sábado, 1 de outubro de 2022

João Gabriel de Lima* - A luta por ideias na democracia

O Estado de S. Paulo

Nas democracias, os derrotados aguardam o próximo pleito. Que siga sendo assim

Um dos projetos mais interessantes dos quais participei neste ano foi o “votômetro” – iniciativa que juntou a Universidade de Lisboa, o jornal português O Observador e a FGV do Rio. Debates como o de anteontem podem sugerir que a política se resume a troca de ofensas, o que não é verdade. A pergunta que interessa é: o que cada candidato representa no debate público brasileiro? O votômetro, um teste de afinidade entre eleitores e presidenciáveis, se propõe a respondê-la.

O votômetro segue metodologia desenvolvida na Europa, adaptada ao Brasil. “Em busca de exatidão, cotejamos os programas registrados no TSE com declarações de campanha e a prática dos candidatos”, diz o cientista político Jorge Fernandes, coordenador da empreitada. Ele explica a metodologia no minipodcast da semana.

Examinaram-se as propostas dos quatro líderes nas pesquisas: Luiz Inácio Lula da SilvaJair BolsonaroCiro Gomes e Simone Tebet. O diagrama resultante, com dois eixos – um leva de “mais Estado” a “menos Estado”, o outro de “liberal cosmopolita” a “conservador nacionalista” –, define três posições bem claras.

Um campo “vermelho”, a centro-esquerda, defende, em linhas gerais, o crescimento econômico impulsionado pelo Estado. O campo “azul”, a centro-direita, acredita no protagonismo da iniciativa privada. No “votômetro”, Lula e Ciro – que têm propostas bastante parecidas – são os candidatos “vermelhos”, enquanto Tebet personifica o campo “azul”.

“Vermelhos” e “azuis” – herdeiros da antiga polarização PT-PSDB – concordam em vários pontos. Entre eles, a viabilização do estado de bem-estar social que os brasileiros escolheram na Constituição de 1988, e a defesa do meio ambiente por parcerias entre Estado e ONGs.

O terceiro campo, o bolsonarismo, contraria os consensos da era PT-PSDB. Os seguidores do presidente trouxeram à tona os temas da liberação das armas e do papel do Exército na política. Os brasileiros restringiram a participação dos militares nos anos 1980 e baniram as armas num plebiscito em 2003. O bolsonarismo também se opõe à atuação de ONGs na preservação do ambiente, prática vigente desde a Rio-92.

O tema da corrupção ficou fora do votômetro – não há debate propositivo sobre o assunto no Brasil, apenas xingamentos. A ferramenta, anexada à versão digital da coluna para quem quiser fazer o teste, recupera a dimensão da política como luta de ideias. Umas ganham, outras perdem – e, nas democracias, derrotados cumprimentam vencedores e aguardam democraticamente o próximo pleito. Que siga sendo assim no Brasil.

*Escritor, professor da Faap e doutorando em Ciência Política na Universidade de Lisboa

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