quarta-feira, 5 de outubro de 2022

Fernando Exman - O telegrama falado de Lula ao mercado

Valor Econômico

Necessidade de dizer que vai cumprir a lei é sinal de alerta

Em um aceno para dirimir resistências ao seu nome no mercado, Luiz Inácio Lula da Silva fez recentemente elogios públicos ao presidente do Banco Central. Não foi lá uma carta aos brasileiros, como o documento que lançou em 2002. Mas Lula aproveitou uma entrevista ao SBT para enviar, digamos assim, um “telegrama falado” ao mercado.

Roberto Campos Neto, disse, é uma pessoa razoável e um economista competente. E ainda acrescentou que um BC autônomo não lhe causa problema, uma vez que em seu governo a autoridade monetária teve muita independência.

Foi, possivelmente, o movimento mais ambicioso que Lula fez nessa direção nesta campanha. Inclusive porque essa opinião está longe de ser unanimidade no PT, onde ainda se vê forte objeção à lei que garantiu autonomia ao BC.

Mas a declaração tem potencial para interditar eventuais críticas do PT à autonomia do Banco Central. Além disso, ela foi dada em meio à pressão para que revele nomes de integrantes de uma eventual equipe econômica (em caso de vitória petista, claro).

A tendência, até segunda ordem, é Lula resistir. Interlocutores afirmam que a escalação parece pronta na sua cabeça. Ocorre, contudo, que o ex-presidente demonstra querer ser, à luz do que fez entre 2003 e 2010, o seu próprio fiador perante os agentes econômicos. Enquanto isso, caberá ao mercado acompanhar as declarações públicas do petista com atenção.

Algo semelhante ocorreu em 2002, quando Lula encaminhava-se para vencer sua primeira eleição presidencial.

Um relato detalhado é feito por Fernando Henrique Cardoso, em seu livro “A arte da política - a história que vivi”. O ex-presidente lembra como os fundamentos do real voltaram a ser testados naquele ano.

Àquela altura, anota FHC, não se sabia quanto o petista e seu partido haviam mudado. Diante de uma cena internacional desanimadora, o risco político começou a influenciar mais o mercado em maio, quando ficou claro que Lula havia conquistado camadas da população que antes lhe eram adversas. Em junho, porém, a situação financeira se deteriorou.

O mercado temia Lula. E nesse contexto, era visto como fundamental que os postulantes à Presidência fizessem declarações dizendo que respeitariam as regras do jogo.

Decidiu-se, no Palácio do Planalto, que líderes do PT seriam procurados para que fosse mostrado como declarações dos candidatos a presidente criavam efeitos danosos no esforço da equipe econômica para rolar a dívida interna. “Também era importante continuar a discussão sobre alterações no artigo 192 da Constituição para permitir, posteriormente, autonomia operacional ao BC”, apontou FHC.

Em entrevista à coluna, Arminio Fraga relembra passagens daquela época. “O que estava acontecendo em 2002 foi uma crise de confiança que tinha como fundamento as ideias que o PT defendeu ao longo da sua vida e que faziam parte, inclusive, dos seus documentos, programas, e assustavam”, disse o ex-presidente do Banco Central ao Valor, um dia antes de declarar voto em Lula devido a preocupações com a qualidade da democracia no Brasil. “Aquilo gerou um pânico que eles nunca reconheceram. Acho que nunca foi conveniente. É muito fácil mascarar isso para quem não é do ramo.”

Para Arminio, é possível dizer que “Lula causou a crise e também ele próprio resolveu”. Essa solução veio primeiro com a divulgação da famosa “Carta ao povo brasileiro”, na qual o então candidato dizia que o Brasil queria mudar para crescer, incluir e pacificar. Na missiva, de 22 de junho de 2002, Lula garantiu respeito aos contratos e às obrigações do país. E reafirmou seu compromisso com o controle da inflação, defendendo uma transição lúcida e criteriosa.

Era o que o mercado queria ler. Na sequência, ficou claro que Antonio Palocci, visto como moderado, estaria à frente da equipe econômica. Sob a ótica dos agentes econômicos, um novo alívio.

Mas a situação dos fundamentos econômicos não era tão ruim. “O governo tinha dívida em dólar, que foi um pouco um risco que nós resolvemos correr para não antecipar a crise”, contou o ex-presidente do BC à coluna, comparando a situação à utilização de uma espécie de esteroide. “Se você está querendo se proteger”, disse, mimetizando o diálogo que poderia ter mantido com algum interlocutor à época, “toma aqui um pouco [de dólar] para não jogar o câmbio ainda mais para cima.”

Rapidamente ficou claro que o câmbio estava exibindo um termômetro para o medo que existia naquele momento. Por outro lado, o sistema financeiro estava robusto e a situação fiscal já vinha com um superávit primário há algum tempo. A inflação subiu em razão do chamado repasse cambial de preços, mas, depois, desacelerou à medida em que o dólar foi caindo.

“No que diz respeito ao Banco Central, eles fizeram uma opção que hoje eu acho que foi correta. Eu ofereci ficar seis meses, quem quer que fosse o ganhador, para ajudar numa transição, e eles optaram por me substituir, o que eu acho que foi bom”, afirma Arminio. “Naquele momento, talvez eu até levasse um crédito que claramente não era meu. O crédito é dele próprio [Lula], que jogou fora o programa do PT. Eu fui embora, mas a minha diretoria toda ficou e foi saindo aos poucos.”

Assim como elogia o trabalho realizado por Campos Neto, Arminio Fraga aponta a competência com a qual Henrique Meirelles o sucedeu. “Ele [Lula] chamou o Meirelles, que se mostrou um presidente competente para o Banco Central e foi substituindo a equipe. Foi alguém que ele próprio apoiou durante os oito anos, contra, basicamente, um mundo de petistas que gostariam de se livrar do Meirelles.”

Lula pode até não querer precipitar anúncios sobre os colaboradores que pretende ter, caso vença. Mas poderia calibrar os recados que tenta dar ao mercado. A simples necessidade de dizer que vai respeitar a lei, como é a legislação que garante autonomia ao BC, pode soar estranho para os ouvidos mais treinados. É o caso do próprio Arminio Fraga.

 

Um comentário:

  1. Em resumo, LOOLA não tem nada a ver com o brasil atual. Incrível como têm intelectuais falsos, com raciocínios falsos, defendendo esse cara. Pessoal, vocês ficaram loucos?

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