Valor Econômico
Para bancar o Auxílio Brasil de R$ 600 no
ano que vem, taxação precisa ser aprovada no Congresso Nacional ainda em 2022
“Não
tem de ter vergonha de ser rico, tem de ter vergonha de não pagar imposto.”
Essa frase foi dita por: a) Guilherme
Mello, assessor econômico da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva (PT); b)
Paulo Guedes, ministro da Economia de Jair Bolsonaro (PL).
Pois é. Paulo Guedes vem repetindo essa
fala em suas aparições públicas, em favor da proposta de taxar, com o Imposto
de Renda (IR), a distribuição de dividendos.
Essa mesma ideia é defendida no programa do
PT, que quer a tributação dos mais ricos, seja na cobrança sobre dividendos,
seja na criação de uma tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) com
mais alíquotas, ou ainda numa taxação mais forte sobre heranças.
No plano bolsonarista, o IR sobre dividendos serviria para financiar o acréscimo de R$ 200 no Auxílio Brasil em 2023, pois o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) em análise no Congresso prevê benefícios de R$ 400, e não os R$ 600 prometidos por Bolsonaro.
No plano lulista, a taxação de dividendos
entra na equação mais ampla da reforma tributária, conforme explicou Guilherme
Mello na sabatina realizada pelo Valor e
pelo jornal “O Globo” no mês passado. Os recursos serviriam para evitar que o
Imposto sobre Valor Agregado (IVA), a ser criado na reforma, fique com alíquota
elevada demais.
Pelo menos em tese, a taxação dos
dividendos está na boca do gol. Não quer dizer que convertê-lo será tarefa
fácil.
O projeto de lei 2.337/21, que também
corrige a tabela do IRPF e reduz a tributação sobre o lucro das empresas, já
foi aprovado pela Câmara dos Deputados. Falta votá-lo no Senado. Esta é a
situação há mais de um ano. A votação está travada.
Mas, se Bolsonaro vencer e quiser financiar
o Auxílio Brasil cobrando imposto dos ricos, terá de garantir que o projeto
seja votado até dezembro. Se for aprovado em 2023, ainda que no início do ano,
a cobrança só poderá começar em 2024.
Guedes tem dito que a aprovação pode
ocorrer rapidamente, após as eleições.
No entanto, as forças que interromperam seu
caminho no ano passado continuam vivas. Empresas estão em alerta para o fato de
o ministro dizer que serão arrecadados R$ 60 bilhões a mais e, ao mesmo tempo,
afirmar que não haverá aumento de carga tributária. Em 2021, o setor de
serviços se mobilizou contra a proposta.
O tributarista Ricardo Lacaz Martins, sócio
do escritório Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich & Schoueri Advogados,
diz que a tributação sobre dividendos não deve ser avaliada isoladamente, pois
assim traria distorções à economia. Ele afirma que a proposta faz parte de um
tripé, formado também pela reforma na tributação sobre o consumo e pela
desoneração da folha salarial.
Esse último item, principalmente, seria uma
medida de compensação importante para as empresas que passariam a pagar mais
imposto com a cobrança sobre dividendos. Por outro lado, passariam a pagar
menos sobre um item importante de sua estrutura de custos, que é a folha
salarial.
A desoneração da folha é uma bandeira
antiga de Guedes. Porém, não saiu do papel nos últimos três anos e dez meses
porque faltou uma perna do plano. A ideia era cortar tributos sobre a folha e
financiar a Previdência com a contribuição sobre transações financeiras.
Bolsonaro, inimigo histórico da Contribuição Provisória sobre a Movimentação
Financeira (CPMF), interditou essa discussão.
A redução dos tributos cobrados sobre a
folha figura também nos projetos do PT, sobretudo na contratação de pessoas que
ganham um salário mínimo. Isso exigiria um novo arranjo para financiar a
Previdência. No debate do Valor /“O
Globo”, Guilherme Mello comentou que a arrecadação das contribuições
previdenciárias está apoiada na tributação sobre salários, mas “o mundo do
trabalho está mudando”. Assim, será necessário estabelecer uma base de
tributação “muito mais ampla”. Não disse qual seria.
Como a desoneração da folha não está
próxima de ser instituída, é de se supor que as resistências à tributação sobre
dividendos continuem no mesmo patamar de um ano atrás.
Em contraponto a essas críticas, Guedes tem
afirmado que a mudança vai alcançar apenas os 60 mil super-ricos do país, que
há décadas não pagam imposto.
A taxação, argumenta, incidiria sobre
dividendos distribuídos que ultrapassassem R$ 400 mil por mês. Se a empresa
distribuir meio milhão, pagaria imposto apenas sobre R$ 100 mil. E seriam 15%,
praticamente metade do que pagam os funcionários daquela mesma empresa (que são
tributados na fonte em até 27,5%).
Lacaz nega que os ricos estejam livres de
pagar imposto. Afirma que hoje a cobrança incide sobre o lucro da empresa. Ele
compara: é o mesmo que dizer que o assalariado não paga imposto - sendo que ele
é tributado na fonte.
Essas discussões se referem aos tributos
federais. Quando se considera a reforma mais ampla, envolvendo também os
impostos estaduais e municipais, o quadro não é diferente do que se viu em
vários finais de governo: propostas amplamente discutidas do ponto de vista
técnico e carentes de um empurrão político para serem finalmente votadas.
Estão no Congresso duas Propostas de Emenda
à Constituição (PECs), a 45 e a 110, nessa condição. Suas antecessoras morreram
na praia, não sem antes dar sua contribuição para a difícil construção do
consenso em torno dessa reforma.
Ninguém aposta na aprovação dessas
propostas este ano. Os mais otimistas acham que o estoque de debates ocorrido
até agora pode facilitar a votação em 2023. Tal como ocorreu com a reforma da
Previdência.
Na atual rodada, o ambiente está diferente
porque os Estados estão muito pressionados pela perda de receitas do Imposto
sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), depois que o Congresso
aprovou a redução desse imposto sobre combustíveis, energia, comunicações e
transportes.
Tema árido,mas necessário.
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