "conhecido".
O movimento no dinheiro poderia ficar mais
nervoso quando definido o resultado das urnas e, mais, quando houvesse indício
claro do que vai se fazer dos assuntos óbvios, crônicos e cruciais: dívida,
déficit, novo teto, nomes da equipe econômica, alguma ideia do tamanho da
coalizão no Congresso, plano imediato de reformas.
Por ora, a preocupação maior seria o
destino da política monetária (de juros), nos Estados Unidos, juros e crise
de energia, talvez recessão, na União Europeia e tamanho do tombo da
China.
Não se trata de dizer que as coisas estão
tranquilas por aqui, mas de conformismo e espera com armas engatilhadas. Mas o
grosso do estrago nas taxas de juros aconteceu entre setembro e outubro de
2021, quando caiu tardiamente a ficha de que a inflação poderia ser ruim mesmo
e quando o governo Bolsonaro avacalhou o teto de gastos pela primeira vez.
O preço do real, em termos reais e
ponderado pelo peso das moedas dos países com que temos comércio, sobe um
tanto. É verdade que o real se levanta das profundezas em que se meteu logo
depois do início da epidemia, quando a moeda brasileira foi a que mais se
desvalorizou. De resto, essa melhoria não bastou para dar ajuda relevante na
contenção da inflação nem é lá compatível com indicadores positivos de contas
externas. Mas não piorou com a campanha eleitoral.
Um tanto mais impressionante, agora do lado
da "economia real", até a taxa de investimento resistiu (em ampliação
da capacidade produtiva, máquinas, equipamentos, softwares, residências). Os
anabolizantes estelionatários de Bolsonaro não explicam essa resistência.
Tudo se passa como se todo mundo estivesse
ainda mais conformado com o fato de que há menos debate econômico eleitoral do
que de costume, como se alguma conversa séria fosse começar apenas lá por
novembro, como se não antecipassem desde já risco ainda maior de estragos por
causa da eleição de Lula ou Bolsonaro. Já estaria tudo "no preço".
Houve algumas surpresas, enfim, que
atenuaram ou adiaram um tico o agravamento do problema fiscal. A receita de
impostos é impressionante, a inflação alta na prática abateu o tamanho relativo
da dívida e o PIB crescerá bem além da conta (mais que dois pontos além do
previsto em fins de 2021, um erro estratosférico). Mas a conta voltará a subir
em 2023 e será muito alta.
Essa situação de crise financeira ruim, mas ora controlada ou represada, pode ser um bônus para o próximo presidente. Um programa realista e uma equipe boa podem até levantar o Pibinho de 2023 de graça, ainda que a implementação das medidas leve tempo.
DESgoverno Bolsonaro: pibinho em 2019, pibinho em 2020, pibinho em 2021, pibinho em 2022. Salário mínimo corrigido em todos os anos pela inflação, mas a inflação que a população pobre sofre é muito maior que a inflação medida pelo governo. Resultado: o salário mínimo só perdeu valor durante todos os anos do mandato de Bolsonaro!
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