domingo, 16 de outubro de 2022

Cristovam Buarque* - Eleitores x Povo

Blog do Noblat / Metrópoles

Um busca voto pela solidariedade com quem passa fome, o outro propõe vingança contra criminosos

O jornal Correio Braziliense de ontem, 14 de outubro, trouxe na primeira página, fotos dos dois candidatos à Presidência da República. Embaixo do Lula, a manchete “Promessa de combate à fome”, embaixo do Bolsonaro, a manchete “Pela redução da maioridade penal”. Estas duas posturas demonstram a diferença moral entre as propostas dos dois candidatos: o primeiro, preocupado com o povo, especialmente sua parcela pobre; o segundo, sua preocupação com o eleitor que se sente ameaçado pela violência e a impunidade de menores de idade. O primeiro busca voto pela solidariedade com quem passa fome, o segundo propõe vingança contra criminosos.

Só no dia 30 vamos saber o efeito destes comportamentos e suas bandeiras eleitorais. Mas já é possível perceber o dilema das forças progressistas, antes chamadas de esquerda, entre defender as propostas que interessam ao povo, no seu conjunto e longo prazo, ou falar para o eleitor e seu interesse específico do momento.

A fala moral correta é dizer que lugar de criança é na escola e não na cadeia, como Lula vem dizendo; argumentar que um sistema escolar de qualidade, em horário integral, é a melhor maneira de eliminar a violência e a criminalidade no médio e longo prazo. É o discurso certo para o povo, mas, o eleitor não olha o longo prazo, ele está de olho no próximo dia 30, em busca de ações para os próximos quatro anos do mandato presidencial. Para estes, o discurso certo é prender bandidos, não importa a idade.

Da mesma forma, o povo precisa ser protegido pela polícia, sem necessidade de armar as pessoas, mas o eleitor ameaçado quer posse de armas para ter ilusão de se proteger pessoalmente. As forças progressistas falam o certo moralmente, miram os interesses permanentes do povo e da nação, mas cada eleitor ouve o que interessa, no imediato, para ele, sua família, no máximo seu bairro ou condomínio no imediato. Esta é a razão pela qual as últimas eleições elegeram um Congresso conservador, graças às bandeiras que atendem ao imediato e aos indivíduos.

As bandeiras ecológicas para salvar a humanidade antes do final do século sensibiliza menos ao eleitor do que as bandeiras de desfazer a proteção ambiental para gerar emprego, salário e lucro. A promessa de mais algumas vagas na universidade empolga mais ao eleitor do que prometer que o povo e suas crianças terão escola de base com máxima qualidade para todos.

Nas eleições vota cada eleitor individualmente, com desejos e crenças pessoais, não vota o povo como entidade coletiva, abstrata, com necessidades permanentes, mas não prioridade de cada pessoa para um futuro comum. Este divórcio entre povo e eleitor que explica a eleição de um Congresso conservador: o povo precisa de horizontes progressistas que construa um país melhor e mais belo para todos, mas cada eleitor é conservador e olha para o imediato.

A falha das esquerdas não está na escolha da moral para o povo, esquecendo o que interessa ao eleitor no imediato, mas na incapacidade de separar valores e crenças morais de bandeiras políticas, e fazer o discurso que una a solidariedade com o povo aos desejos do eleitor: matar a fome de quem precisa e garantir segurança para quem está ameaçado.

*Cristovam Buarque foi ministro, senador e governador

 

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