segunda-feira, 10 de outubro de 2022

Irapuã Santana – Polarização e ressentimento

 

O Globo

Precisamos ouvir o grito de desespero no resultado e aproveitar a chance de transformar o futuro

A dicotomia Lula versus Bolsonaro se apresentou não apenas na corrida presidencial, mas também nos demais cargos eletivos. A esquerda quase manteve seu número de cadeiras, mas sem tirar o espaço da direita, e sim avançando sobre partidos do centro e da centro-esquerda. O mesmo movimento ocorreu do outro lado, onde a direita e a extrema direita dizimaram os grupos de centro e centro-direita.

A carnificina do centro demonstra que não bastava apenas ser simpatizante de um dos dois principais candidatos. A população exigia mais. Era preciso estar colado em Lula ou Bolsonaro para se eleger. Se observarmos o péssimo desempenho de políticos que abandonaram o bolsonarismo e compararmos com quem o abraçou de corpo e alma, confirmaremos isso.

Olhando para as fotos do resultado das eleições, saltam a nossos olhos dois pontos importantes. O primeiro é que Bolsonaro elegeu 20 de 27 senadores, e a bancada de seus aliados está gigantesca na Câmara, com 273 deputados. Isso terá implicações relevantes no novo governo. O orçamento secreto já produziu muitos efeitos nestas eleições. Se pensarmos na questão da governabilidade, em caso de reeleição, praticamente não existirá resistência no Congresso, e o atual presidente ainda terá o bônus de nomear dois novos ministros para o STF.

Na outra hipótese, se Lula se eleger, haverá exigência de grande habilidade de negociação e composição para encontrar caminhos de governar com a maior bancada conservadora/reacionária desde a redemocratização. É bom lembrar, nesse ponto, que hoje o panorama econômico é muito diferente de 20 anos atrás, e a imensa maioria de especialistas aponta a necessidade de ajuste fiscal sério.

No entanto chama a atenção que nenhum dos candidatos tem programa estruturado de governo, e 90% do eleitorado passou um cheque em branco para ambos.

As pautas, que normalmente movem as pessoas a se identificar politicamente, ficaram em segundo plano, resultando numa realidade em que Ricardo Salles teve o triplo de votos de Marina Silva.

Mas como chegamos até aqui? Penso que a virada de chave se deu a partir das manifestações de 2013, quando o Brasil estava em ebulição, e tivemos uma eleição extremamente pesada em 2014.

Se pesquisarmos, xingamentos de todas as partes sempre existiram, mas, no contexto em que ocorreram, a coisa mudou de figura. Dilma congelou preços, Aécio contestou o resultado, a inflação explodiu, veio o impeachment. A situação que causou a revolta generalizada em 2013 só piorou. O sentimento de desesperança surgiu, a caça às bruxas também, e personagens foram se solidificando desde então.

Tivemos, ainda em 2014, a oportunidade de mudar o rumo, mas não conseguimos e, infelizmente, em vez de aprender, estamos dobrando a aposta. Logo após a notícia de que haveria segundo turno, Simone, Ciro e seus respectivos eleitores ganharam o status de fascistas.

Precisamos ouvir o grito de desespero no resultado e aproveitar a chance de transformar o futuro, começando agora, para sair desse círculo vicioso que apenas tem gerado tristeza e destruição.

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