O Globo
Instituições resistiram à extrema direita,
mas saíram chamuscadas
‘Acabou chorare’, mas não ‘ficou tudo lindo’,
como escreveu o genial Luiz Galvão, meio século atrás. O triunfo de Lula assinala
a primeira derrota de um presidente que tentava um novo mandato desde a
instituição da reeleição. Bolsonaro perdeu, como Trump, mas o bolsonarismo
segue entre nós e forma uma nuvem escura sobre a democracia brasileira. O
presidente eleito recebeu da maioria um mandato para restaurar a plena vida
democrática nacional na esfera das instituições e, também, na das relações
sociais e interpessoais.
Lula e seu partido nunca declararam uma
cisão completa com as tiranias de esquerda. O castrismo, Chávez e Maduro,
Daniel Ortega — uma parte da alma lulista continua a adorar as estátuas
antigas. Contudo, fundamentalmente, o lulismo pertence à democracia brasileira.
Nesse ponto, crucial, é um antípoda do bolsonarismo. Assim, faz sentido esperar
o engajamento do terceiro governo Lula na restauração institucional da
democracia.
As instituições resistiram ao assalto da extrema direita — mas saíram chamuscadas do embate. O Congresso trocou seu poder legítimo, de legislar e fiscalizar o Executivo, pela prerrogativa ilegítima de desviar larga parcela dos recursos públicos por meio do “orçamento secreto”. Terá Lula a ousadia de mobilizar o capital eleitoral acumulado para formar uma maioria parlamentar disposta a derrubá-lo?
Há anos, na esteira da Lava-Jato, o Supremo
Tribunal Federal (STF) atravessou a Praça dos Três Poderes para apropriar-se de
funções do Congresso. Desafiando a Constituição, juízes do Supremo suspenderam
mandatos parlamentares. Mais recentemente, em nome de uma “democracia
militante” ausente das leis brasileiras, confundiram o indispensável combate ao
golpismo com o direito de censurar a opinião idiota. Lula terá a coragem de
explicitar os limites entre justiça e política, tanto pelo uso da palavra
presidencial quanto por suas indicações ao STF e à Procuradoria-Geral da
República?
O bolsonarismo cooptou uma facção de altos
oficiais militares da reserva e, nesse passo, instilou a política no interior
dos quartéis. Simultaneamente, empregou militares em centenas de postos na
administração direta e nas estatais. Além disso, o Ministério da Defesa
converteu-se em plataforma da campanha de descrédito das urnas eletrônicas. O
espectro da “anarquia militar”, marca de nossa História republicana, voltou a
rondar o Brasil. Terá Lula o desassombro de reverter inteiramente esse curso de
militarização da vida pública, começando a tarefa pela nomeação de um civil
para a Defesa e concluindo-a pelo patrocínio de legislação que vete a atividade
política a militares da reserva remunerada?
A parte mais difícil, porém, encontra-se
noutro lugar. Democracia é, antes de tudo, um sistema de legitimação da
pluralidade de ideias. Lula e os seus têm responsabilidade no colapso do
diálogo político no país.
A descrição da política como guerra civil
surgiu entre nós com o lulopetismo. O “inimigo da pátria” de Bolsonaro foi,
antes, o “inimigo do povo” manufaturado pelo discurso do PT. A fábrica de
mensagens tóxicas gerenciada por Carluxo e seu “gabinete do ódio” teve como
protótipo a máquina da “guerrilha nas redes” financiada por recursos de
estatais nos governos de Lula e Dilma. O projeto petista de “censura
progressista”, expresso na forma do “controle social da mídia”, antecedeu as
ameaças bolsonaristas à imprensa profissional. Será que o novo/velho presidente
terá a sabedoria de trilhar o caminho de volta?
— O Brasil precisa de paz e diálogo — disse
Lula, ao agradecer a declaração de voto de FH.
— Nosso governo não será um governo do PT,
será um governo do povo brasileiro — prometeu o mesmo Lula, dias antes do
segundo turno, ao lado de Simone Tebet,
Persio Arida e José Gregori.
O caminho de volta não prescinde de uma
crítica, ao menos tácita, do percurso lulista iniciado em 2003, que conduziu ao
impeachment de 2016 e à ascensão da máfia extremista liderada por Bolsonaro.
“Acabou chorare.” “Tudo lindo” só fica na
poesia de um hippie. Temos, porém, a oportunidade de reconstruir a trama
delicada da normalidade democrática. Eis a missão de Lula.
"Temos, porém, a oportunidade de reconstruir a trama delicada da normalidade democrática. Eis a missão de Lula."
ResponderExcluirRE-construir é missão de LULA pois bozo destruiu.
Os papagaios voaram todos não ficou um.
ResponderExcluirAgora é tirar o agente laranja ovo que está perturbando por demais.
ResponderExcluirO extremismo de esquerda,que também é nocivo,parece conto de fadas perto do extremismo que assistimos na era Bolsonaro.
ResponderExcluir