sábado, 22 de outubro de 2022

João Gabriel de Lima* - A direita e a ‘direita do B’

O Estado de S. Paulo

Direita e esquerda se uniram por achar que é hora de voltar a conversar sobre problemas concretos

A direita brasileira se dividiu. Uma parte está com Bolsonaro, outra apoia Lula. O cisma nas direitas, que surpreendeu os brasileiros, é fenômeno mundial. Na Europa, já faz algum tempo que a política deixou de ter dois lados. O espectro ideológico se divide em três: esquerda, direita e direita radical – ou “populist radical right” (PRR), no jargão dos cientistas políticos.

A direita tradicional diverge da esquerda em temas econômicos: prefere o setor privado como motor da economia, e não o Estado, e vê a prosperidade como principal fator de inclusão social, e não as políticas distributivas. O partido que representa a direita na Espanha é o PP, Partido Popular. Em Portugal é o PSD, Partido Social Democrata. No Brasil, os votos da direita costumavam desembocar no PSDB.

A direita radical tem pouco em comum com a tradicional. Seu foco são a guerra cultural e o ataque aos consensos do mundo moderno. Na Europa, opõe=se ao multiculturalismo e defende restrições à imigração. Na América Latina, a obsessão é a pauta de costumes – a expressão “ideologia de gênero”, pouco usada na Europa, foi criada num congresso episcopal no Peru.

Em Portugal, a direita radical é representada pelo partido Chega, de André Ventura. Na Espanha, pelo Vox, de Santiago Abascal. No Brasil, é irresistível chamar esse radicalismo tropicalizado de “direita do B” – com o “B” do bolsonarismo. Bolsonaro é desprezado pela direita tradicional europeia, mas tem o apoio de Ventura e Abascal.

Simone Tebet, que representou a direita tradicional nas eleições deste ano, foi uma das primeiras a apoiar Lula. João Amoêdo, fundador do Partido Novo, seguiu o mesmo caminho. “Decidi votar no PT, pela primeira vez na vida, porque com Bolsonaro há um risco efetivo de autoritarismo”, diz Amoêdo, entrevistado no minipodcast da semana. Para ele, interferências na composição do Supremo, por exemplo, seriam um passo para a “venezuelização” do Brasil.

Os estudiosos europeus fazem uma distinção entre “direita radical” e “extrema direita”. A “direita radical” quer transformações profundas na sociedade, mas pela via parlamentar. Já a “extrema direita” flerta com o autoritarismo. Amoêdo e Tebet – além dos empresários e economistas liberais que apoiam Lula – acham que Bolsonaro está no segundo caso.

“Precisamos retomar a discussão sobre economia e projetos de país”, diz Amoêdo. Direita e esquerda se uniram contra a “direita do B” por achar que a pauta de costumes gera excesso de ruído, e é hora de voltar a conversar sobre os problemas concretos dos brasileiros – entre eles, a qualidade da nossa democracia.

*Escritor, professor da Faap e doutorando em ciência política na Universidade de Lisboa

 

 

 

 

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